A correria do dia a dia tem levado muita gente a se esquecer de usar a mesa na hora de fazer as refeições. Alguns ficam fascinados pelas telas; outros veem tentação no conforto do sofá. Sem falar dos dias corridos, que exigem que se coma o que tem à mão ou nos rende ao "vou comer aqui mesmo, rapidinho".
"A sociedade vive em um ritmo em que tudo é fast. As pessoas não querem mais perder tempo, é tudo muito rápido, imediato, e isso se reflete no comportamento alimentar", avalia a nutricionista Talyta Machado. Ela vê, nessa dinâmica, um dos motivos que se leva a menosprezar a alimentação e a abandonar a mesa na hora de comer.
E por que isso faz mal? Talyta elenca, primeiro, a desconexão com a cultura alimentar, que seria natural, e com os princípios da alimentação, que, além de nutrir, têm a ver com prazer, comunhão e confraternização.
Além disso, vários estudos da área da saúde associam prestar atenção ao que se come com o estado nutricional. Uma pesquisa da Universidade Federal de Lavras (UFLA), de Minas Gerais, aponta que usar o celular ou ler durante as refeições aumenta o consumo de calorias em até 20%.
"Com a mesa posta, há um efeito na fome e na saciedade. Quando comemos, todo o nosso corpo come junto — olhos, nariz, mente. Se a refeição é feita muito rapidamente, parte do corpo não entende que você se alimentou", explica Talyta. É o que acontece com quem acabou de almoçar e ainda está com fome, por exemplo.
Outro ponto importante é que negligenciar a hora de se sentar e comer impacta a mastigação, que, além de influenciar na sensação de saciedade, faz mal à digestão. O ideal mesmo é nem usar celular ou aparelhos eletrônicos, leitura nem trabalho à mesa. É preciso estar atento ao prato para garantir uma boa ingestão de nutrientes, sentir-se pleno e satisfeito depois de comer.
Quem deseja começar a comer à mesa pode iniciar com uma refeição ao dia. "Não se pressione nem tente mudar tudo de uma vez. É importante pensar qual refeição do seu dia é possível realizar com calma, e assim fazer", aconselha Talyta.
Coloque o prato, arrume a mesa de um jeito agradável. Panos limpos, talheres ordenados. "Isso tudo dá um ar aconchegante e transforma uma refeição diária no que deve ser: prazer e nutrição. Você pode também planejar um cardápio especial algumas vezes na semana ou montar um prato bem arrumadinho, como teria em um restaurante", acrescenta a nutricionista.
Hábito compartilhado
A psicóloga Juliana Villa Carneiro, 43 anos, sempre teve o hábito de se sentar à mesa para comer. Orientada por uma nutricionista, Juliana segue um plano alimentar e afirma que pôr a mesa ajuda a fazer escolhas ainda mais saudáveis e a manter-se bem e firme na boa alimentação.
Ela busca passar a boa prática para os filhos, um menino de 6 anos e uma menina de 3. Eles não comem assistindo à televisão. Também não é permitido celular na cozinha. A hora de sentar à mesa é encarada como um momento em família, sem distrações. "O que a gente oferta, eles comem. Então, propostas saudáveis à mesa fazem eles comer bem", conta. Como os filhos veem os alimentos na mesa, já reconhecem e comem couve-flor, brócolis, abobrinha e vários outros legumes, e entendem a hora e a importância das refeições.
Durante o período de distanciamento social causado pela pandemia, a família aproveitou para consolidar o hábito. Segundo Juliana, ficou até mais fácil sem a tentação dos fast-foods, na rua, nem festas infantis, que também faziam sair da rotina.
Atenção plena
A nutricionista Elissa Cunha reforça a importância da mesa posta para a boa nutrição, sobretudo, no caso das crianças: "Compartilhando a refeição, elas escolhem bons alimentos quando esses estão disponibilizados. Não desviam a atenção para celular e televisão. Também tendem a não comer 'correndo'".
Para a especialista, comer com a família à mesa ajuda ainda a valorizar o estar entre os parentes, é uma oportunidade de ouvir o que cada um tem a falar e dialogar. Ao colocar a comida no prato, é momento também de refletir. É pensar se o alimento faz bem ou o que de nutritivo existe nele.
"Um exemplo clássico é a pipoca de cinema. Você come sem parar, olhando uma tela enorme. Agora, faça um teste e fique com o balde de pipoca do mesmo tamanho olhando para uma parede, em silêncio. Perceba se consegue comer da mesma forma", compara Elissa. A analogia serve para entender que a percepção em frente à tela, em um ambiente diferente, muda a da quantidade consumida. "Nesses casos, não se presta atenção ao que se está verdadeiramente fazendo. E, por muitas vezes, acaba-se comendo mais do que o necessário."
Elissa reitera que muitas frustrações, ansiedade e depressão podem gerar um padrão disfuncional de alimentação. Também por essa razão, é mais saudável respirar, estar presente, deixar os talheres descansarem e planejar (muito importante!) refeições com legumes e verduras.
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