Mesa posta com broa, pão de queijo, rosca doce e cafezinho. Como boa mineira, Terezinha Faleiros dos Reis, de 79 anos, pode ser encontrada preparando todos esses quitutes e, para as refeições mais pesadas, feijão-tropeiro. A rotina, antes da pandemia, era marcada por idas ao mercado, caminhadas e missa todos os dias. Ela também recebia a família aos domingos, para os tradicionais almoços. Entretanto, no ano passado, a vida mudou. Devido à crise sanitária, as visitas da família tornaram-se esporádicas e ela acabou ficando mais afastada — cenário vivido por vários idosos no período.
A família costuma dizer que dona Terezinha tem “pressão emocional”, em referência à pressão arterial, que fica alta quando acontece algo impactante, como quando recebe uma notícia que a deixa nervosa. “Apesar de controlar com remédio, precisamos cuidar no dia a dia, para não ter alteração”, explica o genro Wayder Pessoa, de 57 anos.
Na última vez, a pressão estava na casa dos 21, quando medida no hospital. Depois do susto, a família se propôs a realizar um rodízio: os familiares se dividiram para passar mais tempo com dona Terezinha, que já está com o esquema vacinal completo. O resultado foi uma estabilidade na pressão. E, claro, bons momentos ao lado da progenitora.
O filho mais novo de Wayder, Kenzo Pessoa, de 18 anos, ficava aos cuidados da avó na infância, na época em que os pais trabalhavam fora. Hoje, ele tem a oportunidade de devolver esse carinho. Uma vez na semana, dorme na casa de dona Terezinha. São dois dias inteiros em que eles conversam, cozinham juntos e saem para caminhadas. Para a avó, tem sido um prazer a aproximação com Kenzo e os demais netos. Kenzo ensina ela a se comunicar por mensagem — antes, Terezinha não tinha o costume de usar muito o celular — e até a usar o grupo da família, no aplicativo de conversa.
Para ele, os ensinamentos foram — e são — muitos. “Na infância, ela me levava às aulas de inglês e natação. Por causa do incentivo dela, completei essas atividades”, relembra. Kenzo conta que tem aprendido a receita de rosca doce que está na família há anos — a avó de dona Terezinha fazia. “É uma delícia e eu queria muito aprender para passar para os meus filhos, no futuro.”
“É a lógica do ‘hoje eu te dou trabalho, mas um dia você já me deu trabalho’”’, diz Wayder, orgulhoso do quão feliz o filho está desde que passou a ficar mais tempo com dona Terezinha. Para ele, a internet tem estado tão presente que acaba roubando tempo e conversas. “As experiências de vida parecem não interessar mais tanto, porque basta pesquisar como se faz as coisas. Por isso, esse contato é tão valioso”, conta.
É possível sentir-se só mesmo em casas cheias. “Principalmente na velhice, pode acontecer de se fechar para aqueles que estão ao seu redor”, explica a psicóloga Valmari Aranha, especialista em gerontologia e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). A recomendação dela é que se integre a grupos que façam bem, mesmo fora da família. “Quantas famílias descobriram, no último ano e meio, que não se dão tão bem assim? Por esse motivo, sugerimos que as relações sejam saudáveis, não impostas”, destaca.
A especialista explica que o engajamento social e a sensação de pertencimento e de importância são pilares para o envelhecimento saudável. Já a solidão e o isolamento abrem portas para doenças emocionais e evidenciam pensamentos negativos.
É importante ficar atento ao comportamento da pessoa idosa. Se ela mesma se exclui para não participar das conversas, pode ser que pense que o assunto dela não interessa, acredita Valmari. Nas reuniões de família, nada de separar a mesa dos jovens da dos mais velhos. “O primeiro ponto é identificar que a pessoa está isolada. A partir daí, incluí-la porque, de fato, quer conversar, trazendo um assunto que ela consiga participar.”
Dessa forma, Valmari indica que é possível perceber se o idoso está com deficit cognitivo ou auditivo ou se está deprimido. “É preciso dar a oportunidade de a pessoa se inserir, e respeitar caso ela não queira, mas observar os detalhes”, aconselha.
Envelhecer no Brasil
Cientista social, Lella Malta explica que o processo de envelhecimento é natural e biológico, mas a velhice é socialmente construída. Se cada sociedade qualifica o idoso de uma forma diferente, no Brasil, é comum o estereótipo de improdutivo. “Como se fosse alguém que não faz nada da vida. Só que, hoje, esses idosos estão participativos, e há a necessidade de nos educarmos para as exigências desses novos atores sociais”, aponta.
Em termos de gênero, Lella explica que muitas mulheres passam a se ver com menos brilho, uma vez que a beleza costuma estar associada à juventude. “A inserção delas em grupos femininos, com mulheres de outras gerações, ajuda a quebrar a ideia de que são rivais por causa da idade”, afirma. Ao mesmo tempo, quando idosos, os homens se veem improdutivos por passarem a vida entendendo que só importam se estiverem trabalhando.
Para a especialista, convicções antiquadas têm relação com o fato de o Brasil estar em processo de envelhecimento e não ter a cultura de pensar nesse ciclo. Imagine que, nos anos 1980, a expectativa de vida era de 62 anos. Em 2019, chegou a 76. Enquanto a transição demográfica ainda se instala — a tendência é de que tenhamos mais avós do que netos, no futuro —, é preciso se informar e se adaptar de forma coletiva.
