Com o avanço de debates sobre as diversas violências às quais alguns grupos, incluindo as mulheres, são submetidos diariamente, cresce a busca por equidade e conscientização. Hoje, existem diversos estudos e teses a respeito do feminismo, sua urgência e como representa um pilar para uma sociedade justa e atenta.
No entanto, mesmo com movimentos sociais bem organizados e debates nas mais diversas esferas, muitas violências ainda são reproduzidas, mesmo que sejam mais difíceis de identificar, como em piadas sobre TPM para silenciar e categorizar a mulher quando ela tem um posicionamento firme ou quando discorda abertamente de algo. Além disso, é comum que mulheres escutem "elogios" que as reduzem, em vez de valorizar algum feito ou qualidade, como "nem parece que foi feito por uma mulher".
Pensando nessa realidade, o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis) produziu um guia prático para homens que cansaram de ser machistas no trabalho e na vida. Com ilustrações bem-humoradas feitas por Natália Carneiro, Como não ser um babaca traz dados sobre a desigualdade de gênero e aponta falas e atitudes em diversos contextos que devem ser eliminadas. De forma didática e divertida, a autora, Marcela Studart, explica por que alguns comentários são ofensivos e machistas.
Como não ser um babaca tem colaboração do Instituto Az Mina e está disponível na Amazon para download gratuitamente, por causa do mês da mulher. Na plataforma digital, conta com diversas avaliações de leitores, incluindo do público masculino. "Guia superimportante para nos mostrar como podemos ser homens melhores para as mulheres das nossas vidas — e todas as outras! Agora não tem mais desculpa", comentou um usuário.
Para pôr em prática
Nesse contexto, a escritora Ruth Manus lançou o livro Guia prático anti machismo. A principal premissa do livro é trazer todos os gêneros para o diálogo. Existem muitos livros feitos para mulheres sobre feminismo, dissecando e as educando sobre as estruturas patriarcais que reduzem a mulher a uma posição de submissão. No entanto, não existe uma variedade de publicações direcionadas a informar sobre machismo e como parar de reproduzi-lo para todos.
Ela conta que a ideia da criação do livro surgiu após a repercussão de outra publicação que produziu: Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas, que aborda, principalmente, o tema da sobrecarga feminina. Após o lançamento e o sucesso do livro, teve a oportunidade de palestrar em diversos ambientes corporativos. Na época, sentia falta de um material mais elementar e transversal para indicar que dialogasse de forma completa e acessível com homens e, até mesmo amigos, que a procuravam querendo entender mais sobre o tema e como desconstruir comportamentos machistas.
Por isso, lançou o guia, que tem o pretexto de melhor direcionar a pessoa interessada no assunto. "É um guia, não foi feito para ficar apenas no plano das ideias, foi feito para ser colocado em prática. Por exemplo, um guia sobre Buenos Aires não teria sido produzido para ter apenas imagens da cidade e, sim, para dar um panorama, quais seus pontos turísticos principais e restaurantes para serem visitados", compara Ruth Manus. O livro tem um espaço com indicações, ao fim de cada capítulo, para, caso aquele assunto em particular interesse o leitor, ele possa se aprofundar mais, por meio de séries, músicas, livros, vídeos e podcasts sobre o tema.
Reprodução do preconceito
"O livro também é um convite", sintetiza Ruth. A autora explica que as mulheres também têm comportamentos problemáticos e que devem ser revistos em todos os espaços. Isso ocorre porque, afetadas por uma cultura enraizada que as diminui, acabam reproduzindo o machismo sem muita reflexão, naturalizando pequenas violências, que ocorrem em conversas cotidianas, em comentários sobre as aparências, posicionamentos e outros julgamentos, que não seriam direcionados para homens.
Além disso, um ponto importante abordado no livro é a relação próxima entre o machismo e outras formas de preconceito, como a transfobia, a homofobia e o racismo. "Não adianta ser antimachista e respeitar apenas mulheres cisgêneros, brancas e heterossexuais", pontua Ruth no livro, sinalizando que tudo está conectado, que a estrutura social machista propicia outras formas de discriminação e exclusão que também devem ser discutidas e superadas. "Para não sermos machistas, é essencial respeitarmos os seres humanos de um modo geral", completa.
Como começar?
O caso do deputado federal Arthur Duval, que disse, em áudio vazado, que as mulheres ucranianas "eram fáceis porque eram pobres", chocou o país. Isso ocorreu porque a situação escancara o machismo enraizado na sociedade e naturalizado na fala do parlamentar, que fala com tranquilidade um comentário absurdo sobre mulheres vulneráveis. No entanto, apesar de chocante, momentos de incômodo coletivo como esse podem ser o ponto de virada para muitas pessoas começarem a avaliar suas próprias falas problemáticas e se aprofundar no assunto.
A psicóloga clínica Alessandra Araújo explica que um dos fatores que mais influencia o comportamento inadequado dos sujeitos é a cultura e criação. Em muitos lares, é ensinado desde a infância um modo disfuncional de se relacionar e se comportar. "O que pode levar mulheres a passarem por um sofrimento e esforço psíquico imenso, apenas para ter o mínimo, serem observadas e valorizadas", explica. Ela conta que é comum atender, no consultório, mulheres com baixa autoestima, exaustão e desmotivação causadas por essa posição, principalmente nos ambientes profissionais.
Em contrapartida, tem percebido uma movimentação das gerações mais novas em tentar entender esse local de poder na sociedade e quais seus papéis para um mundo mais justo e saudável para todos. "Procurando espaços, até mesmo o psicoterápico, tenho visto o homem tentando entender algumas questões próprias dele para, desse modo, ressignificar a forma de se relacionar", completa a psicóloga, fazendo a ressalva de que o processo de autoconhecimento e percepção não ocorre de uma hora para a outra.
"O primeiro passo para a mudança é reconhecer o comportamento inadequado", diz Alessandra. Isso ocorre porque é reconhecendo que é possível agir e, de fato, reavaliar e mudar. Em alguns casos, o acompanhamento terapêutico pode ser essencial, para conseguir se analisar e refletir sobre seu consciente e inconsciente. Entrar em contato com materiais, como os livros citados nesta reportagem, pode ser um passo, além de redistribuir a carga de trabalho doméstica, como a divisão de tarefas e comentários do cotidiano.
* Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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