Considerados membros das famílias de muitos lares brasileiros, os bichinhos de estimação sempre foram companheiros fiéis dos humanos. Segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 48 milhões de domicílios no Brasil têm cães ou gatos. Com a quarentena imposta pela pandemia da covid-19, esses animais também tiveram suas rotinas modificadas e, assim como a maioria de nós, precisaram lidar com diversas questões ligadas às mudanças, como a ansiedade e o estresse.
O médico veterinário Edilberto Nobrega Martinez, especialista em comportamento animal, explica que a maioria dos pets já vivia em uma espécie de confinamento por alguns períodos do dia, quando seus tutores eventualmente saíam para o trabalho ou para o lazer. Assim, desde que as medidas restritivas foram adotadas, cada espécie pôde reagir de uma forma diferente.
“Na perspectiva dos cães, o teletrabalho tem sido a melhor coisa que podia ocorrer, uma vez que a interação social com os seus humanos amados aumentou, trazendo segurança e aconchego. Já na perspectiva dos gatos, a presença constante dos tutores pode gerar certo desconforto. Isso porque os felinos são animais muito apegados à rotina, e qualquer mudança pode gerar estresse e insegurança, por mais que eles amem as pessoas de seu convívio”, explica Edilberto. Ele ressalta, porém, que para toda regra há exceção, ou seja, esses argumentos são ilustrativos e podem variar conforme a particularidade de cada animal.
Para a estudante Isabel Sotero, 22 anos, a quarentena a aproximou dos três cachorros. “Os meus pets têm vivido a vida deles normal, eles nem sabem o que é pandemia, porque nós nunca tivemos o hábito de passear com eles na rua. O que mudou foi que nós passamos a brincar mais com eles em casa. Eu acredito que agora estão até melhores do que antes, por causa da nossa presença.”
Edilberto acredita que, à medida que as pessoas retornem às atividades habituais, isso poderá se tornar um problema para os animais domésticos, uma vez que, mais de um ano depois das mudanças decorrentes da pandemia, a maioria deles se adaptou à nova rotina familiar e ambiental. “É muito importante que as pessoas façam um planejamento para o retorno das atividades fora de casa e que essa desvinculação seja gradual. Comece indo todos os dias até o corredor e volte. Se morar em apartamento, vá até o andar de baixo. Se morar em casa, vá até a casa vizinha, aumentando gradativamente a distância e o tempo fora da residência. Dessa forma, eles entenderão que as pessoas saem, mas voltam.”
Mudanças necessárias
Para a bibliotecária Silvania Fernandes, 52 anos, a pandemia ainda veio acompanhada de mais um fator: a mudança de casa. Ao se mudar para um apartamento, bem menor do que a antiga residência, ela logo percebeu que seus cachorros, Juju e Yoda, não estavam se adaptando bem à nova moradia. “Eu não estava acostumada a ter horário para descer com os cães para fazerem as necessidades, e nem eles estavam, porque, por serem idosos, não tinham esse costume de segurar o xixi e o cocô.”
Com o tempo, as coisas se complicaram, já que manter o apartamento limpo se tornou um desafio e tanto. Silvania decidiu, então, levar os pets para morarem com sua mãe, que tem um quintal grande, onde os cachorrinhos poderiam ficar mais à vontade. “Fica a duas quadras do meu apartamento. Vou lá algumas vezes na semana para poder cuidar deles”, diz.
Além dos dois pugs, Silvania tem um gatinho chamado Chandon, que ficou com ela no apartamento. Segundo ela, o felino também sentiu bastante os efeitos da mudança. “Antes, ele tinha a parte de dentro da casa e o quintal para ficar olhando o movimento da rua. Aqui, ele não vê a rua, porque o apartamento fica no meio de vários prédios. Ele está bem estressado, fica sempre pedindo atenção e carinho porque não tem nada para fazer”, conta a bibliotecária. “Estamos tentando driblar da melhor maneira possível.”
Importância da autonomia
A médica veterinária comportamentalista Katia de Martino explica que as relações entre donos e animais de estimação se estreitaram durante a pandemia. Com a redução das relações sociais, ficamos mais carentes, logo, tentamos suprir um pouco dessa falta com os bichinhos. Porém, é preciso ter cuidado para não se criar um vínculo baseado em dependência emocional. “Quando as coisas começam a retomar à forma normal, os animais não têm essa percepção de que as coisas mudaram e podem desenvolver problemas de ansiedade por causa da separação”, alerta a profissional.
“A gente tem as nossas necessidades, mas os animais também têm as deles e eles não entendem a nossa saída. É preciso evitar ao máximo que o cachorro vire sua sombra dentro de casa. É necessário que ele crie a própria independência”, pontua Katia.
Como estimular a autonomia do seu pet
* Promover mais caminhadas e fazer com que os animais tenham mais contato com o mundo externo: quanto mais exercícios eles fizerem, mais relaxados eles vão ficar dentro de casa.
* Estimular o enriquecimento ambiental dentro de casa, ou seja, artifícios por meio de brinquedos e estímulos para que os animais tenham a necessidade de farejar e brincar, sem a presença do tutor. Por exemplo, brinquedos com algum petisco dentro ou atividades para eles se ocuparem nos momentos em que o dono não esteja em casa.
* Não fazer muita “festa” na hora que chegar em casa. O melhor é esperar eles se acalmarem antes de comemorar o reencontro, uma vez que, se a saudação for muito calorosa, gradativamente, aumentará o nível de ansiedade nas próximas saídas.
Fonte: Katia de Martino, médica veterinária comportamentalista
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte