Gerações distintas se encontram nos mesmos espaços e compartilham momentos. No dia a dia, pessoas dos 15 aos 90 anos ou menos convivem na escola, no trabalho, na própria família. Embora comum, as relações, vez ou outra, evidenciam as diferenças de hábitos e pensamentos. Os mais velhos tendem a pensar que os jovens ainda precisam de muita bagagem para opinar; o pessoal mais novo enxerga os mais experientes como antiquados.
Nesse sentido, as classificações X, Y, Z e tantas outras nomenclaturas usadas para definir os grupos por idade não existem à toa. A socióloga e professora universitária Myriam Mastrella explica que separar a população em gerações é um critério importante para entender a sociedade. Essa classificação é indispensável para otimizar ações voltadas ao público. “É muito útil para comparações e para traçar previsões. A juventude de 2021, por exemplo, será idosa daqui a quatro décadas, então é preciso fazer um planejamento adequado.” Outras questões como engajamento político, participação em campanhas de vacinação, a presença da mulher no mercado de trabalho e a socialização de crianças têm tudo a ver com gerações e com comportamentos por idade.
A especialista destaca que a juventude transgressora dos anos 1950, influenciada pela cultura rock, é marcante em termos de geração. Com ela, inicia-se a identificação e separação dos grupos. “Foi a primeira geração que passou a vivenciar os próprios projetos, fazendo críticas e mobilizando questões sociais importantes.” Nesse período, começaram a impor valores que não eram considerados moralmente certos. Logo depois, o movimento hippie questionou o porquê de várias questões, sob a bandeira do “faça amor, não faça guerra”, o que solidificou o pensamento de mudança.
Segundo a socióloga, uma geração é marcada pelo compartilhamento e repetição de valores. Só pela aparência, em termos visuais, as gerações se encontram e se identificam. Uma nova geração vem com uma nova proposta de comunidade. E, desde os anos 2000, especialmente, vêm se observando uma pluralidade de valores. “Tem de tudo: jovens defensores daquilo que aprenderam com os pais e os avós, mas também uma geração questionadora, com cada vez mais jovens abertos a práticas muito diferentes para os mais velhos, como o veganismo, que é algo que mobiliza em termos de valores”, ressalta.
Maquiagem, unhas coloridas, especialmente azul e verde, camisetas e calças mais largas — a exemplo da wide leg, em alta — e vídeos no Tik Tok e no Youtube fazem parte do dia a dia de Maria Luisa Bernardes, de 14 anos. A mãe, Luise Bernardes, 41, administradora, brinca que dá até briga quando elas saem para comprar roupas. “Para mim, as camisetas que a Maria Luisa escolhe parecem vestidos de tão compridas, mas ela prefere os looks atualizados.” Luise costuma ser mais básica: blusa lisa, calça skinny e unhas, no máximo, vermelhas. O visual, claro, não escapa das críticas da filha.
Apesar de serem superparceiras, não há consenso sobre fazer alguns programas juntas. Luise se exercita pela manhã e não costuma contar com a companhia da filha, que não é fã de atividade física como a que a mãe faz. O momento de assistir televisão é outro que exige negociação porque Maria Luisa adora séries, mas Luise, nem tanto. A mãe admite que também não tem muita paciência para memes, nem vídeos de internet, que a filha faz e acompanha. “Gosto de me ocupar com outras atividades. Coisas de telefone não costumam me entreter, por mais que ela me convide”, conta.
Prova disso é que Luise demorou a usar as figurinhas do WhatsApp. As danças do momento, que ela tenta reproduzir, já foram motivo de risada dos filhos. Mas, com a ajuda de Maria Luisa, o uso dos stickers e também navegar pelo Instagram vem ficando mais fácil. Além disso, algumas atitudes do dia a dia são tidas como inadequadas para uma e para outra. “Se estou com uma amiga, minha mãe costuma chegar e se enturmar, querendo ser amiga também. É engraçado”, diz a mais nova.
Do outro lado, Luise repreende algumas atividades estimuladas pelos aplicativos, como o Tik Tok. “Ensina de tudo”, diz Luise sobre a plataforma que já levou Maria Luisa a passar produtos no rosto que causaram reação e até alergia. “Da última vez, ela cismou em mexer na sobrancelha e acabou não ficando muito bom”, lembra Luise.
Como se pode imaginar, Luise sofreu em casa por ser considerada cringe pela mais nova. “Fiquei sem entender muito bem. Aí meus filhos falavam ‘cringe’ é exatamente isso que você está fazendo agora. Fui pesquisar e entendi que eu era cafona’”, conta. O estilo e os hobbies se enquadram nos critérios impostos pela internet.
A lista é longa: tomar café da manhã, beber café, usar calça skinny, sapatilha (principalmente se for de bico redondo), falar em pagar boletos e gostar de algumas séries e filmes, entre eles, o seriado Friends e a franquia Harry Potter. A brincadeira partiu de um tweet da criadora de conteúdo Carol Rocha, 33 anos, que perguntava o que a Geração Z achava cringe nos millennials. Vários testes se popularizaram para ver o quão cringe alguém era.
O termo “cringe”
A historiadora e professora de inglês Carmem Camargo explica que, em inglês, cringe é um verbo usado para descrever uma sensação extrema de vergonha ou até nojo, “pode ser comparável à ideia de sentir vergonha alheia”, aponta. No entanto, o uso recente da palavra no Brasil vem sendo de adjetivo. Cringe caracteriza coisas e hábitos considerados vergonhosos ou ultrapassados. Em inglês, adjetivos correspondentes seriam: cringe-inducing ou cringeworthy.
Como professora, Carmem vem observando o uso da palavra entre alunos adolescentes, mas acredita que ela deve ser cada vez menos usada pelos jovens: “afinal, quando as pessoas cringe passam a usar a palavra cringe é sinal de que o código perdeu seu segredo”, brinca.
A especialista entende que o uso da palavra vem em um momento em que os millennials estão aceitando que estão ficando mais velhos, mas devem se mostrar abertos a dialogar com a geração Z, posterior a eles. Carmem pondera que, ao longo do século 20, adolescentes e jovens foram usados para criar pânico sobre o futuro. “Frases como ‘onde o mundo vai parar quando esses irresponsáveis crescerem?’ E, sinceramente, penso que não devemos repetir esse discurso, o diálogo é positivo”, reflete.
As gerações mais recentes
- Tradicionalistas — São os nascidos antes de 1946. Entendidas como pessoas que casaram cedo e se mantinham na mesma relação por toda uma vida. Os projetos eram casar, ter filhos, conquistar a casa própria e se aposentar após longos anos de trabalho, onde costumavam permanecer por muito tempo na mesma função ou empresa.
- Baby Boomers (1946-1964) — Nascidos logo após a Segunda Guerra Mundial. O “boom” se refere ao aumento de nascimentos na época. É uma geração conhecida pela aversão às guerras. São vistos como leais às empresas em que trabalhavam, permanecendo por longos anos e com foco na carreira. Não tem familiaridade natural com o computador nem com a internet.
- Geração X (1965-1980) — Geração que viveu incertezas decorrentes das crises econômicas e da realidade de sociedades mais restritivas. Valorizam o trabalho, mas buscam cuidar, também, do lado pessoal.
- Geração Y ou millennials (1981-início dos anos 2000) — Considerada uma geração bem informada. Vive a chegada da internet, interage com as novas tecnologias e mostra habilidades para desenvolver multitarefas. Os integrantes deste grupo são próximos aos pais, tendem a morar mais tempo com eles. É um grupo marcado pela dificuldade financeira e de emprego. Ao contrário da Geração X, mostra menos foco na hierarquia de posições nas empresas e é possível observar que troca mais os locais de trabalho do que as gerações anteriores.
- Geração Z (após os anos 2000-2010) — Nasceram, em grande maioria, com grande estímulo da tecnologia. É a geração do on-line. O interesse em jogos virtuais, músicas e comunicação a distância pode tornar difícil lidar com situações sociais e de se expressar.
Conflito natural
A psicóloga Maria Cristina Hoffmann, especialista em saúde da pessoa idosa e envelhecimento, pontua que questionar as gerações anteriores e posteriores faz parte do desenvolvimento humano. Desde que haja respeito, esse olhar crítico é normal. Segundo a especialista, contestar valores e comportamentos vem da necessidade de se mostrar diferente daqueles que são referência para si e da vontade de se impor individualmente. “Faz parte do nosso amadurecimento. Avaliamos o que desejamos seguir e o que não aceitaremos. Assim, escrevemos nossa própria história”, explica.
Pessoas da mesma geração vivenciam situações sociais e padrões em comum, o que marca o senso de identidade coletiva que os une. O avanço tecnológico, inclusive, vem reduzindo o tempo de uma geração para a outra. De acordo com a psicóloga, atualmente, a estimativa é de que mais ou menos 15 anos separem um grupo do outro.
A especialista explica que a polêmica do cringe se iniciou entre gerações relativamente jovens, se comparadas às anteriores. “É uma polêmica que surge sob grande influência da internet e, mais que isso, parece estar relacionada à definição do comando pelo espaço web.” Mas, no ponto de vista dela, é, na verdade, uma discussão válida para todas as gerações.
Sobretudo, esse embate parece chamar a atenção para a importância de cuidar da convivência, da tolerância e da aceitação das diferenças para a construção de uma sociedade melhor: mais humana e inclusiva. “Em todas as fases você sempre será mais ou menos cringe, dependendo da geração com a qual está se relacionando”, explica.
Cringe, eu?
Rafaella Carreiro, de 36 anos, não fazia ideia do que se tratava o termo cringe, de início. “Até então, eu achava que usar calça skinny, pagar boletos, colocar o cabelo de lado e tomar café da manhã eram coisas supernaturais e que faziam parte do dia a dia de quase todo mundo.” Quando a auxiliar administrativa entendeu o contexto, ficou surpresa porque 80% do que fazia poderia ser considerado cringe.
O estilo, o gosto musical e os hábitos são supercompatíveis com a geração Y, a dos millennials. Mas isso não é motivo de vergonha para Rafaella, mesmo diante da confusão da internet. Ela acredita que essa comparação sempre existiu e sempre ocorrerá. “O cringe é o que a gente achava que era cafona dos nossos avós e pais. Daqui a alguns anos, penso que o meu filho também terá esse tipo de comparativo com a geração atual”, comenta. O filho de Rafaella nasceu em 2020 — há especialistas que o considerem como da recente geração Alfa, nascidos a partir de 2010.
Apesar de as redes sociais indicarem que Rafaella é cringe, antes, ela acreditava que estava acompanhando muito da geração atual, porque se identificava com vários aspectos. Esse sentimento, na verdade, é muito comum entre as gerações. As especialistas ressaltam que as classificações cronológicas e acontecimentos históricos marcantes, de fato, unem grupos, mas não os isolam. Por isso, uma pessoa também pode se identificar com os gostos e valores de outras gerações.
Mentes diferentes no trabalho
Arthur Diniz, de 19 anos, e o avô, Afonso Côrtes, de 83 anos, compartilham a paixão pela terra. Os dois sempre tiveram uma relação muito próxima. Arthur costumava andar atrás do avô pelas terras da fazenda da família, com apego diferente, o que fortaleceu o vínculo entre os dois. A diferença de idade não impede as boas conversas desde sempre.
“As músicas sertanejas que ouço, meu avô que influenciou. O que mais gosto de fazer no dia a dia também aprendi com ele. Ele me ensinou a andar a cavalo, dirigir carro e trator”, conta o mais novo. Os dois estão sempre trocando informações. Afonso não tem vergonha de perguntar quando tem alguma dúvida em relação à tecnologia, principalmente no manuseio de uma máquina nova, o que o neto avalia como uma qualidade.
O que acontece é que o jeito de fazer as coisas é, às vezes, questionado pelo mais velho. Quando pensamos no ambiente de trabalho, inclusive corporativo, é normal pensar nos mais velhos como mais conservadores. Os mais novos, aceitam melhor a diversidade e expandem o modo de executar as tarefas apoiados pelas novas tecnologias.
Hoje, Afonso não trabalha mais diretamente na terra. Ocupa um cargo administrativo, cuidando das aplicações da propriedade e organizando as funções dos funcionários, e deixa as atividades de campo para o neto. Nisso, algumas diferenças transparecem. “Quando temos propostas mais modernas para alguma atividade, ele não se contenta até provarmos o resultado e ele perceber.” Apesar de apegado ao modo tradicional de fazer as coisas, Afonso consegue se abrir à mudança e é convencido.