O ambiente de produção, apreciação e avaliação de vinhos é tradicionalmente ocupado por homens, certo? Essa afirmação até estava correta há alguns anos, mas o cenário tem mudado. E as mulheres estão cada vez mais presentes nesse nicho, ocupando posições de destaque. Seja na parte técnica, como enólogas e produtoras, seja como sommeliers, na área de avaliação e degustação.
A ocupação feminina conta com exemplos em diversos locais do mundo, como a famosa champanheria francesa Guy Méa, que comercializa espumantes de qualidade desde os anos 1950 e, atualmente, é administrada por uma mulher, Sophie Milesi. Ela trouxe uma série de inovações na produção da família, que conta, inclusive, com certificação de sustentabilidade ambiental.
E esse não é um caso isolado. A cerca de 80 quilômetros de Brasília, no município de Formosa, em Goiás, a socióloga e sommelier Lorena Ferraz produz vinhos brasileiros há dois anos, na Lorangi Marani. O nome faz referência aos tradicionais vinhos laranjas da Geórgia, país vizinho da Rússia, e às iniciais de Lorena e Gocha, responsáveis pela criação da bebida. Trata-se de uma produção independente. Apesar de não realizar a plantação das videiras, ela transforma em vinhos as uvas que vêm do Vale São Francisco e do Sul do país, utilizando uma receita ancestral georgiana.
Lorena conduz a propriedade e é responsável por administrar a vinícola, organizar a comercialização dos vinhos e divulgar os produtos nas redes sociais. Ela conta que o encanto e a curiosidade que sempre teve em torno do vinho como consumidora a levou a estudar e a se especializar no assunto. A produção, que agora está no segundo lote, também está extremamente conectada a seu companheiro, um georgiano que vem de uma família de produtores de vinhos e vem testando e aprimorando como melhor reproduzir a receita em terras brasileiras.
Lorena admite que está em uma posição privilegiada, pois sempre teve acesso a viagens e informação, como a formação que teve pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) de São Paulo e de Brasília. Apesar disso, sabe que não é a realidade de muitas mulheres, que têm medo ou receio de frequentar e ocupar esses espaços. Ela conta que parte de seu trabalho também é combater essa realidade, incentivando e inspirando mulheres a provarem e explorarem o mundo do vinho. "É como na culinária, você não precisa saber cozinhar para gostar de um preparo. Com os vinhos, você não precisa ter conhecimentos acerca deles para gostar e provar", afirma a especialista, sobre falas comuns que elitizam e afastam ainda mais as pessoas da enocultura.
Amigas do vinho
Nesse contexto de busca das mulheres por conhecimento, Rachel Alves Nariyoshi começou a estudar sobre o vinho — a história e as particularidades da bebida. Gostou tanto do tema que passou a fazer cursos, comprar livros e revistas, conciliando o hobby com seu trabalho formal, em tecnologia da informação. Quando surgiu o primeiro curso de gastronomia em Brasília, ingressou na faculdade, formou-se e continuou na instituição como professora de vinhos, devido à bagagem que já tinha antes e à que adquiriu na formação.
Além da posição de docente, sempre teve interesse em grupos e associações, por isso, quando conheceu a Confraria Amigas do Vinho, em uma viagem à Serra Gaúcha, encantou-se e quis fazer parte. Mas, como funciona na esfera estadual e ela não mora no Rio Grande do Sul, recebeu instruções de que poderia fundar uma confraria para atuar no Distrito Federal. Rachel juntou um grupo de amigas que também tinham interesse no assunto e fundou a Confraria Amigas do Vinho, seção Brasília, em novembro de 2005. Na época, contava com sete mulheres. Hoje, 16 anos depois, são cerca de 2,5 mil confreiras cadastradas.
Para integrar o grupo, basta ser mulher, ter mais de 18 anos e, claro, apreciar a bebida. "O nosso foco é o vinho, mas permitimos, em nossos grupos, falar sobre cinema, teatro, arte e também fazer o networking feminino", explica Rachel. As confreiras participam de diversos eventos culturais na capital, além de dividir experiências e apoiar seus empreendimentos. São realizadas aulas de vinho gratuitas, lecionadas semanalmente pela professora e presidente Rachel e outros convidados. Nos encontros, é possível também tirar dúvidas.
O grupo realiza reuniões mensais com foco na enogastronomia e na harmonização de pratos culinários com vinhos. Durante a pandemia, houve uma paralisação das atividades presenciais e as reuniões foram adaptadas para o momento, com chamadas de vídeo, aulas e entregas de vinhos para degustação conjunta, em que todas tiveram espaço para opinar sobre os aromas e sabores dos diferentes vinhos e interagir, mesmo que de forma remota. Com a vacinação de todas, algumas até mesmo com a dose de reforço, elas voltaram a organizar algumas atividades presenciais, como a comemoração dos 16 anos de confraria no mês passado.
"Hoje, somos conhecidas como um grupo sério, participativo, que não quer só beber vinho, tem algo a mais", afirma Rachel. Além de desglamourizar o vinho e seu consumo, elas têm um compromisso anual com o Outubro Rosa, que vai além de compartilhar informações. No ano passado, mais de 400 lenços de todos os tipos foram arrecadados para doação pelas Amigas do Vinho e, neste ano, o foco foi na doação de cabelos. Outra curiosidade é que o clube está sendo auditado no momento para entrar no Guiness Book como a maior confraria feminina de estudo e apreciação do vinho no mundo.
Socialização
Participar de grupos assim é importante para conectar pessoas com interesses em comum e direcionar para formações sérias, como a da Associação Brasileira de Sommeliers do Distrito Federal (ABS-DF), que organiza cursos de formação técnica de sommeliers e de avaliadores de vinhos, além de aulas sobre conhecimentos elementares da bebida. As confrarias também podem ser um espaço de acolhimento. É o caso de Lúcia Vargas, que faz parte da Amigas do Vinho há sete anos.
Quando conheceu o grupo, Lúcia passava por um período de luto prolongado e muita dor, devido à perda do marido. Participar de eventos e estudar trouxe uma nova direção para sua vida. "Tem sido anos maravilhosos. Conheci pessoas interessantes, fiz amizades, adquiri cultura e me diverti muito. O grupo me ajudou a sentir novamente vontade de sair e ter prazer em viver plenamente", conta a aposentada. Ela completa que tinha desejo de aprender e curiosidade sobre enologia, e encontrou na confraria um espaço de pertencimento e crescimento.
Serviço
Confraria Amigas do Vinho
Instagram: @amigasdovinhobrasilia
Lorangi Marani
Instagram: @lorangimarani
WhatsApp: 9 8147-8553
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte