Brechós e bazares sempre existiram, porém costumavam ser alvo de preconceitos por pessoas que se recusavam a utilizar roupas usadas, seja por desconfiarem da qualidade do produto, seja por considerarem essa forma de consumo algo ligado a classes mais baixas, revelando também um preconceito social.
Hoje, esse cenário tem se modificado, mesmo que lentamente. Os consumidores, especialmente os mais jovens, têm se revelado mais críticos em relação à origem das peças que utilizam, e grandes marcas já foram alvos de boicotes por estarem ligadas a suspeitas de trabalho escravo. "A moda sempre se renova: nada se cria, tudo se adapta e se copia. No máximo, inova-se. Com as mídias sociais facilitando a troca de experiências, brechós e bazares ficaram mais populares e atraíram maior público", ressalta a modelista e consultora de imagem Ana Thainá.
E ressalta uma grande vantagem. No que diz respeito ao preço e à qualidade, Thainá acredita que compensa muito mais consumir uma roupa de marca, mesmo que mais cara, do que itens de fast fashion, que se desfazem rapidamente. Peças com maior durabilidade podem atravessar décadas mantendo-se em perfeito estado. E, caso não sejam mais interessantes para quem as comprou, os brechós e bazares podem ser um ótimo destino.
Por isso, a dica da consultora de imagem é: "O guarda-roupas não precisa ser um amontoado de ninharias, mas uma coleção, bem selecionada, de peças que são versáteis e úteis para cada pessoa, seguindo o seu estilo".
Costume antigo
Para a publicitária Fernanda Feitoza, o costume de comprar em brechós e bazares começou desde cedo, quando ainda era criança, porém, ela se lembra que, na époc,a não era um mercado bem visto e, talvez, por conta disso, não tinha tanta visibilidade. Anos depois, esse contato se intensificou quando a mãe fundou o próprio brechó, o Bombaú, no qual ela trabalhava e contribuía com algumas de suas roupas. A partir daí, o interesse só aumentou e a jovem passou a consumir peças de vários brechós de Brasília.
Com o Nasty, brechó dos amigos, Fernanda passou a acompanhar também feiras que reuniam várias lojas, compreendendo mais sobre o movimento da moda circular — na qual roupas não mais utilizadas, são passadas para frente, seja por doação, seja por venda. "Há muitos benefícios nessa modalidade: a possibilidade de adquirir peças únicas ou mais raras; a valorização do pequeno empreendedor; a diminuição do lixo têxtil e, consequentemente, o combate ao fast fashion. Todos saem ganhando", reitera.
A jovem afirma, ainda, que, hoje, a maior parte das roupas que tem no armário são de brechós — um costume foi passado para os primos e o namorado, além de ser divulgado em suas redes sociais. É possível conferir dicas e conteúdos sobre moda sustentável no Instagram da publicitária (@fernandafeitoza), que sempre posta looks montados totalmente com peças usadas.
Feiras para todos
No mês passado ocorreu, no subsolo do Conic, mais uma edição do Circuito Sustentável (@circuitosustenavel), evento que visa levar brechós e marcas virtuais para um espaço colaborativo presencial. Segundo os organizadores, ao menos duas mil pessoas passaram pelo espaço nas cinco horas de duração da feira. Ana Gilgal, idealizadora do evento, reforça que dar mais visibilidade aos pequenos empreendedores, conscientizar o público sobre outras formas de consumo e promover a sustentabilidade são os pilares do Circuito.
A jovem, que também é stylist e fashion designer, acredita que as limitações da pandemia fizeram com que as pessoas repensassem a maneira como consumiam roupas, e isso intensificou o mercado dos brechós. "É um setor adaptável, que tende a grandes mudanças. E nós estamos nos preparando para todas elas." Por essa razão, já há a perspectiva para as próximas edições do evento, que devem ocorrer em um espaço maior e com intervalos mais longos.
Os brechós e marcas que desejarem participar devem preencher um formulário divulgado nas redes sociais do Circuito Sustentável. Algumas das condições presentes na avaliação são: perfil ativo no Instagram — plataforma bastante utilizada por esse mercado —, público alvo definido, persona e credibilidade. Já responsabilidade, compromisso e trabalho em equipe são requisitos cobrados para os grupos selecionados.
Conceito vintage
O Brechó do Bine (@brechodobine), por exemplo, criado pelos estudantes Denner Lima e Vinícius Mozart, participou duas vezes do Circuito Sustentável e tem um alcance significativo entre os consumidores desse mercado. “O Brechó do Bine surgiu em 2017, a partir da nossa paixão por bazares e moda slow fashion. A princípio, criamos o brechó para desapegar de algumas peças do nosso guarda-roupa, mas o alcance foi tão grande que decidimos começar a trazer mais peças do estilo que gostávamos”, explica Denner.
Hoje, os rapazes contam até com fornecedores, além de garimparem peças em bazares de várias regiões do Distrito Federal, Goiás e São Paulo. Antes de as roupas serem disponibilizadas na loja virtual, elas passam, uma a uma, por um processo de curadoria, para realização de pequenos consertos, higienização, retirada de manchas e definição de preços.
