O inverno brasiliense é conhecido pela secura, por manhãs e noites frias e muita ventania. Há quem não goste desse clima, mas também tem quem ame. Essa divisão de opiniões sobre a seca brasiliense, que já se tornou uma espécie de patrimônio local, ocorre porque muitos moradores sofrem com as consequências da baixa umidade, enquanto outros se veem beneficiados.
Ellen Caroline, 28 anos, doutoranda em biologia molecular na Universidade de Brasília (UnB), é uma das moradoras da capital que se sente mais disposta neste período. Ela malha pelo menos quatro vezes por semana e, durante a seca, tem mais energia para manter a rotina. “No verão, por exemplo, não sinto ânimo. O calor nos faz suar, a maquiagem não segura, sem falar no cansaço que sentimos. É estressante”, relata.
Ela acredita que treinar pela manhã a motiva ainda mais. Assim, enquanto o sol ainda não está forte, Ellen não sente tanto o impacto do clima sobre o corpo. Além de transpirar menos, não fica tão cansada. “Em dias frios, apesar da cama e da coberta serem superaconchegantes, foco no que eu quero, então não penso muito e levanto, tomo um café da manhã reforçado e vou treinar. Só assim começa meu dia”, comenta.
A empresária Gisele Barrozo, 47, assim como Ellen, enxerga a beleza da seca e aproveita bastante esses meses. Um de seus passatempos preferidos é tirar fotos dos ipês. Ela explica que a vivacidade e a alegria que essas árvores transmitem embelezam as ruas do inverno seco e frio. “A combinação do colorido das flores com o céu azul e sem nuvens gera um registro fotográfico irresistível”, afirma.
Nascida em Londrina, no Paraná, de início, a empresária estranhava uma cidade ter tantos climas em um só dia. A secura também a incomodava. Mas, depois de 16 anos morando na capital, aprendeu a se proteger contra os efeitos negativos.
Gisele gosta de correr na rua, no inverno, porque, como o clima está mais ameno, tem a possibilidade de se exercitar em diferentes horários. “Hoje, já me acostumei e adoro esse clima leve durante o dia e o friozinho da noite para dormir.”
Nem tudo são flores
Ma, assim como existem pontos positivos neste período, há também os negativos, como a necessidade de aumentar a hidratação corporal, dos cabelos e do nariz, para não afetar a qualidade de vida. Carla Amaral Moreira, 38 anos, publicitária e estudante de fisioterapia, está entre os brasilienses que amam o período, mas sofrem com alguns de seus efeitos na saúde.
Os meses mais secos, com céu azul e quase sem nuvens, são os preferidos de Carla para fazer esportes ao ar livre. Ela gosta de correr no Parque da Cidade e na Península dos Ministros, curtindo o sol e o ventinho gelado, que ajudan a diminuir a sensação de calor.
Apesar das vantagens, a publicitária tem um organismo propenso a alergias, o que piora muito durante este período. “Como há muita poeira e secura, tenho muitas crises de rinite. Fico quase sem crises no resto do ano, mas, na seca, elas vêm com tudo. Mas gosto do clima, é minha época do ano preferida, então eu não me importo tanto”, confessa.
Entre outros sintomas, Carla sofre com muita coceira no nariz, secura na garganta e rouquidão. No entanto, depois de tantos anos vivendo no cerrado, ela aprendeu algumas técnicas que a ajudam a fugir dos problemas.
No fim de maio e início de junho, a umidade relativa fica cada vez mais baixa e é o momento em que Carla passa a dormir todas as noites acompanhada do umidificador. Ela conta que já criou um protocolo para a seca. Além do umidificador, investe em hidratantes nasais, bebe, pelo menos, dois litros de água por dia, usa diversos cremes hidratantes, para o corpo e rosto, e óleos de banho, para manter a pele saudável.
O “kit seca” inclui ainda remédios para a rinite e, há cerca de um ano, um mix de óleos essenciais, que ela usa em um aromatizador de ambientes e a ajuda a aliviar os sintomas e a melhorar a qualidade de vida. “Não me separo do meu kit, estou viajando para passar meu aniversário em um hotel-fazenda e levando tudo, até o umidificador!”, conta.
Os meses das “ites”
Larissa Camargo, médica otorrinolaringologista do Hospital Santa Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia, explica que doenças como a rinite da publicitária Carla Amaral Moreira são mais comuns nesta época do ano em virtude do ressecamento das mucosas.
As principais regiões do corpo que sofrem com o ressecamento são as mucosas oculares, oral e nasal. Desidratadas, elas ficam menos protegidas, mais vulneráveis a agentes poluentes, germes, vírus e bactérias, mais suscetíveis a processos infecciosos e alérgicos. O ar, por sua vez, quando está com a umidade relativa baixa, tem uma maior concentração de poluentes e agentes alergênicos.
