A gastrite é um termo familiar no vocabulário de grande parte da população. Caracterizada por uma variedade de sintomas, como dor de estômago, desconforto abdominal após a refeição ou muito tempo em jejum, queimação, sensação de fome que não cessa com a alimentação, além de náuseas e vômitos, pode ser confundida com outros problemas no sistema digestivo.
“A gastrite acabou sendo generalizada pela população. Toda vez que alguém sente uma dor na boca do estômago ou uma queimação, já acha que está com gastrite, quando, na verdade, ela é uma inflamação na mucosa gástrica que pode se dar em decorrência de uma série de fatores”, explica o gastroenterologista Bruno Salomão, do Hospital Brasília.
Entre os principais fatores que contribuem para o desenvolvimento da doença estão o estresse e a ansiedade. Devido ao agravamento dos quadros emocionais durante a pandemia, o número de crises cresceu. “Eu observei um aumento de casos de gastrite como resultado dos fatores de ansiedade e mudanças de hábitos alimentares, que estão muito interligados com a doença. Durante a pandemia, a alimentação das pessoas mudou muito. Além disso, houve um aumento dos quadros de ansiedade”, detalha.
O gastroenterologista Bernardo Martins, do Hospital Santa Lúcia, concorda que o cenário de adaptação gerou impactos no bem-estar de muitos pacientes. “Muitos têm relatado essa dificuldade de adaptação ao novo normal. A questão do home office afetou a quantidade de trabalho, gerando mais estresse. Além disso, com a redução da socialização e o afastamento da vida comunitária, os pacientes ficaram privados de muitas válvulas de escape que poderiam aliviar a produção do suco gástrico”, comenta.
O médico acrescenta que há uma interação direta entre o estômago e o cérebro: “Existem interfaces entre o sistema digestivo e o sistema nervoso autônomo, que é responsável por gerar as reações do corpo aos estímulos externos”.
O que é
A gastrite consiste em um desequilíbrio na mucosa do estômago, originado por aumento do fator agressor ou diminuição do fator protetor. “Os fatores agressores promovem um rompimento da barreira de proteção, ocasionando a inflamação”, detalha o gastroenterologista Bernardo Martins.
As causas da inflamação
- Excesso de ácido gástrico.
- Consumo de alimentos contaminados pela bactéria Helicobacter pylori.
- Uso de medicamentos, especialmente anti-inflamatórios.
- Lesão ou inflamação ocasionada pelo consumo de alimentos gordurosos, bebidas alcoólicas ou cigarro.
- Infecções por fungos e vírus.
- Excesso de estresse a ansiedade.
- Doenças autoimunes.
Diagnóstico
Para identificar qual é a causa da gastrite, é necessário, além do exame clínico, a realização da endoscopia. Segundo o médico Bruno Salomão, como existe uma ampla gama de causas e os sintomas não diferem muito de um tipo para outro, é necessário fazer o exame endoscópico digestivo para que o diagnóstico seja correto e o tratamento, adequado.
Tipos de gastrite
A doença é classificada de acordo com a duração e o fator causador mais comum. Os tipos de gastrite são:
Gastrite aguda
Causa principal: lesão no estômago por um curto período de tempo ocasionada pela presença da bactéria Helicobacter Pylori.
Sintomas: dor, náuseas, vômitos com início repentino, mal-estar e queimação.
Tratamento: uso de medicamentos antiácidos e antibióticos, além de alterações nos hábitos alimentares e prática de atividade física.
Gastrite Nervosa
Causa principal: excesso de estresse, medo e ansiedade.
Sintomas: azia, sensação de estômago cheio, arrotos frequentes e vômitos.
Tratamento: uso de antiácidos, remédios calmantes e chás naturais, alterações na dieta e prática de atividade física.
Gastrite Alcalina
Causa principal: lesão da mucosa gástrica produzida pelo refluxo da bile para o estômago.
Sintomas: dor no estômago, vômito e perda de peso.
Tratamento: uso de medicamentos antiácidos e protetores gástricos.
Gastrite Crônica
Causa principal: duração prolongada dos sintomas de gastrite com aumento progressivo da inflamação.
