O cerebelo é uma região do sistema nervoso central que fica na sua parte posterior e por muitos anos foi considerado o maestro de nossa coordenação motora. Há algum tempo temos evidências de que ele também participa da nossa atividade cognitiva, processamento das emoções e comportamento. Nesse caso, ele usa sua batuta para fazer com que as regiões ligadas ao pensamento e às emoções trabalhem em conjunto de forma mais eficaz. E esse conhecimento só teve início há duas décadas, após a descrição da Síndrome Afetiva Cognitiva Cerebelar pelo americano Jeremy Schmahmann. Ele mostrou que indivíduos com lesões no cerebelo apresentavam, além de alterações de coordenação motora, disfunções cognitivas e de controle emocional.
Mais recentemente, temos evidências de ligação entre alterações da função do cerebelo a condições como adição a drogas, autismo e esquizofrenia. Esses achados sugerem que o cerebelo deva participar do sistema de recompensa cerebral e de nosso comportamento social, mas uma clara conexão entre esses sistemas ainda era desconhecida. A revista Science publicou, em 2019, uma pesquisa que deixou mais clara essa questão.
Pesquisadores americanos mostraram, pela primeira vez, um circuito que liga o cerebelo diretamente ao centro tegmentar ventral, área do cérebro considerada um dos mais importantes centros do nosso sistema de recompensa. A pesquisa foi realizada em roedores e mostrou também que a estimulação desse circuito era capaz de provocar comportamento semelhante ao de adição. Um futuro experimento testará se roedores expostos a drogas, como cocaína, podem ter o componente de adição reduzido após a inibição desse circuito.
Neste mês de novembro, tivemos mais uma descoberta importantíssima da influência que um núcleo de neurônios no cerebelo tem sobre o comportamento humano. Desta vez foi demonstrada que a ativação desses neurônios é capaz de aumentar a saciedade em até 75%. O início da investigação partiu da evidência de um padrão de ativação atípico no cerebelo em pacientes com a síndrome de Prader Willi quando expostos ao alimento. Essa é uma condição genética rara em que os portadores comem compulsivamente, levando-os ao desenvolvimento de obesidade. Os pesquisadores conseguiram demonstrar também um circuito ligando esse grupo de neurônios no cerebelo com o sistema de recompensa cerebral.
Novos estudos em humanos já estão na mira desses laboratórios. A manipulação da atividade dessas conexões (cerebelo-sistema de recompensa) com técnicas de impulsos magnéticos e microeletricidade pode ser promissora para o tratamento de adição a drogas e obesidade, por exemplo.
*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília
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