Como explica a cientista social, o bem-estar nessa fase é um fenômeno integral: abrange condições materiais, mas também sociabilidade e afeto e experiências cognitivas. Por esse motivo, estar entre pessoas mais jovens alia o prazer ao conhecimento. São trocas de experiências de vida e a possibilidade de manter o sentimento de família. E, claro, aprender.
Troca
O médico psiquiatra Alisson Marques, do Instituto Meraki Saúde Mental, corrobora: “O jovem ensina o idoso a usar as novas tecnologias, a se inteirar sobre assuntos diferentes e a usar a linguagem do momento. O mais velho compartilha o que sabe, ensina o jovem a ouvir melhor, ter paciência e pode conduzi-lo a tomar decisões melhores”, explica.
Interagir com os outros chega a ser recomendação médica, desde que respeitada a autonomia do idoso. “Não precisa ir a uma festa de jovens. Mas, sim, socializar, sendo respeitado e tomando as próprias decisões”, complementa Alisson.
O médico explica que a pessoa mais velha tende a caminhar para processos de isolamento frente a expectativa da finitude da vida. “Então, ser contagiado pela energia do jovem, pelas motivações, pelas associações do tipo ‘como eu era aos 18, 25, 30 anos?’ ajudam a manter o cérebro ativo”, aconselha. Esse contato estimula a cognição, ativa processos de fala e conversas — importantes para evitar demência e esquecimento —, também reduz o risco de algum transtorno de humor, como ansiedade, depressão, insônia e fobias.
Os medos e inquietudes tomam conta, mas a compreensão desse ciclo é importante. É válido que o idoso tenha com quem conversar e compartilhar pensamentos. Para Alisson, parte de evoluirmos na cultura do envelhecimento é pensar além da aposentadoria. “Hoje, você se aposenta e ainda vive vários anos. Quais são seus planos, então?”, reflete.
Programação de neto e avó
Lair do Nascimento, 69, afirma que a vida dela mudou desde a chegada do neto Eduardo Moreno, que tem 12 anos: “A vida é muito mais prazerosa.” Ela e o marido, Ernani do Nascimento, 82, chegaram a se mudar de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para Brasília para ficar mais perto da filha e do neto.
Professora aposentada, Lair conta que, depois de 26 anos na ativa, seguiu arranjando atividades para não parar. O amor pelo neto deixa transparecer que várias delas têm a companhia dele. Todos os meses, eles passeiam pelo shopping e vão ao cinema.
A convivência ficou mais restrita durante a pandemia, mas Eduardo deu um jeitinho de deixá-los mais perto. “Quando ele passou a ter aulas on-line, instalou programas de chamada de vídeo no meu aparelho e começamos a conversar e a jogar juntos on-line”, conta Lair. Com as recentes liberações, eles têm se visto com mais frequência — para a felicidade dos dois.
Outro ponto interessante é que dona Lair tem um grupo de convivência. Na unidade do Sesc Taguatinga, a interação social é garantida: ela participa do coral, faz artesanato, oficina da memória e se envolve nas ações sociais da instituição, o que também serve para conhecer pessoas diferentes.
Fortalecendo a relação
Luciano Júnior, 20 anos, e os avós Nelson Segredo, 85, e Izolda Segredo, 80, vêm ficando cada vez mais próximos. “Eles são incríveis. Sou muito sortudo por morar perto dos meus avós, então sempre procuro incluir tempo com eles na rotina”, conta o neto.
Antes de sair para trabalhar, Luciano vai à casa dos avós para tomar café com eles. Quando não consegue cumprir essa parte do dia, procura fazer uma visitinha para conversar e saber se estão bem. “É incrível como esse gesto simples os deixa tão felizes e mais ativos, e me deixa muito bem também.” Nas conversas que perpassam esses momentos, Luciano busca entender e absorver todo o conhecimento que os avós têm para passar.
Para o mais novo, os momentos bons ficarão na memória, e o sentimento de ter aproveitado os avós da melhor forma possível, também. “O tempo que temos com nossos avós é muito importante e único e é bom que valorizemos isso”, diz.
Enriquecimento pessoal
Sesc
Grupo dos Mais Vividos — São vários os projetos: musicalização, expressão corporal, oficina de arte e artesanato e oficina mente viva (exercícios de atenção, raciocínio, linguagem e memória)! Destaque para o Sesc Envelhecer, que tem ênfase nos eixos da cidadania, educação e atualidades, saúde do idoso e cultura. E para o projeto intergeracional Faz de Conta que Acontece: que une idosos e crianças em programas de contação de histórias, debates e trocas.
Onde? Unidades do Sesc DF: 504 Sul, 913 Sul, Ceilândia, Gama, Guará, Taguatinga Norte e Taguatinga Sul e também de modo virtual para projetos específicos.
Para fazer parte do Grupo dos Mais Vividos, é necessário ter acima de 60 anos, credencial do Sesc, RG e CPF.
Mais informações em: https://www.sescdf.com.br/Paginas/Áreas/
Grupo-dos-mais-vividos.aspx.
Brasília dos 60+
O projeto Brasília dos 60+, pensado pela apresentadora Mônica Nóbrega, oferece conteúdo na web voltado para o público com mais de 60 anos. São programas de aconselhamento, gastronomia, saúde, palestras e oficinas, feitas em monumentos do DF, que voltarão em breve. “O tripé do projeto é: dignidade, autonomia e propósito para acordar todos os dias”, define a idealizadora.
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