A cada 11 pessoas no mundo, uma é diabética, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, são cerca de 16 milhões de indivíduos que dependem da aplicação da insulina para viver. Este ano, é celebrado o centenário da descoberta desse hormônio que revolucionou o tratamento da diabetes. Nos dias de hoje, se devidamente acompanhado, há a possibilidade de uma boa qualidade de vida do paciente após o diagnóstico. Contudo, nem sempre foi assim.
Durante os séculos 19 e 20, houve diversos estudos e pesquisas para se chegar à insulina. Nessa época, a morte próxima era uma realidade imutável para todos os diagnosticados com diabetes. Não existiam medicamentos efetivos e os pacientes acabavam morrendo de inanição, pois não podiam se alimentar apropriadamente sem elevar os níveis glicêmicos. A descoberta, feita na Universidade de Toronto, no Canadá, onde pela primeira vez o hormônio foi isolado, foi premiada com o Nobel da Medicina, tamanha sua relevância.
Ainda existe muita desinformação em torno da doença. Há quem pense que somente os negligentes com a própria saúde e a alimentação adquirem diabetes, o que não condiz com a realidade. Cerca de 10% dos diabéticos têm sua origem genética, ou seja, não há qualquer tipo de prevenção que impeça a doença de se desenvolver. A falta de informação pode ser extremamente prejudicial para quem tem a comorbidade — alguns chegam a sofrer vergonha de sua condição. Beatriz Rondon, estudante de 20 anos, relata que não sabia lidar com comentários que recebia durante a infância, até mesmo vindos de professores.
Um dos caminhos é frequentar grupos de pessoas que também têm a diabetes. Essas reuniões podem ser ainda mais proveitosas para as crianças, que fazem amizade com meninos e meninas que vivem as mesmas experiências e, assim, percebem que não estão sozinhas. Beatriz afirma que fazer parte desses encontros foi muito positivo em sua infância, pois ajudou a complementar os direcionamentos e o apoio que recebeu em casa.
Interação social e relevância
Além do lado benéfico da socialização, essa convivência em associações e comunidades tem um caráter informativo e educativo, pois ajuda os pacientes a entenderem seus direitos básicos, como o acesso gratuito à insulina, garantido desde 2006 pela Lei Federal nº 11.347. Em tese, o diabético não precisa pagar para sobreviver: o Sistema Único de Saúde (SUS) garante o essencial. No entanto, não é o que acontece com uma boa parte dos casos.
Jaqueline Correia, presidente do Instituto Diabetes Brasil, conta que, apesar de a lei ser uma conquista muito importante, ainda há um processo burocrático complexo que impede a democratização do acesso. Principalmente porque depende do preenchimento de formulários atestando a necessidade do uso do hormônio por um médico endocrinologista. No entanto, milhares de cidades brasileiras não dispõem dos profissionais na rede pública e não têm recursos para custear o transporte de pacientes para outras regiões.
E, mesmo com a documentação regularizada, o alcance pode ser limitado. Atualmente, no Distrito Federal, não há estoque de insulina ultra-rápida para nenhum paciente via Ministério da Saúde — todos os dependentes que faziam a retirada na Farmácia Popular estão sendo obrigados a comprá-la.
Jaqueline, que é mãe de Davi, 8 anos, diagnosticado com a diabetes tipo 1 aos 2 anos, compreende bem a importância desse hormônio, que não é de fácil acesso a todos, devido a seu preço elevado. Por isso, alguns grupos, como o que ela faz parte, têm feito a distribuição e a doação de insulina para algumas famílias que necessitam de forma urgente e não têm condições de bancar. O Ministério da Saúde, por meio da assessoria, informa que a situação será breve, pois, garante, ainda no mês de agosto haverá o reabastecimento.
Consequências da falta
Embora seja inovador, ainda há pacientes que não aderem ao tratamento completamente ou não o fazem de forma correta, com disciplina e rigor. A médica Denise Reis, mestre em endocrinologia e metabologia, afirma que um dos grandes desafios é a aceitação de medicamentos de via injetável. “A insulina é a forma mais potente de baixar os níveis de glicemia, desde que utilizada corretamente.” Portanto, quando bem instruídos, os pacientes não devem temer a utilização desse medicamento, que representa a evolução da medicina e a oportunidade de uma melhor qualidade de vida.
É relevante pontuar que existem riscos associados à diabetes, principalmente sem os fármacos adequados administrados. Um deles é a maior dificuldade de lidar com infecções, pois o sistema imunológico fica comprometido devido à alta concentração de glicose na corrente sanguínea. Outra preocupação comum é relativa ao sistema cardiovascular, que é afetado pelo estreitamento das veias, provocado também pela sobrecarga dos níveis glicêmicos. Logo, deve haver um cuidado constante e uma atenção para qualquer sinal em divergência com o padrão.
Tecnologias e perspectivas
As opções de tratamentos, desde as canetas de aplicação até a própria insulina, sofreram modernizações ao longo das décadas. Foram desenvolvidas bombas de insulina com sensor integrado, no qual um cateter é conectado ao corpo e vai liberando o hormônio, de acordo com os índices registrados e a contagem de carboidratos. Alguns modelos não contam com o sensor, portanto, exigem que o usuário indique os horários corretos da liberação do hormônio e faça ajustes de acordo com sua alimentação diária. Apesar de trazer maior autonomia e diminuição da preocupação de aplicações constantes com seringas, essa alternativa ainda é extremamente inacessível, com valores variando de R$ 14 mil a R$ 20 mil.
Outros aliados modernos são os aplicativos e softwares para auxiliar no cálculo de carboidratos. Eles fornecem gráficos comparativos e os enviam, em PDF, diretamente para o médico que faz o acompanhamento, além de possibilitarem a ativação de alertas e lembretes para comprar os medicamentos. Apps de esportes e exercícios também podem trazer muitos benefícios, afinal, para os diabéticos, a atividade física é tão importante que, praticamente, equivale a um medicamento.
Há ainda uma série de medicamentos sendo testados e desenvolvidos, como a smart insulin, que consiste em transformar a insulina em um hormônio inteligente, capaz de responder automaticamente a mudanças de glicose no sangue, sem preocupação com altas e baixas nas taxas — fatores perigosos para os diabéticos. Há também insulinas de via oral sendo testadas e pesquisadas, que poderiam revolucionar completamente o tratamento.
Outras descobertas que salvam vidas
Vacina
É responsável, historicamente, por controlar e erradicar uma série de doenças, desde a varíola, no século 18, até a atualidade, como a vacina do HPV, introduzida no mercado em 2006, e a da covid-19, recém-desenvolvida.
Penicilina
Descoberta por Alexander Fleming em 1928, é um antibiótico determinante para combater diversas infecções e salvar milhares de vidas há quase um século.
Morfina
Medicamento analgésico capaz de tratar e amenizar dores crônicas ou exorbitantes, causadas por cirurgias ou doenças.
Raio-X
Descoberto há quase 130 anos, é de suma importância para a medicina por apresentar diagnósticos com imagens de ossos e outros locais do corpo humano, permitindo mais precisão em exames.
Livro comemorativo
Em homenagem aos 100 anos da descoberta revolucionária da insulina, a jornalista e diretora de redação da revista Momento Diabetes, Letícia Martins, escreveu, com a colaboração de profissionais da saúde que atuam com pacientes diabéticos, o livro 100 anos de insulina, que conta a história de diversas pessoas que têm a doença.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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