Sintomas: sensação de queimação no estômago, mal-estar, indigestão, gases, inchaço abdominal e vômitos.
Tratamento: uso de medicamentos antiácidos, protetores gástricos e antibióticos em alguns casos.
Gastrite Enantematosa
Causa principal: inflamação em uma camada mais profunda da parede do estômago causada por infecção por bactérias, doenças autoimunes, alcoolismo, alimentos gordurosos ou uso de medicamentos como aspirinas e anti-inflamatórios.
Sintomas: indigestão, gases e arrotos frequentes, mal-estar e vômitos.
Tratamento: uso de medicamentos antiácidos e dieta pobre em gorduras, doces e cafeína.
Gastrite Eosinofílica
Causa principal: causada por um aumento de células imunes no estômago.
Sintomas: azia, náuseas e vômitos.
Tratamento: uso de medicamentos corticoides.
Tratamento e prevenção
A gastrite não tem cura, mas possui tratamento para diminuir o desconforto e pode ser controlada.
De acordo com o gastroenterologista Bernardo Martins, esse controle é feito por meio da remoção do fator agressor. Ou seja, se o que está ocasionando a gastrite é um determinado medicamento, ele deve ser substituído.
Já se a causa é o aumento do ácido gástrico, devido ao estresse, ao nervosismo e à ansiedade, o tratamento será feito com o objetivo de amenizar esses sentimentos.
O médico ressalta que há medicamentos que ajudam a diminuir as dores e os desconfortos. Os inibidores da bomba de próton, por exemplo, atuam na supressão da secreção de ácido gástrico. Há também medicamentos que aceleram o esvaziamento do estômago para que ele fique cheio e haja estímulo para a produção de ácido gástrico.
Outra opção é o uso de remédios que aumentam a produção do muco protetor.
As terapias alternativas, como acupuntura, assim como a prática de exercício e adequação nutricional são complementares ao uso dos medicamentos.
Em geral, para prevenir a gastrite é importante cuidar dos hábitos alimentares, ter uma rotina de sono regular, praticar atividades físicas e controlar o estresse e a ansiedade.
Para Bruno Salomão, os pontos chaves para a prevenção da gastrite são: alimentação, histórico familiar e uso de medicamentos. Comer com periodicidade regular, manter uma dieta saudável, evitar exageros e mastigar devagar são dicas no que diz respeito à alimentação. Estar atento ao histórico familiar sobre doenças de estômago pode deixar o paciente mais preparado para lidar com a gastrite. Já o uso indiscriminado de anti-inflamatórios, sem prescrição médica, pode inflamar a mucosa do estômago.
Palavra do especialista
Muitas pessoas confundem a gastrite com uma simples dor no estômago, causada por uma intoxicação alimentar, por exemplo. Como identificar quando é gastrite e quando não é?
A infecção alimentar, a intolerância e o nervosismo podem dar dor no estômago e ocasionar uma manifestação muito semelhante à gastrite. Inclusive, esses mesmos fatores podem desencadear a gastrite, desde que o estímulo machuque a pele do estômago. Mas, pode ser que seja apenas uma irritação no estômago que não causa inflamação da mucosa, aí nesse caso não é gastrite. Só é possível identificar essa inflamação por meio da endoscopia.
Qual é a diferença entre gastrite e úlcera?
A úlcera é uma complicação da gastrite. A gastrite é uma inflamação da mucosa do estômago, que pode causar desde uma simples vermelhidão até levar a uma erosão, que é um machucado um pouco mais profundo, podendo evoluir para a úlcera.
Uma vez que a pessoa tem uma crise de gastrite, ela pode ter novamente?
Como a gastrite consiste nesse desequilíbrio entre o que protege e o que agride o nosso estômago, toda vez que houver desequilíbrio, pode ter uma ativação da gastrite. Então, é uma doença que não tem cura, mas tem controle. O paciente que tem gastrite terá essas crises. Ele pode estar bem, com a doença controlada, mas, de repente, tem algum fator que aumentou o agressor, como um alimento, uma emoção intensa, que desencadeia uma nova crise de gastrite, fazendo com que o tratamento tenha que recomeçar.
Bernardo Martins é gastroenterologista do Hospital Santa Lúcia
* Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte