Viajar é preciso. Entre muitas outras coisas, a pandemia nos tirou um dos grandes prazeres de viver em um planeta tão diverso e cheio de novos lugares e culturas para conhecer. Mas o avanço da vacinação permitiu que certos sonhos se tornassem realidade. Entre eles, fazer a mala e seguir, muitas vezes, ao encontro de si mesmo.
Esse é o caso da dona de casa Maria Arlete Pimentel de Lima, 55 anos. Foi somente no fim deste ano que ela conseguiu realizar um de seus antigos desejos: fazer a Romaria para Aparecida do Norte, em São Paulo. A aventura de Arlete, sua primeira viagem sozinha, sem a companhia de nenhum dos filhos ou do marido, estava programada para acontecer no início de 2020, mas foi adiada em virtude da pandemia.
"Sempre tive vontade de fazer essa viagem, mas eu não tinha condições. Foi uma pena que, quando eu finalmente pude ir, tivemos que esperar. Além disso, estávamos todos com medo, sem saber direito o que ia acontecer. Rezei muito", conta Arlete.
Não foi fácil para a dona de casa lidar com a frustração da viagem adiada indefinidamente. E, apesar de todo o medo trazido pelo novo coronavírus, Arlete conta que tudo correu bem em sua família. Respeitando o isolamento e se vacinando assim que podiam, todos ficaram com saúde.
Com o grupo de amigas da igreja, duplamente vacinada, ela, finalmente, pôde realizar o sonho. Em novembro deste ano, embarcou em um ônibus e acrescentou novas bênçãos em suas preces de agradecimento à santa. "Eu queria agradecer à Nossa Senhora pelas bênçãos alcançadas e, agora, também posso ser grata por ninguém da minha família ter pego essa doença horrível. Todas estamos felizes, contentes por, finalmente, vivermos esse momento especial".
Além de ser a primeira viagem solo de Arlete e a realização de um sonho de juventude, o passeio foi a primeira vez em que ela se afastou da família desde o início da pandemia. "O sentimento principal é de felicidade e alívio por, finalmente, viver esse momento."
Além da igreja e do roteiro religioso, Arlete conta, aos risos, que estava muito ansiosa para conhecer o shopping da cidade. Ficar no ônibus com as amigas e conhecer outras pessoas também foi importante para a aposentada. O isolamento a fez valorizar ainda mais novas amizades. "Depois de afastar, acho que a pandemia reuniu as pessoas, fazendo a gente ser mais caridoso e humilde, valorizando o nosso próximo e as relações uns com os outros", acredita.
Momentos em família
Diferentemente de Arlete, o consultor político Gustavo Emmanuel de Castro, 27 anos, sempre viajou sozinho e até deixava de embarcar com a família para viver uma aventura particular. Tudo começou em 2017, quando ele fez um intercâmbio para a Irlanda. Recém-formado na faculdade, Gustavo queria aperfeiçoar seu conhecimento da língua inglesa para o futuro profissional e descobrir o que queria fazer da vida. "Um amigo sugeriu essa viagem, eu estava bem perdido e curti a ideia. No fim, ele desistiu e eu acabei indo só", lembra.
Ao entrar no avião e se deparar com os comissários falando outra língua, assim como os passageiros, o frio na barriga aumentou, e o mix de medo e animação tomou conta de Gustavo. Foi a primeira vez que ele saiu de casa e, apesar das dificuldades que surgiram no caminho, o rapaz define a experiência como libertadora. "Tinha que me virar e, por ser uma pessoa muito ansiosa, ser forçado a viver tudo no presente me ajudou a me conhecer e entender melhor a vida", afirma.
Além de não ter muito tempo para se preocupar com as incertezas do futuro, Gustavo acredita que estar longe de casa e de todos que conhecia permitiu que ele se desligasse também do passado e pudesse entender melhor quem ele era no presente, sem interferências. "Vivi tudo de maneira muito amplificada, foquei no presente, em mim mesmo e acho que pude me entender melhor, o que me permitiu voltar e ser uma pessoa melhor para minha família e meus amigos também. Além de ter uma noção do que eu queria da vida", conta.
Porém, pouco tempo depois de voltar para o Brasil, Gustavo se viu trocando a liberdade total para a liberdade zero. O isolamento com os pais e a irmã fez com que a readaptação de Gustavo à convivência familiar 24 horas por dia acontecesse intensamente. Em home office durante todo o ano, depois da vacinação, surgiu a oportunidade da primeira viagem após o isolamento. Foi a primeira vez, desde a infância, que Gustavo viajou com a família. Em Fortaleza, além de estar com os pais e a irmã, ele pôde reencontrar toda a família do pai, que não via havia mais de 10 anos.
"Sempre fui mais na minha, não viajava tanto com eles, mas acho que a pandemia me fez entender o quanto vale a pena a gente valorizar esses momentos com quem amamos. Vale a pena me esforçar para estar com eles, em vez de priorizar outra viagem sozinho, por exemplo".
Mas a experiência positiva não tirou o espírito aventureiro de Gustavo. Ele já se prepara para viver algo novo assim que tirar suas primeiras férias com carteira assinada. Sempre pensando para onde vai depois, ele planeja conhecer a América Latina, e a Patagônia está em primeiro lugar na lista. "Vou sozinho e lá reencontro alguns amigos que fiz pelo mundo. As grandes viagens que mudaram a minha vida, eu fiz sozinho e estou ansioso e animado para descobrir o que me aguarda", diz.
Para Gustavo, a liberdade é um dos grandes atrativos desses passeios. Quando está acompanhado, ele acha que fica mais cauteloso; sozinho, permite-se um pouco mais. Sem precisar combinar e considerar as vontade de outras pessoas, pode viver experiências únicas e inesperadas.
Vencendo o medo de estar só
Acostumado a estar sempre com os amigos, o servidor público Eduardo Souto, 27 anos, começou a perceber que a vontade de ficar cercado por quem ama estava impedindo que ele vivesse determinadas experiências. O rapaz viu que havia se tornado dependente de companhias para tudo o que queria fazer. Deixava de conhecer restaurantes, de ver uma peça no teatro e de curtir a estreia de um filme no cinema toda vez que não conseguia alguém para acompanhá-lo.
"Isso começou a me incomodar quando vi que estava deixando meus desejos de lado. Deixava de viver experiências que eu queria muito por não ter alguém para ir junto. Isso passou a me fazer mal", lembra. Tentando se libertar do que via como um problema, Eduardo tomou uma atitude drástica. Em vez de começar curtindo uma sessão de cinema sozinho, resolveu fazer um intercâmbio de um mês por conta própria.
Assim, ele embarcou para Londres. Ainda aprendendo a língua, perdeu-se pela cidade, passou alguns "perrengues" com a alimentação e descobriu os prazeres de sair da própria bolha. "Era eu comigo mesmo, perdido, sem entender o mapa no celular e precisando encontrar uma solução, dependendo de mim mesmo."
O servidor público gostou da experiência, que o ajudou a ter mais autoconfiança e independência, e a transformou em hábito. Quebrar barreiras, improvisar e se virar sozinho se tornou um exercício de superação importante para ele. Todas as viagens internacionais, desde então, foram por conta própria.
Antes da pandemia, em fevereiro de 2020, Eduardo conheceu Nova York. "Tive a sorte de ter acabado de fazer uma viagem muito boa no limite. Em março, tudo fechou e foi aquela loucura. Depois dessa minha libertação, foi difícil ficar parado durante esse tempo", conta.
A retomada
Após mais de um ano sem colocar o pé para fora, Eduardo começou a se inquietar. O tempo livre permitiu que ele pesquisasse bastante e começasse a considerar o que achava ser um sonho impossível: conhecer Dubai. "Para mim, era um tipo de viagem que os meros mortais não poderiam fazer. Coisa só de gente muito rica mesmo. Era um sonho distante e pesquisando eu descobri que talvez conseguisse realizar."
Com a meta de conhecer um país diferente por ano pausada, o sonho distante começou a parecer mais próximo. Vendo que a situação vacinal e de restrições nos Emirados Árabes estava muito avançada e vislumbrando até mesmo a possibilidade de se imunizar do outro lado do mundo, Eduardo comprou um pacote para maio de 2021.
Ansioso, acompanhava avidamente as notícias de abertura e fechamento de fronteiras e chegou a mudar as passagens quando o país em que faria escala proibiu a entrada de brasileiros. "Bateu um desespero, eu já tinha reservado tudo. Todo o roteiro planejado, até pela necessidade do teste de covid-19 com 72 horas".
Sem saber se poderia embarcar, Eduardo revela que o risco valeu a pena, pois a sensação de voltar a viver, fazer planos e se arriscar para realizar sonhos foi importante para que ele não se entregasse aos sentimentos de desesperança trazidos pela pandemia. "Tudo podia ir por água abaixo, e foi dinheiro e tempo que investi ali. Mas aprendi a sair da minha zona de conforto, entendi que se fosse esperar ficar com zero medo, fosse de viajar ou de pegar covid, eu não ia mais viver, pois o medo e o risco estão sempre ali. Precisamos tomar os cuidados necessários, claro, mas não deixar de viver", pondera.
Em Dubai, Eduardo conta que parecia estar vivendo tudo pela primeira vez e que aprendeu a valorizar pequenos prazeres que não percebia antes. Ver o rosto das pessoas, comer em um restaurante, e o simples ato de poder andar pelas ruas sem máscara, medida liberada no país, foram momentos mágicos para ele.
O servidor conta que ainda gosta muito de viajar e sair com alguém, mas hoje entende que a falta de companhia não pode ser um obstáculo para curtir novas experiências. "Sempre fui muito apegado e esse foi um aprendizado que as viagens solo me trouxeram. Eu me conheci mais profundamente e passei a apreciar muito minha companhia."
De olho no futuro, Eduardo sonha em acompanhar o campeonato mundial de vôlei na Rússia e na Holanda. Por enquanto, está apenas no planejamento e de olho nas medidas sanitárias. A princípio, ele vai sozinho, mas se alguém quiser acompanhá-lo na aventura, está de braços abertos.