Após séculos de existência, os livros continuam sendo artefatos valorizados por quem procura uma boa história para viajar sem sair do lugar. Mais do que uma atividade solitária, a leitura é responsável por congregar pessoas em torno da sede pelo conhecimento. Movidos por essa paixão em comum, os clubes de leitura têm se popularizado cada vez mais e conquistado novos adeptos de diferentes localidades. Na pandemia então, a necessidade de reinvenção fez com que os encontros fossem transportados de vez para o universo virtual. Em alusão ao Dia Nacional do Livro, comemorado no dia 29 de outubro, a Revista conversou com integrantes de clubes de leitura e com amantes do universo literário.
A funcionária pública Fabíola Trolle Hollenbach, 36 anos, é aquela típica leitora: "rato de biblioteca". Quando tinha apenas 11 anos, ela se mudou de escola e, como não conhecia ninguém, começou a passar o intervalo na biblioteca. "A bibliotecária me indicava ótimos livros. Assim, um vazio deixado por pessoas e amigos foi preenchido por histórias, autores e muitas horas na solitude literária. Nas férias em que eu não podia viajar fisicamente, lia livros que se passavam em lugares diversos do mundo", conta.
Desde então, as histórias literárias não a largaram mais. Em 2018, Fabíola conheceu o Clube de Leitura Brasília, que hoje permanece como "parte da vida e da alma" dela. De acordo com a funcionária pública, ser estimulado a ler livros diferentes e se permitir surpreender são algumas das vantagens de fazer leituras coletivas e participar de clubes. Contudo, ela considera que a troca de experiências entre os amigos é a cereja do bolo. Durante a pandemia, ela resolveu criar um diário de leitura no Instagram para registrar os livros lidos. Até agora, ela já leu o total de 21 livros.
Mercado em expansão
Uma vez que os encontros dos clubes literários, que antes eram presenciais, se tornaram totalmente online, pessoas advindas de outras regiões do país, e mesmo do exterior, puderam participar, expandindo, assim, as trocas culturais. Esse intercâmbio de experiências e perspectivas casa bem com a proposta dos clubes. "Hoje em dia, a gente tem clube de tudo, filmes, séries, futebol, política... No caso do clube de leitura, a gente utiliza a literatura para debater um leque de informações, culturas e momentos históricos. É como se o clube de leitura humanizasse histórias. O clube entrega para o leitor a possibilidade de poder debater assuntos que não fazem parte das situações que vive e entrega a possibilidade de conhecer novas realidades, pessoas, pontos de vista e crescer na argumentação", comenta o fundador do Clube de Leitura Brasília, Claiperon Fernandes.
No período de isolamento social as pessoas mergulharam nos livros para fugir da realidade conturbada. É o que indica o 7º Painel do Varejo de Livros no Brasil de 2021, realizado pela Nielsen Book e divulgado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livro (Snel), referente ao primeiro semestre de 2021. Segundo a pesquisa, houve aumento de 48,5% na venda de livros no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2020. A sondagem também registrou um total de 28 milhões de livros vendidos e crescimento de 38,26% no faturamento do mercado editorial em relação ao ano anterior.
O editor da brasiliense Tagore Editora, Victor Tagore, acredita que esse boom no setor livreiro se relaciona com a migração das livrarias para o meio digital. "As pessoas se adaptaram para poder continuar comprando, e o livro foi uma das formas de entretenimento seguras que elas encontraram na pandemia. Quem estava querendo intensificar esse contato com os livros comprou principalmente pela internet", explica Victor, que acrescenta que as livrarias que não conseguiram acompanhar a mudança ficaram para trás.
Leitura em dia
Quem intensificou o hábito de leitura durante a pandemia foi a professora Janaina Crisóstomo, 39. Ao longo do período em que as escolas foram fechadas, ela passou a ficar mais em casa e aproveitou para estrear os livros empilhados havia tempos na estante. "Todos temos uma lista de livros interminável que queremos ler. Então, eu comecei a ler todos os livros que eu tinha aqui em casa e já queria ler havia tempos, e também comprei outros pela internet."
A professora é uma grande adepta dos clubes de leitura, e por isso, participa de três: o Clube do Livro Clássicos, o Clube de Leitura Brasília e o Biblioclube. Apesar dos encontros serem em formato virtual, Janaina pensa que eles são enriquecedores. "Mesmo com os encontros virtuais, posso aprender muito, conversar com as pessoas e trocar várias ideias e pontos de vista", diz. Introduzida pelo pai no mundo da literatura quando era bem pequena, Janaina continua se encantando a cada dia com os conhecimentos diversos que os livros trazem.
Novo em folha
Em plena pandemia, em julho de 2020, nasceu o Clube do Livro do Iesb. Fruto de uma ideia antiga de reunir as três unidades da biblioteca da faculdade, o clube finalmente saiu do papel em modelo virtual, a fim de permitir a participação de pessoas de qualquer lugar. "Nosso objetivo era estimular o gosto pela leitura dos estudantes universitários, entreter e os incentivar a permanecer em casa. Além disso, a gente queria encorajar a leitura de outros livros que vão além do que a pessoa gosta", explica Vanessa Rufino, coordenadora da Biblioteca do IESB e uma das mediadoras do clube.
O clube é aberto à comunidade e conta com participantes tanto de Brasília, quanto de outras localidades, como os Estados Unidos. Na visão de Vanessa, os encontros literários são experiências repletas de privilégios. "No clube de leitura, você sai muito da sua zona de conforto e isso é muito importante e interessante, ter contato com vários gêneros literários. O clube é um espaço democrático, onde todo mundo pode compartilhar suas opiniões, perspectivas de uma mesma obra, e cada um tem a sua bagagem, a sua experiência literária", comenta.
Os encontros virtuais e gratuitos ocorrem no último sábado de cada mês, às 11h da manhã, por meio do Google Meets. "A gente faz tipo uma memória literária no final de cada encontro. É um clube de leitores onde todo mundo tem um espaço para falar e também pode participar como ouvinte", detalha Vanessa.
O Clube do livro DF, voltado para a leitura de clássicos da literatura, teve que adaptar os encontros presenciais para o ambiente online. Agora, os encontros ocorrem no último sábado do mês, às 16h, via Zoom. O diferencial do clube é que ele procura trazer diversidade, com títulos escritos por mulheres e negros, além de temáticas LGBTQIA .
O clube também procura trazer filmes para relacionar com as histórias literárias, o que aprimora ainda mais a troca cultural. "Tentamos trazer filmes que tenham a ver com o que estamos lendo, fazemos toda uma imersão cultural, postamos matérias educativas para incentivar a leitura e sempre trocamos informações de cursos universitários. O clube de leitura proporciona muita cultura, além de uma rica sociabilidade para as pessoas", ressalta Bárbara.
Experiência coletiva
O Clube de Leitura Brasília partiu de dentro do departamento de uma empresa e se espalhou para fora dela, formando um projeto que envolvia, até então, apenas os brasilienses. Mas, na pandemia, ele se ampliou ainda mais. Ao migrar do modelo presencial para o virtual, o número de participantes praticamente dobrou, pois pessoas de outras localidades do país puderam participar dos encontros. Além disso, também se tornou possível a realização de lives e que autores convidados integrassem os encontros.
O fundador do clube, Claiperon Fernandes, avalia que a pandemia foi positiva nesse sentido, pois ampliou as possibilidades e tornou a experiência ainda mais rica. Para ele, o principal propósito do clube de leitura é promover o crescimento coletivo por meio do contato com opiniões diversas. "A leitura deixa de ser individual, se torna coletiva. Uma vez, eu li uma frase que resume bem esse processo: "70% é o autor que escreve, e os outros 30% vão da percepção do leitor", pontua.
Os encontros do clube, que ocorrem nos primeiros sábados do mês, às 19h30, possuem duração de duas horas e são conduzidos por curadores escolhidos previamente. Segundo Claiperon, é somente ao final de cada encontro que o participante descobre qual será o próximo livro, quando o curador apresenta a obra na forma de booktrailer, uma junção de imagens que se relacionam com a história. Em média, 40 pessoas têm participado dos encontros online.
Ampliando horizontes
A chegada do professor de história Chase Stanley, 50 anos, aos clubes literários foi um processo natural que começou desde cedo, quando ele se apaixonou à primeira vista pelas histórias em quadrinhos. Hoje, a sua relação com os livros é tão profunda que ele participa de 12 clubes de leitura diferentes. "O que mais me encanta na literatura é poder vivenciar a história dos personagens, conhecer diversos lugares espalhados no mundo pela visão de outra pessoa, conhecer outras culturas e todos os aprendizados que a maneira como aquilo é apresentado para você traz", destaca.
No total, Chase chegou a participar de mais de 30 clubes de leitura, até que percebeu que não conseguiria acompanhar todos eles. O Clube Desafio Literário, Livros Digitais, Lendo Machado e Halloween Nacional, dedicado ao mês das bruxas, são alguns dos clubes que ele faz parte atualmente. Quanto às razões que o atraem às leituras compartilhadas, o historiador revela: "Acho que o compartilhamento abre horizontes em relação à maneira com que os outros enxergam os detalhes dos livros. Há uma ampliação do universo da leitura, de autores, e de outros gêneros literários. Por último, acho que participar desses clubes é uma forma de difundir as leituras brasileira e estrangeira entre colegas e apresentar visões novas, para que as pessoas aprendam a ter gosto pela leitura".
Durante a pandemia, ele não intensificou o hábito de ler, mas manteve a média de 4 a 5 livros mensais. Chase Stanley nota que a mudança trazida pelo confinamento foi a melhora na qualidade da leitura. "Uma das coisas que o clube de leitura me apresentou foi a maneira como você lê, qual o objetivo real do livro, não só a leitura pela leitura, pela história, mas passei mais tempo conhecendo a obra e o autor. A coisa mais gostosa que eu fiz foi intensificar o alcance que aquele livro poderia ter."
O historiador é um grande defensor de uma maior acessibilidade a livros e à cultura no país. Para ele, o único caminho para o avanço do desenvolvimento do país é a difusão da leitura. "Todos os países que valorizaram a cultura e a educação têm dado saltos na formação total e completa do seu povo. Eu acho que um país de leitores é mais avançado, mais crítico, mais político, conhece melhor o que quer hoje para que o amanhã seja benéfico para todos eles", avalia.
Literatura como pilar
O editor Victor Tagore acredita que os livros são os grandes pilares de uma sociedade tecnológica. "A leitura é fundamental para qualquer tipo de sociedade que esteja querendo se relacionar com a tecnologia. A gente está passando cada vez mais por uma revolução. É fundamental as pessoas entenderem que a leitura é essencial para ampliar a capacidade delas entenderem o mundo", argumenta.
Apesar das dificuldades que ainda persistem, Victor possui uma perspectiva otimista em relação ao espaço que existe no Brasil para os livros. À medida que as pessoas estão tendo mais acesso à informação, maior a fome por livros e conhecimento. O próximo passo, nas palavras de Victor, é despertar o encanto das pessoas pela leitura: "Se você criar uma sociedade de pessoas mais curiosas, mais interessadas, com vontade de aprender, a gente tem condições de fazer coisas muito legais. Eu luto por uma sociedade de curiosos, pessoas que estão querendo fazer algo diferente, que não aceitam o mundo do jeito que é apresentado para eles, que querem trazer coisas novas e soluções para o mundo".
Clubes de Leitura virtuais
Clube da Literatura Brasileira Contemporânea
Desde outubro de 2017, o Clube da Leitura Brasileira Contemporânea realiza todos os meses leituras conjuntas de livros nacionais contemporâneos. O grupo também divulga notícias, lançamentos e eventos relacionados à literatura brasileira contemporânea. Além disso, é possível assinar o clube com um valor de contribuição mensal, que varia de R$ 10 a R$ 120, para receber os livros em casa.
Leia Mulheres
Inspirado no movimento da escritora Joanna Walsh, que incentiva a leitura de obras escritas por mulheres, o clube de leitura Leia Mulheres ganhou vida em 2015 quando três amigas resolveram aproveitar os espaços culturais e livrarias para realizar encontros presenciais e debater obras escritas por mulheres. O clube é parte do movimento que almeja dar maior visibilidade para as escritoras femininas no mercado editorial. Hoje é possível participar de forma gratuita das versões online listadas no site do projeto.
Clube do Livro Fala Preta
Criado neste ano com a proposta de leitura de 12 livros de 12 países africanos durante todo o ano de 2021, o Clube do Livro Fala Preta é uma iniciativa de incentivo à leitura e reflexão de histórias de autoria preta. Os encontros são gratuitos e acontecem nos sábados a cada três semanas, às 10h da manhã. No site do projeto tem o calendário de livros do ano e algumas informações complementares sobre os títulos.
Chicas e Dicas
O clube Chicas e Dicas é como um bate-papo entre amigas sobre livros. Para participar, é preciso fazer uma assinatura mensal de R$ 24,90. A cada mês, é feita uma votação entre dois títulos para decidir o livro do mês. Na data marcada do encontro virtual via Zoom, que é divulgada em uma votação aberta, as mulheres trazem reflexões sobre o livro. Também é possível interagir com as participantes em um grupo de Whatsapp.
Clube de Leitura 6.0
O Estado de São Paulo em parceria com a Fundação Observatório do Livro e da Leitura criou o Clube de Leitura 6.0, voltado para idosos com mais de 60 anos. A iniciativa consiste em grupos pequenos que discutem livros em formato de e-book ou audiolivro, com títulos diversos que transitam entre clássicos a histórias infantis. Os participantes têm acesso gratuito a uma biblioteca virtual com 20 mil livros, leem dois e-books por mês e participam de encontros virtuais semanais.
*Estagiária sob a supervisão de Taís Braga
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