Juan Carlos Artica Apolinario costuma brincar que, literalmente, nasceu em uma cozinha. Afinal, quando estava grávida dele, a mãe, Alejandrina, abriu um pequeno restaurante em um boxe no mercado público de Tarma, pequena cidade peruana localizada no departamento de Junín. Lá, vendia marmitas com comidas caseiras típicas do Peru. Carlitos, como passou a ser chamado desde menino, era o quarto de cinco filhos e sempre acompanhava a mãe ao trabalho.
Aos 5 anos, já sabia preparar cordeiro com batata. Até que, aos 7, o óleo quente pipocou no rosto do garoto e ele parou de cozinhar. "Deu uma espécie de bloqueio", justifica. Mas Carlitos não se distanciou do restaurante. Ajudava a matriarca na entrega das marmitas. Quando estava com 14 anos, a mãe e o pai, Lino, decidiram se mudar para Lima para que os filhos pudessem estudar em escolas melhores. "Os meus pais sempre diziam que a melhor herança que poderiam nos deixar era a educação."
Na capital peruana, a mãe voltou a preparar e vender marmitas. Conseguiu um ponto em uma feira de roupas, e lá foi Carlitos ajudá-la. "No primeiro dia, vendemos apenas quatro refeições, e lembro que ficamos muito triste." A essa altura o adolescente tinha superado o trauma das panelas e voltado a cozinhar. Preparava dindim e gelatina, juntava às marmitas da mãe e saía para vender pelo comércio de Lima. "Descobri que a cozinha era o meu mundo. E disse aos meus pais que ia estudar gastronomia."
Carlitos chegou a ingressar na faculdade, mas, com o alto valor da mensalidade, não conseguiu pagar o curso. Quando estava lá pelo terceiro semestre, ocorreu o boom na gastronomia peruana, impulsionada pelo sucesso internacional do chef Gastón Acurio. "A faculdade onde eu estudava, então, abriu novas unidades e fui convidado para ser professor de tallados (cortes artísticos feitos em frutas, legumes e até gelo, transformando-os em esculturas)."
Mas não era aquilo que o jovem sonhava em fazer na cozinha. Estava infeliz. Foi quando um amigo que estava morando em Buenos Aires propôs que Carlitos se mudasse para o país vizinho e se matriculasse no Instituto Argentino de Gastronomia (IAG). Ele teria emprego garantido na cozinha do Bardot, restaurante especializado em comida peruana contemporânea. Ele achou a ideia interessante. "Como minha família é muito unida, sabia que eles sofreriam com a minha partida. Por isso, deixei para avisá-los apenas dois dias antes de embarcar para a Argentina." Em novembro de 2009, seguiu em busca do sonho de se tornar cozinheiro profissional.
Para concluir o curso em um ano, sua meta para voltar a Lima, Carlitos trabalhou pesado. Das 17h à 0h, dava expediente no Bardot; da 1h às 4h, fazia bicos pintando apartamentos — dormia no próprio serviço, em cima de jornais. Das 9h às 17h assistia às aulas. Ao final de um ano intenso, ele não só concluiu a faculdade como recebeu uma proposta de emprego no México.
Na mesma época, porém, soube que Marco Espinosa, chef peruano radicado no Brasil e que também tinha trabalhado no Bardot, estava abrindo um restaurante no Rio de Janeiro, o Lima Restobar, e recrutando funcionários. "Perguntei a 10 amigos: se eles tivessem que escolher, para onde ir, escolheriam México ou Rio de Janeiro? Todos responderam Rio", diverte-se. Assim, em janeiro de 2011, o jovem peruano desembarcava no Brasil.
No Brasil
Quando chegou ao Lima Restobar, descobriu que Espinoza já tinha montado a equipe de cozinheiros. A ele restou um posto na produção, ou seja, recebia os produtos, limpava, cortava cebola, legumes e cuidava da pia. "Cheguei cheio de expectativa, me achando, querendo fazer uma cozinha de vanguarda. Foi um banho de água fria."
Mas não demorou muito para perceber que era daquilo que precisava para crescer profissionalmente. "Senti que estava pisando numa cozinha de verdade, uma escola das antigas. Espinoza me ensinou tudo. Ele me obrigava a refazer todo o serviço, caso não ficasse perfeito. E dizia: se eu consigo fazer, você também consegue. Ali era feita uma comida com sabor, tempero, espírito e alma", sintetiza.
E, assim, ele foi crescendo na cozinha e conquistando a confiança de Espinoza. Alguns meses depois, o patrão veio a Brasília participar de um evento no Bier Fass e chamou o conterrâneo para acompanhá-lo. Coincidentemente, o chef que até então estava à frente da cozinha do Taypá, renomado restaurante no Lago Sul do qual Espinoza é sócio, tinha acabado de deixar a casa. E aí veio o convite inusitado: Carlitos não voltaria para o Rio de Janeiro e ficaria à frente das panelas do Taypá.
O desafio era enorme, mas ele não poderia deixar passar. "O movimento no Taypá era muito mais forte do que no Lima." Foi "uma aventura", como Carlitos define, que deu supercerto. E lá ficou até 2013, quando Espinoza o convocou para mais uma missão no Rio: a abertura de um novo restaurante, o Tupac. O projeto não seguiu adiante, mas o chef voltou para o Lima e, depois, ajudou a abrir a filial de Niterói. Em 2015, porém, retornou para a cozinha do Taypá, em Brasília.
Em julho de 2016, o peruano recebeu uma proposta de trabalho nos Estado Unidos. Embarcou para Lima, para passar um tempo com a família e, depois, seguir na nova aventura. Mas o chef que havia feito o convite ficou na enrolação. Os meses foram se passando e nada de o emprego acontecer. Surgiu, então, a oportunidade de retornar a Brasília, para um evento no Meliá 21. Espinoza perguntou se ele queria voltar para o Taypá, mas, agora, não seria mais como chef e, sim, como ajudante. Ele topou. Pouco tempo depois, porém, já estava de novo no comando das panelas.
Chifa
Veio a pandemia e mais um convite de Espinoza. O restaurante Cosí, que ocupava um excelente espaço no Brasília Shopping, tinha acabado de fechar as portas e o patrão, com seu tino empresarial, viu ali a oportunidade de abrir mais uma casa. Decidiu trazer um projeto que tinha acabado de concretizar em Copacabana e chamou Carlitos para ser o seu sócio. Surgia, assim, o Cantón Peruvian & Chinese Food — o primeiro de chifa na capital brasileira.
Como define Carlitos, chifa é um tipo de cozinha em que pratos chineses são "feitos com mãos e temperos peruano". Ou seja, uma fusão entre duas das mais tradicionais gastronomias do mundo. Os primeiros imigrantes chineses chegaram ao Peru no século 19. "Eles levavam a wok (panela tipicamente asiática) para os campos de trabalho e preparavam arroz frito. Os peruanos acrescentaram frango, camarão, cebolinha..." A esse prato, carro-chefe da cozinha chifa foi dado o nome de chaufa, cuja receita o chef compartilha com os leitores da coluna e pode ser um ótimo acompanhamento para a ceia de ano-novo.
O Cantón proporciona ao cliente uma imersão na gastronomia chifa, tanto nos pratos bem temperados e servidos quanto na decoração, uma verdadeira imersão ao universo asiático. Hoje, Carlitos fica no comando da cozinha do "filho caçula", mas não abre mão de dar uma ajuda no Taypá, a quem adotou como filho. "Brasília se tornou a minha casa." Sorte nossa!
Chaufa clássica de pollo
Ingredientes
170g de coxa e sobrecoxa desossadas
2g de tempero sal e pimenta-doreino
100g de ovos
280g de arroz temperado
10ml de molho de soja
10ml de óleo de gergelim
30g de cebolinha
50ml de óleo de milho
5g de gengibre batido
Abobrinha, cenoura e repolho (uma unidade de cada porcionada)
10g de broto de feijão
Modo de fazer
•Numa panela wok, coloque o óleo de milho e frite a coxa e a sobrecoxa em cubos já temperadas com sal e pimenta-do-reino. Tire da panela e use a wok para fazer um omelete com os ovos.
•Quando o omelete estiver pronto, quebre e coloque o arroz, o molho de soja, a coxa e a sobrecoxa fritas, a cenoura, o repolho e a abobrinha, e mexa. Ao final, ponha a cebolinha picada e o óleo de gergelim.
Serviço
O Cantón Peruvian & Chinese Food fica na
praça de alimentação do Brasília Shopping
Instagram: @canton.df