Neurônios em dia

Novas pistas que explicam como a covid-19 afeta o cérebro

Já temos evidências de inchaço e inflamação do cérebro em alguns pacientes e tivemos também a demonstração de lesões na bainha de mielina bem semelhantes às que são encontradas em doenças neurodegenerativas, como esclerose múltipla

No início da pandemia, os holofotes eram todos voltados ao sistema respiratório e circulatório. Aos poucos, os transtornos provocados pelo vírus sobre o sistema nervoso começaram a ser identificados. Os problemas incluem desde a redução do olfato, dificuldades de memória e dores de cabeça até derrames cerebrais, encefalite, estados de confusão mental e psicose. Isso sem falar dos efeitos das mudanças psicossociais do fenômeno pandemia, como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.

Como isso tudo acontece no cérebro? Já temos evidências de inchaço e inflamação do cérebro em alguns pacientes e tivemos também a demonstração de lesões na bainha de mielina bem semelhantes às que são encontradas em doenças neurodegenerativas, como esclerose múltipla. Sabemos que o SARS-CoV-2 pode, sim, invadir o cérebro, mas as séries neuropatológicas apontam que a identificação do vírus no cérebro não é tão significativa quanto em outros órgãos. Entretanto, novas mutações podem ter um comportamento diferente.

Um achado muito relevante foi revelado este ano entre pacientes ambulatoriais com declínio cognitivo após a infecção, condição que conhecida por brain fog. Dez meses após os primeiros sintomas da covid-19, a análise do líquor mostrou alterações muito sugestivas de um processo inflamatório autoimune, em que o sistema de defesa do indivíduo ataca o próprio sistema nervoso central. O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia nos EUA e publicado pelo periódico Annals of Clinical and Translational Neurology.

Não é definitivo devido à pequena amostragem, mas aponta para uma possível e fértil avenida terapêutica. E a Cell, periódico do grupo Nature, acaba de publicar evidências de que o vírus, mesmo sem conseguir penetrar em células nervosas do nosso olfato, promove um processo inflamatório que promove alterações da arquitetura do núcleo dessas células, tornando-as disfuncionais. Isso pode explicar inúmeros sintomas da chamada covid longa.

*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília