Assim como nos tratamentos em humanos, as células-tronco têm se tornado a salvação para alguns pets, especialmente na redução da dor em diversas doenças. Animais com hipoplasia de medula, doença renal aguda e crônica, displasia, osteoartrose e úlcera de córnea encontram novas possibilidades de voltar a viver normalmente, sem dor ou, pelo menos, com a diminuição da intensidade dela.
As células-tronco agem diretamente no foco da lesão do paciente, recuperando ou estabilizando a doença por meio do controle da inflamação, diminuindo o tempo de recuperação, levando qualidade de vida ao paciente e bem-estar à família.
A arquiteta Cynara Bueno, 34 anos, já fez tratamento com células-tronco em dois cães da família — Apollo Peanut, um spitz alemão e três anos, que, desde filhote, foi diagnosticado com artrite e artrose crônica, e Suzy, cadela da mãe dela.
Com Apollo, foi necessário apenas uma injeção de células direto nas articulações para ver a melhora dele. Após essa primeira aplicação, a vida do Apollo mudou totalmente. Ele não sente mais tantas dores e, hoje, corre e brinca com Biscoito, o gato da Cynara, que também vai passar pelo tratamento com células-tronco.
Biscoito foi resgatado já doente. Ele estava sem o movimento das patas traseiras, não mexia nada da cintura para baixo. Será necessário injetar células-tronco diretamente na medula, mas ele ainda está na fase de exames. A arquiteta conta que, com os remédios e o tratamento, o felino recuperou parcialmente os movimentos. “Ainda ficou com sequelas e sem controlar xixi e cocô”, relata.
Biscoito consegue andar, porém não consegue pular, e acredita-se que ele sofreu algum trauma na medula. A esperança da Cynara é de que as células-tronco ajudem o pet a ter mais autonomia. “Não tem como prever o resultado, mas qualquer progresso já é um sucesso”, celebra.
De acordo com o médico veterinário Rogério Lopes da Fonseca, responsável pelo Hospital Amparo, existem diferentes tipos de células-tronco, mas as mais usadas em tratamentos com animais são as tipo mesenquimais, situadas na medula óssea.
As células-tronco funcionam no microambiente celular, transformando-se no tecido lesionado ou secretando biofatores que promovem a recuperação do tecido. “Para cada tipo de tecido ou órgão, as células-tronco vão secretar biofatores específicos na tentativa de reverter o processo de morte celular”, explica.
Carla Lujan, biomédica responsável pelo laboratório de produção de células-tronco da BioCell Terapia Celular, explica que, a partir da consulta do paciente, o médico veterinário avalia a possibilidade de utilização das células-tronco mesenquimais para tratá-lo. “Elas podem atuar de diversas formas, a depender da doença em questão. Entre os principais efeitos, podemos citar imunomodulação, angiogênese, neuroproteção, estímulo a proliferação das células do órgão afetado e regeneração do tecido”, detalha.
Além disso, o tratamento, que pode ser feito em todos os animais, impedirá a destruição de órgãos e tecidos, estimulará o crescimento celular e a formação de novos vasos sanguíneos para nutrição e manutenção dos tecidos do animal.
Nos processos inflamatórios que ocorrem no organismo, são liberadas proteínas inflamatórias, as quais serão absorvidas pelas células-tronco. Elas produzem citocinas anti-inflamatórias e ajudam a diminuir a inflamação e a destruição do órgão pelas células de defesa do organismo.
Uma aplicação frequente do tratamento com células-tronco é no caso de osteoartroses, doença caracterizada pela perda do tecido cartilaginoso que cobre as extremidades ósseas. Rogério Lopes da Fonseca explica que esse tecido pode ser lesionado a partir de respostas inflamatórias e processo de destruição celular do próprio organismo do animal ou por danos mecânicos de quedas, pressão e desgaste da cartilagem, comum em animais idosos.
Por isso, nesses casos, as células-tronco atuam controlando a inflamação e, consequentemente, diminuindo o dano e a destruição da cartilagem, estimulando o crescimento de condroblastos (células jovens) e a diferenciação em condrócitos (células maduras).
O veterinário explica que também estimula a produção da matriz extracelular e a regeneração do tecido, resultando, assim, na diminuição da dor e na recuperação da cartilagem, oferecendo qualidade de vida ao animal. Em média, o tratamento é realizado com três aplicações, em intervalos de 21 dias. Mas pode haver mais ou menos aplicações — a depender da resposta do organismo de cada animal.
Benefícios
De acordo com a médica veterinária e gestora do laboratório Bio Cell Terapia Celular, Patrícia Malard, o benefício advindo do tratamento e a expectativa de resultado para cada paciente serão avaliados no começo da terapia e no decorrer de todo o processo, ajustando a quantidade de células e vias de aplicação, caso necessário.
Os pets também se beneficiam com o tratamento em casos de outras condições patológicas como alergias, lesões oftálmicas, doenças autoimunes, lesões de medula óssea e fraturas. “Muitas pesquisas científicas têm sido publicadas, já há muitos anos, mostrando a eficácia desse tipo de tratamento não só em cães e gatos, mas também em outros tipos de pets”, afirma Rogério.
O tratamento também pode ser feito em animais com sequelas neurológicas de cinomose, fraturas, feridas e queimaduras. As células-tronco podem ajudar ainda a estabilizar e manter a homeostase do organismo de pacientes idosos ou com doenças como o vírus da leucemia felina (FIV e FeLV).
Suzy, uma Shitzu de dois anos, é a pet da mãe da Cynara Bueno, a psicóloga Evani Bueno, 62 anos. A cadela tinha um problema de alergias, coceiras e dermatite crônica. A família buscou vários tratamentos, porém a pet começou a ter efeitos colaterais das medicações. “A alternativa que surgiu foi o tratamento de células-tronco na veia, para bloquear a ação das alergias na pele dela”, conta Cynara.
Suzy está na segunda sessão, de um total de três. Após a primeira aplicação, a arquiteta relata que sentiu que o animal ficou menos ativos e, em alguns momentos, teve febre. Nesse período, cuidaram dela como se tivesse passado por uma cirurgia.
Para esse período, que pode exigir muito do psicológico e financeiro dos tutores, Cynara e Evani alertam que, se os donos não souberem administrar, as coisas podem ficar caóticas. “O animal pode sofrer durante a aplicação. O fato de não ter como prometer resultados pode causar bastante frustração. É importante entender o processo antes de se aventurar. Os custos podem também ser uma causa de estresse. É importante se programar para caber no orçamento sem susto”, aconselham.
Os riscos do tratamento estão associados à própria condição do paciente. Em casos muito graves, pode ser que as células não consigam agir e controlar a doença a tempo. Em geral, o efeito adverso observado no tratamento é a febre, que pode ser controlada com a medicação prescrita pelo médico veterinário.
Patrícia Malard informa que, antes do tratamento, o animal deve passar por consultas para avaliação do quadro geral, e o médico veterinário coletar informações sobre as medicações que está tomando. Após a sessão, até três dias após a aplicação, a veterinária conta que é comum o pet ficar mais sonolento e quietinho, podendo ter um leve aumento de temperatura. “Nesse período, é importante que o tutor mantenha o animal de repouso, evitando esforço desnecessário, e fique atento à ocorrência de febre, que deve ser informada ao veterinário para que a medicação correta seja prescrita”, aconselha.
Rogério destaca que é importante salientar que não existe ainda a possibilidade do uso desse tipo de tratamento de forma oral ou sem assistência de um médico veterinário. “Não se compra esse tipo de produto pelo correio”, esclarece.
A coleta de células-tronco
Carla Lujan, biomédica responsável pelo laboratório de produção de células-tronco da Bio Cell, explica que as células-tronco são obtidas a partir do tecido adiposo de animais saudáveis, que passam por exames antes da doação. A partir desse tecido, as células-tronco são isoladas e cultivadas in vitro no laboratório. “Depois, todas as células passam por diversos testes de controle de qualidade, que asseguram, sua viabilidade, esterilidade e potencial terapêutico”, assegura.
A aplicação das células-tronco pode ser feita por via endovenosa, que a biomédica conta que se assemelha a uma “soroterapia”. O animal fica em um ambiente tranquilo, com acompanhamento do tutor, e a sessão dura por volta de 45 minutos. O pet será monitorado durante toda a aplicação por um médico veterinário.
Carla também destaca que podem ser realizadas aplicações tópicas, intra-articular e intratecal, realizadas em centro cirúrgico com suporte de médicos veterinários anestesistas. Por ser um tratamento personalizado, o valor varia a depender da doença, grau de acometimento e peso do animal. Em média, o tratamento custa entre R$ 700 e R$ 3.500.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte