Nos dias atuais, abraços, beijos, apertos de mãos e conversas face a face deram lugar a gestos distanciados, intermediados por barreiras e telas. Essa nova dinâmica causou impactos diretos nas relações afetivas, em especial nas amorosas. Os casais formados antes da pandemia foram obrigados a adaptar o convívio. Os solteiros, por sua vez, viram-se com possibilidades restritas para flertar e encontrar parceiros.
Para o psicólogo clínico Fábio Caló, do Instituto de Psicologia Aplicada, a pandemia trouxe mudanças positivas e negativas para quem já estava dentro de um relacionamento. “Parceiros com boa relação aproveitaram esse momento para um convívio maior e mais intimista, sem pressa. Com menos concorrência, puderam fazer mais programas juntos e descobrir novos hobbies”, analisa. Por outro lado, o profissional acredita que os casais que vivenciavam problemas e crises na relação passaram por um período conturbado.
Mas os que mais foram afetados pela nova realidade foram os solteiros. Para a psicóloga e terapeuta de casais Mariana Del Monte, esse grupo ficou mais temeroso e preferiu pausar a paquera no início da pandemia. Contudo, após algum tempo, voltou a se abrir para conhecer novas pessoas. “Alguns criaram o hábito de só marcar encontros depois da apresentação do PCR. Outros optaram por encontros em locais públicos, mas com uso da máscara, o que gerou uma redução do contato físico. Hoje, o que eu vejo muito é a espera da vacina, ou seja, como se a imunização fosse um passe livre para conhecer pessoas. Você estar vacinado o torna mais atrativo para se relacionar.”
Fábio Caló aponta a necessidade humana de contato físico como a motivação que tem levado muitos a se aventurarem em encontros. “As pessoas possuem um instinto biológico, um desejo de encontrar alguém, não só pela saciação sexual, mas pela necessidade de afeto, atenção, carinho e troca. Isso, geralmente, fala mais alto. Por isso, muitas pessoas saíram de casa para conhecer novas pessoas a despeito da pandemia”, explica.
Paquera on-line
O universo virtual se tornou o principal meio para dar match. Além das redes sociais, os aplicativos de relacionamento bombaram durante este período. Enquanto o Happn notou um aumento de 18% nas mensagens trocadas pelo aplicativo, o The Inner Circle teve um crescimento de 15% nos matches e 10% nas mensagens enviadas. Já o Par Perfeito registrou um ganho de 70% novos usuários e de 20% no tempo médio gasto no aplicativo.
Fábio concorda que o contexto de aproximação controlada fez com que muitos migrassem para o on-line, tendência que já vinha crescendo antes da pandemia. “É comum escutar que muitos mantiveram suas interações e conheceram novas pessoas por meio desses aplicativos — e aí também existem prós e contras. Ao mesmo tempo em que a tecnologia aproxima gente que jamais se encontraria, porque está em localizações geográficas afastadas, é de idade ou estilo de vida diferente, ela também traz problemas. Quando você se depara com uma diversidade de opções, a escolha se torna mais difícil.”
Apesar de a paquera on-line ser exaustiva, pois a conversa não flui de forma natural e há um esforço para que o diálogo seja construído, Mariana enxerga que a maioria das pessoas, neste mundo pandêmico, continua restrita à busca amorosa não presencial. “Um determinado grupo de pessoas já está saturado desse universo digital, mas isso não as está impedindo de continuarem nessa abordagem, pois não só é a única alternativa como, também, o próprio sentimento de solidão é pior do que se submeter ao digital. O ser humano tem necessidade de se relacionar, do toque e da presença física do outro. O on-line não substitui isso, mas tem fases que será necessário, como a que estamos passando.”
Encontro de almas
As circunstâncias do presente dificultaram o desenvolvimento de vínculos sociais, mas não impediram que casais se formassem. A advogada Danielle Téllez, 41, e o empresário Bruno Dall’Oca, 40, aproximaram-se no fim de março de 2020 por meio da internet. Os dois já se seguiam no Instagram e, após começarem a interagir pelos stories, descobriram que tinham muitas afinidades. “Foi uma coisa de destino mesmo, parecia que a gente já se conhecia. Eu brinco que foi um encontro de almas, pois a gente tem gostos e pensamentos parecidos sobre família, política, religião. O nosso estilo de vida também encaixa. Tudo flui muito fácil”, declara Danielle.
Ela conta que o relacionamento evoluiu tão rápido que, apenas dois meses depois que se viram pela primeira vez, decidiram selar o compromisso. “A pandemia intensificou e acelerou a evolução do nosso relacionamento porque, como a gente não precisava sair para trabalhar, ficamos grudados o tempo todo. Foi uma espécie de imersão no relacionamento: cozinhávamos, saíamos para caminhar, assistíamos a lives e a filmes juntos. Deus nos deu esse presente da quarentena para podermos aproveitar intensamente o nosso relacionamento. Em apenas pouco tempo, vivemos como se fossem 10 anos juntos”.
Mesmo em meio à pandemia, e sem a possibilidade da realização de uma festa, Danielle e Bruno decidiram registrar a união no dia 22 de agosto do ano passado com uma pequena cerimônia que contou com amigos e familiares mais próximos. Quanto aos planos pós-pandemia, o casal torce para poder organizar jantares com a presença dos amigos. “Ainda não pudemos ter a parte social de apresentar todos os nossos amigos um para o outro. Há amigas minhas que são doidas para conhecê-lo. Estamos torcendo para que a pandemia acabe logo e a gente possa fazer tudo que ainda não pudemos”, espera a advogada.
Dividindo o mesmo teto
A dinâmica dos namoros também ficou diferente, passando a contemplar desde encontros mais intimistas até mudanças de rotina, para garantir a segurança não só do casal, mas também dos familiares. “Ouvi de muitos casais sobre o quanto foi difícil lidar com as diferenças de posicionamento de cada um com relação à própria pandemia. Como os seres humanos são diferentes, eles vão pensar e agir de maneira diversa. Então, aqueles que namoravam tiveram que se reposicionar diante do namoro, e desse reposicionamento surgiram escolhas, que, em alguns casos, nem estavam no radar se não existisse a pandemia”, conta Mariana Del Monte.
Entre as escolhas citadas por ela, está a de morar junto. Essa foi a decisão tomada pelo personal trainer Igor Máximo, 27, e pela advogada Bárbara Salgado, 30. No caso deles, o compartilhamento da moradia já era um plano em mente. Com a pandemia, eles optaram por colocar a mudança em prática. “Quando ficamos sem perspectiva de a pandemia passar, resolvemos nos mudar logo, para não ficarmos nessa espera”, justifica Igor.
Há quatro anos juntos, o casal sentiu os efeitos do contexto atual nos primeiros meses, quando teve que reduzir a frequência dos encontros. “A gente se via diariamente e aí, no primeiro mês de pandemia, não podíamos sair de casa para praticamente nada. Foi muito difícil trocar esse contato presencial pela conversa digital”, detalha o personal trainer.
Apenas quando os dois começaram a morar juntos esse problema foi resolvido. Mas Bárbara admite que a convivência 24 horas por dia trouxe não só benefícios, mas também desafios. “Acredito que construir algo nosso é muito legal. O passo que demos de morar juntos fortaleceu bastante o nosso relacionamento. Mas, em contrapartida, adaptar-se ao jeito um do outro e se acostumar com as manias e jeitos da pessoa é bastante desafiador”.
"Acredito que construir algo nosso é muito legal. O passo que demos de morar juntos fortaleceu bastante o nosso relacionamento"
Bárbara Salgado, advogada
União antecipada
A analista de comunicação Raysla Godoy, 24, e o empreendedor Erick Vitor, 22, tiveram que lidar com os desafios de um relacionamento a distância em plena pandemia. Como os aeroportos estavam fechados, a conexão Brasília-Belém ficou interrompida, fazendo com que os dois fossem impedidos de se visitar por seis meses. Para que pudessem estar juntos novamente, eles decidiram antecipar o casamento, previsto para 2021. Assim, trocaram alianças em novembro de 2020. “A gente já tinha uma confiança muito grande um no outro, tínhamos a nossa escolha muito sólida, então, o comprometimento era o próximo passo. Percebemos que o mais importante de ter na cerimônia era a bênção de Deus e a presença das pessoas mais próximas”, explica Raysla.
Para ela, o casamento intimista fez mais sentido e atendeu às expectativas que tinha, pois proporcionou um momento de mais conforto para os noivos. Assim que se casou, com mais sabedoria sobre a vida a dois, Raysla começou a produzir posts no Instagram para desconstruir o medo que as pessoas têm de compromisso e para compartilhar a sua visão sobre relacionamentos. “Eu vejo que, às vezes, a aliança e o compromisso soam como algo assustador para quem tem a minha idade. Mas, como é uma coisa que faz parte da minha vida e que me traz muita felicidade, deixa-me feliz compartilhar. Eu quero passar a ideia de que amor é algo que a gente tem a habilidade de construir e que, quando a gente busca padrões saudáveis, a gente consegue ter um relacionamento saudável e construir uma história legal, que soma na nossa vida.”
Hoje, ela está se adaptando não só à vida de casada como também à mudança de cidade. “Eu tive uma transição dupla, me casei e me mudei de cidade. Então, acho que é mais uma etapa. Se, antes de casar, a gente tem que passar por um momento de entender como é a pessoa, e isso leva tempo, no casamento, esse processo é mais intenso. Para todo mundo que casa, o primeiro ano é de muita adaptação, mas, vale muito a pena, pois você ganha um parceiro para a vida inteira. Amar e ser amado é desafiador, mas também é muito bom”, conclui.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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