Quanto mais hidratadas estão as mucosas, mais facilidade as células de proteção do sistema imune têm para chegar à região, caso algum agente maléfico entre no organismo pela boca, nariz ou olhos. “As células de defesa chegam nas mucosas através do meio aquoso”, ensina a médica.
A otorrinolaringologista explica que os problemas de saúde mais comuns nesta época são as rinites, sinusites, faringites, laringites e amigdalites, as doenças de via aérea superior, acima da laringe, e as bronquites, pneumonias e asmas, doenças de via aérea inferior.
Larissa comenta que esse tipo de problema de saúde é muito comum no Distrito Federal e que, nos meses da seca, a incidência de novos casos aumenta bastante. “Principalmente nas pessoas que já têm algum quadro de obstrução de via aérea. Elas ficam mais suscetíveis ao aumento de frequência e de intensidade das crises.”
Segundo a médica, pessoas que têm alergias respiratórias crônicas, respiram de boca aberta, têm quadros de desvio de septo ou hipertrofia de adenoides, asma e outros quadros pulmonares crônicos precisam estar ainda mais atentos no inverno brasiliense.
Entre os cuidados extras estão uso de soro fisiológico no nariz, aumento na ingestão de água e a aplicação de lubrificantes oculares. Para quem tem propensão a problemas respiratórios, Larissa sugere um acompanhamento preventivo com alergistas ou otorrinos, além da vacinação contra a gripe.
A importância da hidratação
Com um organismo composto de 60% a 70% de água, não é de se admirar que seja possível notar tantas alterações em nosso corpo nos meses de seca. Luciano Lourenço, clínico geral e chefe da Emergência do Hospital Santa Lúcia, explica que estamos sempre fazendo trocas de umidade entre o corpo e o ambiente externo, seja pela transpiração, seja pela respiração.
Quando a umidade relativa do ar está muito baixa, nós acabamos perdendo muito mais umidade do que normal, sendo necessário que essa reposição seja feita por outros meios — o principal deles um consumo maior de água.
Se não fazemos a reposição hídrica adequadamente, podem surgir problemas em diversos sistemas do organismo. Além dos problemas respiratórios, o sangue fica mais viscoso e difícil de ser bombeado, aumentando a frequência cardíaca e deixando os vasos sanguíneos mais colabados, ou seja, quando perdem a firmeza e tendem a “desabar”, encontrando dificuldade em se manter na posição adequada, prejudicando as trocas de fluidos sanguíneos.
Outro problema causado pela falta de hidratação é a urina mais concentrada. O alto volume de ureia pode machucar a bexiga e promover inflamações e infecções. Ocorre também a sobrecarga renal. “É um conjunto. O organismo desidratado acaba criando uma sobrecarga em todos os sistemas e, por isso, os cuidados extras com a ingestão de água são tão importantes neste período”, completa Luciano.
“Hidratante não é luxo, é remédio”
Pele, olhos, nariz, cabelo e boca começam a dar sinais de desidratação — mesmo que esteja consumindo a quantidade ideal de água para o corpo. Fernanda Maronari, dermatologista da clínica Supreme, recomenda algumas mudanças de hábitos, como o uso diário de hidratantes corporais sem perfume, protetor solar e, principalmente, hidratantes labiais. “É fundamental, mesmo o dia estando nublado ou mais seco, que a gente use o protetor solar todos os dias, reaplicando ao longo do dia”, recomenda.
Além disso, procure cremes específicos para o rosto, tome banho sempre em água morna ou fria e evite se prolongar no chuveiro neste período. Para melhorar a convivência com o inverno seco de Brasília, a dermatologista recomenda evitar o uso de bucha pelo corpo e optar por sabonetes mais hidratantes, de preferência prescritos por médicos dermatologistas. “Lembre que, nesta época, o hidratante não é luxo, ele é remédio”, alerta.
A médica destaca também que algumas doenças são agravadas, como a psoríase, a dermatite seborreica e a dermatite atópica. Por isso, é fundamental que os pacientes que têm essas patologias invistam ainda mais na hidratação da pele. Por outro lado, aqueles que têm a pele muito oleosa e com tendência a acne sentem menos essa oleosidade no dia a dia. Mas é necessário hidratar a pele da mesma maneira.
As máscaras
A otorrinolaringologista Larissa Camargo percebe uma mudança em suas observações clínicas. O uso de máscaras de proteção contra o coronavírus também ajudou na redução de doenças respiratórias de forma geral. Assim, a médica recomenda que seu uso, assim como as medidas de higiene, continue sendo adotado contra a covid-19, o que evita outros problemas de saúde.
Orientações da Defesa Civil
* Beber, pelo menos, seis copos de água por dia
* Pingar duas gotas de soro fisiológico em cada narina
* Ter umidificadores ou toalhas molhadas e bacias de água em quartos
* Optar por roupas leves, de preferência, de algodão
* Evitar exercícios físicos ao ar livre e exposição solar entre as 10h e as 17h
* Evitar queimar lixo ou entulho
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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