Com uma proposta bem definida, a maior parte das peças segue o estilo vintage e são inspiradas em filmes e séries dos anos 1980 e 1990. “Achamos incrível a composição dos looks e a identidade visual das produções daquelas épocas, por isso, decidimos tentar trazer um pouco disso para o agora, por meio das nossas peças”, reforça. Denner acrescenta outro atrativo: o preço mais acessível se comparado às marcas de fast fashion, por exemplo.
Para todos os estilos
Na contramão da maior parte dos brechós de Brasília, virtuais, o bazar BZR (@bazarbzrbzr), localizado em Planaltina, abarca todos os estilos e ocorre presencialmente. Idealizado pelas estudantes Amanda Xavier, Isabel Oliveira, Tayná França, Beatriz Fernandes e pela publicitária Anna Elizabete, o BZR foi fundado em 2018 e pelas mesmas razões que outros empreendimentos semelhantes: as jovens desejavam desapegar de roupas que não utilizavam mais. Não imaginavam, porém, que ganharia tanto alcance.
Apesar de ser realizado presencialmente, toda a divulgação ocorre pelas redes sociais da loja, em especial, pelo Instagram. Nele, são anunciados datas e horários, além de serem reveladas algumas peças que estarão presentes no evento. A dinâmica de organização entre o grupo é bem definida: Anna e Amanda são responsáveis pela fotografia, pelo design e pela organização do feed. Beatriz, Tayná e Isabel, pelas postagens nas redes e pelas respostas a mensagens. Todas são encarregadas de receber e avaliar as peças.
Diferentemente de muitos brechós, o BZR é bastante eclético com relação às roupas que seleciona e vende. “Nosso público vai desde adolescentes até senhoras. Sempre dividimos as roupas por categorias, nas edições presenciais, e tentamos trazer um pouco de cada estilo para atender a várias faixas etárias e gostos”, explica Beatriz. Com o avanço da vacinação, as jovens pretendem realizar mais três edições neste ano.
Glossário da moda sustentável
Slow Fashion: movimento que visa o consumo mais consciente e valoriza quem está por trás da fabricação dos produtos, além de respeitar o tempo real de produção da peça e a cultura local.
Fast Fashion: produção rápida e em grande escala, para gerar maiores lucros. geralmente, com peças de pouca durabilidade. Pode estar atrelada ao desrespeito ao meio ambiente e até a condições de trabalho análogas à escravidão.
Garimpar: procurar com atenção, cuidado e tempo peças especiais e únicas.
Vintage: peças confeccionadas há mais de 20 anos. É diferente de retrô, que se trata das roupas produzidas atualmente com design antigo.
Rework: novo visual a peças que têm um potencial maior do que o que já possuem. É, literalmente, um retrabalho.
Upcycling: grande reforma em uma peça que, por conta de alguma avaria, poderia não ser mais utilizada.
Guia da compra descomplicada
- Em brechós virtuais, a divulgação e venda das peças ocorre em maior parte pelo próprio site da marca ou pelo Instagram.
- Nas postagens, é possível manifestar interesse pelas roupas desejadas. Logo o responsável entrará em contato para fechar a compra.
- É preciso atenção à condição e ao tamanho da roupa. Normalmente, as medidas de busto, cintura, quadril e comprimento são disponibilizadas.
- Para os mais arteiros e criativos, pode compensar adquirir peças que apresentem pequenos defeitos, já que é possível consertá-las ou transformá-las em outras roupas.
- O local de entrega dos produtos será combinado com o vendedor. Geralmente, são pontos de encontro mais conhecidos e acessíveis e, a depender do brechó, há a possibilidade de optar pela entrega via Correios.
- Nos bazares presenciais, atenção à condição da peça também é essencial e quase sempre há provadores disponíveis. Locais e horários de funcionamento estão presentes nas redes sociais da marca.
- E, por último, mas não menos importante: não compre por compulsão ou por considerar os preços muito acessíveis. Adquira peças que serão realmente usadas e fazem parte do seu estilo.
Para conhecer mais
Brechó Touché: fundado por Viviane Rodrigues, em 2019, no Instagram, tem como foco o estilo vintage, retrô e confortável. Embalagens de papelão são reaproveitadas em pacotes e em etiquetas utilizados nas entregas, realizadas com dia marcado nas estações de metrô. Envia para todo o Brasil pela Shopee (@brechotouche).
Bazar da FEDF: a Federação Espírita do Distrito Federal tem um bazar permanente e presencial que vende roupas, sapatos e acessórios para todos os estilos, além de objetos para casa e até eletrônicos. Funciona de segunda a sábado, das 9h às 16h, no Sudoeste.
Nasty Brechó: criado por Caio Eduardo e Matheus Bacelar, durante a pandemia, tem como foco rework, peças vintage e urbanas, com referências artísticas dos anos 1990 e 2000. Sempre presente em feiras de brechós, tem site próprio e envia as peças para todo o Brasil (@nastybrecho).
Brechó 261: idealizado por Nathália Dias, também participa de eventos e abarca estilos diversos. As peças garimpadas passam pelo processo de curadoria que incluem customizações e upcycling. As vendas ocorrem no Instagram e as peças podem ser enviadas para o Brasil (@2meiaum).
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte