A indústria da moda nem sempre foi acessível a todos os grupos sociais e, na história, não faltam exemplos do quanto as roupas foram utilizadas como instrumento de preconceito e opressão — do espatilho, no século 19, até os uniformes minúsculos de atletas mulheres, em campeonatos esportivos. Com roupas de praia não é diferente, já que para o público plus size, há até pouco tempo, era um desafio encontrar biquínis e maiôs que fossem confortáveis, bonitos e, especialmente, que contemplassem a personalidade de quem os usa.
A moda é um reflexo da sociedade e, se hoje esse cenário está se modificando a favor de grupos antes excluídos, é porque há pessoas se mobilizando por isso e exigindo reconhecimento. "Há 10 anos, por exemplo, era muito difícil encontrar marcas que se dedicassem ao público plus size, principalmente aos mais jovens. Geralmente, encontravam-se roupas de tamanhos maiores em lojas voltadas a pessoas mais velhas, idosas. Agora, existe um maior poder de escolha, algo importantíssimo, afinal, quem escolhe as próprias roupas, escolhe como quer ser visto", pontua Thaís Campelo, designer de moda e consultora de imagem, criadora do perfil Moda no Rolê (@modanorole).
E escolher como deseja ser visto é fundamental para a própria autoestima e autoaceitação — e são temas centrais de movimentos como o body positive e o corpo livre, que prezam pela liberdade de não seguir padrões estéticos exigidos pela sociedade. Thaís acrescenta, entretanto, que ainda há desafios a serem superados no que tange às vestimentas dedicadas à mulher gorda, especialmente em relação à tabela de medidas, que não é totalmente padronizada em todas as marcas e pode confundir no momento da compra. Por isso, algumas lojas on-line optam por apresentar as medidas exatas de busto, cintura, quadril e comprimento, a fim de evitar esses equívocos.
Além disso, a designer lembra que diversas marcas grandes e conhecidas do público geral ainda não atendem às necessidades desse grupo, mas celebra as lojas que surgem e conseguem se firmar na internet e, principalmente, nas redes sociais — "um espaço muito colaborativo para a moda", como define. De fato, mediante trocas de experiências de clientes e bastante divulgação, marcas plus size, muitas vezes de pequenos empreendedores, conseguem se fortalecer e alcançar mais pessoas. As lojas Odoyá Musa do Mar, Santo Sol Biquínis e Lela Brandão Co. são alguns desses exemplos.
"O que veste na magra, veste na gorda"
A marca brasiliense Odoyá Musa do Mar (@odoyamusadomar) surgiu da dificuldade da jornalista Rebeca Ramos em encontrar peças diferentes, bem cortadas e do seu tamanho em lojas convencionais de roupa de praia. “Peças do tamanho 44 para cima sempre são modelos grandes, com estampas desagradáveis e nenhum design” ressalta. Por isso, ao lado da amiga Patrícia Fraga, funcionária pública, decidiu estudar o corpo das brasileiras e, então, chegar às medidas do que denomina mulheres reais.
Abriram em 2021 e, além de roupas de praia, é possível encontrar peças fitness e acessórios. No que tange aos tamanhos, a marca abrange do 34 ao 56, sem distinção de estilo, ou seja, “o que veste na magra, veste na gorda”, salienta Rebeca. Além disso, as proprietárias evitam intitular a loja como plus size, já que incluem outros tamanhos, e preferem a denominar apenas como uma empresa que não discrimina. A expectativa, inclusive, é expandir os tamanhos para 58 e 60, em breve, para incluir mais pessoas.
O objetivo da empresa é reproduzir modelos que geralmente não são elaborados para manequins acima do 44. Como diferencial, a jornalista explica que são utilizadas malhas de alta sustentação, a fim de promover o conforto e valorizar o corpo. Alguns exemplos desses detalhes são os biquínis tomara-que-caia ou com alça no pescoço, que têm barbatanas, para que sustentem sem pesar; e aqueles com alça, que possuem um reforço com o intuito de não machucar, porém, sem esta precisar ser grossa demais.
Rebeca afirma que a recepção dos modelos tem sido muito positiva, havendo maior procura
do público jovem e de manequins 44 e 48. Para este verão, as apostas são nas categoriais confort e sexy. Às interessadas, é possível conferir essas opções pelo Instagram e pelo site da marca.
Foco em modelos atuais
Lívia de Morais, fundadora da marca carioca Santo Sol Biquínis (@santosolbiquinis), era empregada doméstica antes de se dedicar inteiramente à empresa, que hoje possui mais de 35 mil seguidores no Instagram. Assim como Rebeca Ramos, a ideia partiu da necessidade de encontrar roupas de praia do seu tamanho que fossem confortáveis, atuais e bonitas. Desde 2017, a loja funciona de forma on-line e tem como foco o público que veste do 44 ao 58. “Nosso diferencial são as peças modernas e com ótimo
custo benefício, bastante acessíveis”, completa.
Já para Lela Brandão, o principal propósito em criar a marca que leva seu nome foi produzir roupas confortáveis, que se adaptem a todos os corpos, não limitem movimentos e possam ser utilizadas em ambientes diversos. Os modelos são minimalistas a abarcam tamanhos que vão do PP ao EGG. Quanto às roupas de praia, o foco se deu em criar peças versáteis, com dupla face e mais de um jeito de usar. “O decote reto, com alturas variadas, permite escolher que o utilizem de forma mais fechada ou mais aberta, enquanto as alças largas acomodam os seios sem machucar”, descreve a postagem na rede social da loja.
Tendências para o verão
Segundo Thaís Campelo, as principais características deste verão apresentam duas tendências bem distintas: a volta dos anos 1980, com virilhas cavadas, recorte asa-delta e cores exuberantes; e os modelos minimalistas, com recortes geométricos, modelagens que remetem ao urbano e cores sóbrias. Já os tons são de saturação intensa no estilo retrô — fúcsia, lilás, turquesa e laranja terão maior destaque.
De toda maneira, o mais importante é ter a oportunidade de escolha, isto é, abraçar as modelagens que, mesmo não sendo tendência, tornam a vestimenta agradável e condizente com o próprio estilo. “A dica é se perguntar ‘isso combina comigo? É favorável à mensagem que quero passar? Eu, como indivíduo, acho tal peça bonita?’”, sugere a consultora de estilo.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte