Ah, a primavera… Ela chega trazendo mais cores e, para o brasiliense, o alívio da volta do período de chuvas, depois de encarar a umidade relativa do ar em 10%. A sensação de leveza e a alegria parecem vir naturalmente com o início da temporada. Mas, para algumas pessoas, a estação tem um significado a mais. A Revista conversou com artesãs que se diferem pelas criações, mas que têm um ponto em comum: o trabalho com flores ou representações delas, que são símbolo da estação. Conheça algumas dessas histórias.
Buquês com história
De executiva na área de marketing a florista e produtora de orgânicos. Para alguns, Cilene Vieira, 57 anos, fez a transição dos sonhos no campo profissional. Aqui, a analogia do renascer e florescer das flores cai bem: “Estou em uma fase mais madura. Compramos uma chácara e foi como começar do zero”. Foi depois de tirar um ano sabático, em 2019, momento de crescimento pessoal, que ela se conectou de vez com a terra. Durante a pandemia, intensificou a produção de buquês e começou a desenvolver arranjos.
Aliado à ioga e à meditação, Cilene encara o trabalho com flores como um quê de autoconhecimento e bem-estar. “Sempre tive flores em casa, mas passei a vê-las como o aprendizado diário que são. Acompanho o crescimento e cuido, é tanto terapia quanto fonte de renda”, conta. É que, além de cultivar, ela comercializa os arranjos. Inclusive, alguns clientes fazem questão de receber um novo toda semana.
A florista diz ter um método próprio de montagem dos buquês, que é um processo superintuitivo. Ela pensa nas cores, nas texturas e nos materiais, também mentaliza a pessoa que receberá as flores. Em conversa com os clientes, tenta ir além do comercial. Nenhum buquê é aleatório. “É um momento de meditação e presença”, define. Afinal, as flores estão presentes quando se deseja confortar alguém, celebrar, agradecer. Por isso, a atenção e a intuição são peças tão importantes.
O terreno da chácara vem enfrentando a forte seca, típica dos últimos meses no Centro-Oeste. E a produção de flores orgânicas de Cilene sofre muito. Em setembro, a névoa do ar seco cobriu os morros vistos da casa dela e chegaram até o campo de lavandas. As flores costumam suportar bem nesse clima, mas começam a dar sinais de desgosto. É de se imaginar que a expectativa pelos dias de primavera, para a florista, é grande: “Com a primavera, as pessoas começam a prestar mais atenção no ambiente, a querer flores por perto. É pura alegria. Minha intenção é disseminar o bem que elas fazem, e a primavera tem tudo a ver”, diz.
Como alternativa, ela tem feito buquês de ervas, com coentro, alecrim, tomilho, hortelã, erva-doce, manjericão, folhas de eucalipto e, se consegue, alguma flor para enfeitar. Para o futuro, os planos são aprimorar a estrutura ainda simples de produção, mas manter a raiz natural, sem uso de pesticidas.
Coleta afetiva
A arte com flores foi o que fez Sabrina Bomfim, 33 anos, reconhecer-se, depois de uma quase depressão pós-parto. “Vi o trabalho com biojoias na internet e, de imediato, soube que tinha que tentar. Na época, precisava de trabalho, mas não podia sair de perto do meu filho.” Ela, que sempre gostou de atividades artesanais, vendeu a câmera fotográfica semiprofissional que tinha e começou a produzir em casa.
O processo é fruto de um método próprio criado por Sabrina, depois de vários testes. Uma das diferenças, se comparado aos caminhos mais tradicionais, é que ela não usa molde; de forma mais orgânica, faz o desenho da joia acompanhando a própria forma das flores, criando peças únicas.
A coleta afetiva, como Sabrina chama, especial para ela, dá ainda mais valor às peças. Sabrina sai caminhando ao ar livre em busca de flores, em uma verdadeira valorização do cerrado. O nome do negócio da artesã, Aflorar de Gaia, em que ela vende as biojoias, significa Mãe Terra, sendo Gaia o símbolo da unidade de toda a vida na natureza. Tem algo mais a ver com flores do que isso? “A minha arte me trouxe de volta, depois do choque da maternidade. Por isso, espalho a ideia do ‘leve a natureza com você’, que acredito muito”, diz.
O resultado varia conforme a estação. No outono, as flores usadas costumam ser mais secas. O tempo de secagem delas também é mais rápido nesse período. Aliás, a secagem é muito importante para a qualidade da joia e pode levar até 15 dias em tempos mais úmidos. Isso porque a umidade natural da flor pode oxidá-la, deixando-a escura, então a etapa vale o cuidado.
Na primavera, Sabrina gosta de usar a bougainville, popular flor da primavera, que aparece em vários tons e tamanhos. Depois da prensa em tábua de madeira, Sabrina passa para a resina, fazendo o molde da planta. O acabamento é feito em palha de buriti. Ela conta que faz peças por encomenda, com flores, às vezes, trazidas pelo próprio cliente e que vêm cheias de histórias. “Tem vezes que me emociono sem sequer conhecer a pessoa muito bem. De fato, esse trabalho gera uma conexão, porque as flores sempre remetem a uma avó, uma tia… ou a algum lugar. Emocionam porque eternizam momentos”, resume.
Jardins feitos à mão
Kátia Ferreira, 51, gestora do Instituto Proeza, tem uma conexão especial com as flores e o trabalho manual. Há 18 anos, a organização sem fins lucrativos capacita mulheres em situação de vulnerabilidade social, por meio do bordado e do crochê. A sede tem também atividades para crianças e adolescentes, com espaço de convivência e cursinho pré-vestibular, no contraturno escolar. Assim, enquanto as mulheres desenvolvem as atividades delas, os menores ficam acolhidos.
Completamente apaixonada pelas criações, Kátia espera encapar todo o prédio da ONG, que tem cinco andares, com crochê. A vontade é bater o recorde de maior estrutura encapada de crochê no mundo, tudo feito com o que as mulheres aprendem a bordar e costurar. Ela já encapou a van do projeto.
Na sede do Instituto, há uma sala totalmente coberta pelo trabalho. O nome do cômodo, Jardim Tropical, não é à toa: ele é preenchido por crochê com desenhos de flores e por passarinhos bordados, supercolorido. “Parece loucura, mas queremos nos diferenciar. Brincam que eu não posso ver uma coisa que já quero encapar”, diverte-se.
O projeto de profissionalização desenvolvido por Kátia, que também é estilista, já rendeu a ela e às mulheres atendidas presença no line up do Fashion Rio. Outro ganho é que o cursinho que funciona na ONG vem mostrando resultados. Vários alunos já foram aprovados na Universidade de Brasília (UnB). Assim, as flores, representadas em cortes e bordados, vêm mudando vidas.
Arte em fios
Thaísa Larranhagas, 35 anos, transforma a tecelagem manual, o macramê, em árvores da vida, que têm um rico significado de criação, fecundidade e imortalidade. O trabalho carrega toda a essência das flores e, por que não dizer, da primavera. A trajetória de Thaísa com as flores e a arte também é uma história de mudança e ressignificação. Sozinha em um lugar novo, depois de se mudar do Mato Grosso para o Distrito Federal, começou a aprimorar os conhecimentos que já tinha em macramê, aprendendo mais da técnica.
“Com a mudança e a pandemia, acabei suspendendo meu recém-aberto estúdio de pilates. Esse momento difícil virou oportunidade para eu estudar mais. Nisso tudo, ainda precisava cuidar dos meus filhos. Hoje, vejo que é um trabalho que diz muito sobre ser mulher e mãe”, conta. No início de 2021, ela começou a expor em feiras e eventos locais com outros artesãos.
O estilo de Thaísa é autoral e marcante. Ela não se apega a modelos prontos de macramê. Para a montagem da árvore da vida, peça que é carro-chefe, busca as flores de uma senhora, que as vende há 50 anos na Torre de TV de Brasília. “Flores de ipês e flores secas do cerrado”, explica. E, sim, esses artigos podem ser incrementados ao macramê, formando um arranjo completo. O colorido, típico da primavera, traz ainda mais opções de flores e cores. E ela conta que, inseridos ao projeto, costumam ser os favoritos dos clientes, “quando remetem à inspiração e ao florir”.
A ideia de produzir a árvore da vida veio por pedido das clientes. Visto que as mandalas e os filtros dos sonhos eram mais comuns no mercado, ela avaliou começar a criação da árvore. O resultado, mistura de poder e leveza, é fruto de muita criatividade e intenção no processo. “Fico tão empolgada querendo terminar logo, que faço em dois dias demandas que levariam uma semana para ficarem prontas.”
Serviço
A florista azul
Flores orgânicas de Cilene Vieira
Instagram: @cilenevieira
Instituto Proeza (também conhecido como Instituto Lindeza)
Bordado solidário
Local: Quadra 200 do Recanto das Emas, DF
Facebook: Instituto Proeza
Instagram: @institutoproeza
Aflorar de Gaia
Biojoias botânicas por Sabrina Bomfim
Instagram: @aflorardegaia
Arte em fios
Macramê por Thaísa Larranhagas
Instagram: @thaisalarranhagas
Confira mais em: macrame-
arte-em-fios.kyte.site/