Tá tudo bem não estar bem

Alguns são feitos de carne e osso. Desconfio que sou pura víscera e fratura exposta. Dificilmente consigo disfarçar um sentimento. Alegria ou dor não me cabem no meu corpo e são entregues pelo olhar, exalam no tom da voz, seja em forma de riso ou de choro. Quem me conhece convive com as minhas intensidades e sou grata pela contenção proporcionada, fruto das amizades. Não é fácil lidar com as emoções

alheias porque elas nos colocam frente a frente com as nossas próprias. Viram espelhos.

Cada vez mais tem sido incômodo fazer, a quem quer que seja, a seguinte pergunta: "Você está bem?" A resposta socialmente aceitável do "muito bem, obrigada", está soando muitas vezes como inverdade. Difícil disfarçar. Não, não estamos muito bem, muitas vezes, nos últimos tempos. E tudo bem também! Ouvi de amigos, recentemente, em certos dias muito ruins, que eu precisava "amadurecer sentimentos", "parar de sofrer", "esquecer, porque foi melhor assim". Mas eu precisava chorar, até passar. Até que a angústia e a frustração se dissolvessem. E eu ficasse vazia para dar espaço a sentimentos mais otimistas.

Estamos vivendo um momento especialmente difícil. São pequenos lutos diários. Planos adiados, saúde em risco, dinheiro perdido, desemprego, desencontros. Poucos se arriscam a fazer planos a longo prazo. Não é falta de crença, é a matemática da realidade que tem cortado expectativas. Estamos em luto por gente que teve a casa invadida por água, por quem teve o azar de estar embaixo de uma rocha que escolheu a liberdade na hora errada.

O escritor americano e especialista em comportamento humano, Adam Grant, definiu todas essas emoções atuais como um "definhamento" coletivo. Não é depressão, nem tédio, nem esgotamento. É "o filho do meio negligenciado da saúde mental", afirmou. E precisamos dar atenção a esse sentimento ignorado, que pode ser traduzido pela "ausência de bem-estar".

Então, me traga um chocolate, me mande uma mensagem, me ofereça colo, me bloqueie no WhatsApp, mas não diga que não tenho direito de me sentir triste. Tristeza é passageira. Alegria também. E em diferentes momentos, um deles vem nos visitar. Me deixe recebê-los, no tempo que precisarem ocupar o sofá, torcendo para a melancolia ser mais ligeira.

O risco de mandar os dias ruins embora sem oferecer ao menos um café é que, sem despedidas, se ofendem, ficam o pé e esperam escondidos atrás da porta, prontos para invadir os dias mais ensolarados, só por pirraça.

Entendo a preocupação de quem nos ama de querer apenas nossos sorrisos, mas acredite: sofrer faz parte do processo de cura. Até nosso corpo físico foi programado para alertar, e doer, quando dos circuitos ou pequenas pecinhas do organismo estão entrando em pane. Dizem até que a dor pode ser considerada o quinto sinal vital, tão essencial para sobrevivência. Feridas, se não machucam, o cérebro deleta, ignora e o corpo padece. Que perigo! Se não arde, você mantém a mão no fogo.

Mesma coisa a alma. Se o coração não identifica o desconforto, não busca o entendimento, a calma e a solução. Não deixa para traz a causa do sofrimento. Tristeza é o que caminho mais próximo para encontrar a felicidade. Um é parâmetro do outro. Por isso, se permita não estar bem todos os dias, só assim é possível reorganizar os sentimentos e, sinceramente, dizer: "Sim, eu me estou muito bem, obrigada!"