Especial

Como a respiração pode ajudar você a viver bem

Respirar para sobreviver pode ser suficiente, mas há como tirar tal atividade do automático, prestar mais atenção no ar que se inspira e se exala e fazer com que isso lhe garanta qualidade de vida e saúde mental

Renata Rusky
postado em 23/05/2021 08:00
Juliana Feitoza acredita que o fato de sempre ter dado uma atenção especial à respiração a ajudou no processo de cura da covid-19 -  (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press       )
Juliana Feitoza acredita que o fato de sempre ter dado uma atenção especial à respiração a ajudou no processo de cura da covid-19 - (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press )

Em 2020 e 2021, faltou ar para mais de 400 mil brasileiros. Vivemos, respiramos, mas também parece nos faltar ar quando temos que lidar com essas perdas, quando ficamos ansiosos e estressados. Continuamos a respirar, de forma instintiva, e sobrevivemos. Mas sair do automático pode ser um modo de viver melhor, conhecer o próprio corpo, distribuir o ar inspirado por todo ele e oxigená-lo por completo.

“A respiração é uma ação contínua, de importância vital, cujo objetivo principal é promover as trocas gasosas, oxigênio por gás carbônico. O ideal é que haja uma distribuição homogênea do ar inspirado, mas o mais comum é respirar mais com a porção torácica do que com a abdominal. Quando se respira com consciência, a gente consegue distribuir melhor”, explica a fisioterapeuta Graziella Cipriano, professora da Universidade de Brasília (UnB) e diretora da Associação Brasileira de Fisioterapia Respiratória (regional DF).

Segundo a especialista, a proporção ideal entre a inspiração e a expiração deve ser de um para dois. Ou seja, deve-se expirar pelo dobro do tempo que se inspira. E uma respiração mais atenta e consciente pode trazer qualidade de vida. “É uma forma de melhorar a condição física, a captação e a oxigenação cerebral e, consequentemente, a saúde mental, promovendo relaxamento e um cognitivo mais efetivo”, afirma.

Cantando, remando e respirando

Para a consultora legislativa Juliana Feitoza, 38 anos, quando se respira melhor, vive-se melhor. “A gente se sente mais completa, mais inteira, mais relaxada”, recomenda. Ela é atleta de remo e apaixonada por artes. Por 15 anos, fez teatro, período em que também participou de algumas oficinas de canto, para preparar a voz para espetáculos. Exercícios de respiração faziam parte da rotina dela.

Há cerca de dois anos, voltou ao canto. “Sou da área do direito, mas a arte nunca me abandonou. Quis resgatar isso, porque acho que a arte alimenta, cura. Eu e meu treinador de remo, meu superamigo, tínhamos a ideia de fazer uma dupla de palhaços, então começamos a cantar”, conta.

A base das aulas de canto são os exercícios respiratórios. “O aprimoramento vocal não é possível sem toda a caixa respiratória trabalhando junto. Se não trabalhar a respiração, não vai conseguir chegar nas notas”, explica. Diante da pandemia e do isolamento necessário, os treinos foram uma forma de dar vazão ao estresse do momento e do fluxo de notícias ruins.

Há cerca de 50 dias, ela teve os primeiros sintomas da covid-19. “É um momento de muita aflição. A gente sabe que pode estar com a saturação boa e, de repente, piorar”, Juliana relembra. Para lidar com a angústia, os exercícios de respiração aprendidos nas aulas de canto e as músicas lhe ajudaram muito.

“Eu queria me manter oxigenada. Até durante o período crítico, tentei fazer exercício, fazer respiração diafragmática, para expandir os pulmões, e eu acredito que isso fez o quadro evoluir melhor”, conta. Além disso, treinar uma música e ver que conseguia cantar foi um alento emocional. “Eu tenho certeza que ter essa consciência vocal e respiratória, graças às aulas de canto, preparou-me para enfrentar a covid”, agradece.

Respiração automática x canto

A cantora e professora de canto Zila Siquet usou sua experiência profissional para ajudar o irmão, que, após ser infectado com o coronavírus e se recuperado, continuou com dificuldade de respiração. “Eu o chamei para trabalhar o canto, porque, com certeza, ajudaria. Na primeira aula, ele mal terminava uma frase musical curta, mas fomos fazendo os exercícios e foi melhorando”, conta.

Segundo Zila, alunos novos, que nunca cantaram, costumam chegar até ela sem consciência do corpo e da respiração. “Não é uma falha na respiração, mas o hábito equivocado mais comum é a respiração torácica, muito concentrada no superior, perto dos ombros”, relata. Ela explica que, com isso, abre-se mão de usar o diafragma na oxigenação. “É muito comum a falta de consciência do próprio corpo, nem entender que se tem o diafragma”, conta. Ela esclarece que é certo que a respiração acontece de forma involuntária e todo mundo vive e respira, mas, segundo ela, “quando se tem consciência, tem resultados melhores”.

Zila explica que a respiração é a matéria-prima para a voz. E o corpo é instrumento. “A nossa voz é o nosso sopro. Eu começo trabalhando a respiração, e vou dando ao aluno consciência desse ato tão instintivo. No canto, a respiração é diferente da fala, porque o canto demanda um controle respiratório muito maior, algumas músicas têm um desafio maior de sustentação”, explica.

Saúde mental

Em transtornos de ansiedade e de pânico, alguns dos sintomas principais são cardiorrespiratórios. Não à toa, a relação entre o sistema respiratório e tais condições psiquiátricas têm sido foco de estudos. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conta, no Instituto de Psiquiatra, com um núcleo de pesquisa chamado Laboratório de Pânico e Respiração (LABPR), fundado em 1997, pelo médico Antonio Egidio Nardi, doutor em psiquiatria, saúde mental e fisiologia respiratória.

O LABPR já lançou, inclusive, uma cartilha (http://www.polbr.med.br/ano20/praticas_respiratorias.pdf) que ressalta a importância da fisioterapia e da consciência corporal, e traz orientações sobre como lidar melhor com as reações físicas e emocionais geradas pela ansiedade e pelo estresse, com a respiração como ferramenta principal. “Você já deve ter percebido que situações que geram ansiedade tornam a nossa respiração rápida e curta. Quando você tem medo, sua respiração paralisa. Podemos perceber que as nossas emoções têm grande impacto na forma como respiramos. Mas será que o contrário é verdadeiro? A respiração é capaz de modificar as nossas emoções? Estudos científicos sugerem que sim”, informa a cartilha.

Pratique!

Sente-se de forma confortável, pode ser numa cadeira ou no chão, com uma almofada embaixo do quadril. Se preferir, pode fazer deitado também.
Deixe a respiração fluir naturalmente pelo nariz. Comece a observar as partes do seu corpo que estão tensas e contraídas e vá, aos poucos, relaxando esses músculos.
Relaxe os ombros, o quadril, as pernas, os músculos do rosto. Depois, vá se conectando com as partes do corpo envolvidas na respiração. Que partes se movimentam quando você inspira e quando solta o ar? O movimento se concentra mais abaixo do tórax ou mais acima do tórax? Seu abdômen também se movimenta? Lembre-se de não tentar modificar a ritmo natural da respiração.
Agora, observe a entrada e a saída de ar pelas narinas. Sinta onde o ar toca durante a expiração e a diferença de temperatura do ar que entra e do que sai pelas narinas.
Se em algum momento você se distrair, traga, de forma gentil, sua atenção de volta para a respiração. Ela será o seu objeto de foco.

Fonte: Cartilha de práticas respiratórias para o manejo do estresse e da ansiedade, do Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ

Um exercício diário

Embora em momentos de estresse a orientação seja parar para respirar bem, com o intuito de controlar as reações provocadas pelo momento, a fisioterapeuta Delaine Fernandes Cabral, especialista em coluna e RPG, garante que, quanto mais se exercita a respiração consciente, mais ela se torna natural e automática. “Toda vez que a gente para, com o objetivo de respirar com consciência, que senta na frente do espelho, conta o tempo para inspirar e para expirar, aquilo vai virando o padrão para o nosso corpo e é incorporado. E as circunstâncias do dia a dia vão cada vez menos interferir nisso. É como uma fisioterapia de meia hora para alguém que esteja com dificuldade de andar”, ensina.

Ela explica que o trabalho é técnico e pode variar de acordo com as necessidades do paciente, mas, em geral, o objetivo dos exercícios é aumentar a capacidade respiratória. Para ela, o ar é a coisa mais universal entre todos os humanos. “Todo mundo tem que respirar, já nasce gritando”, brinca. E, embora seja uma profissional da ciência, ressalta filosofias que reconhecem a importância da respiração e a colocam em um pedestal, como é o caso da ioga.

Segundo a instrutora Clarice Veras, na ioga, diz-se que a respiração conduz os movimentos. “Diferentes linhas têm formas específicas de trabalhar a respiração, mas ela é sempre protagonista. O simples fato de prestar atenção na forma como estamos respirando já é um exercício, uma prática de atenção plena: faz com que a mente fique no presente. A mente tende a nos levar para o passado, que não temos como mudar, ou para o futuro, trazendo preocupações”, explica.

Diante das incertezas que a pandemia da covid-19 trouxe, Natasha Lunara, 33 anos, estudante de enfermagem prestes a se formar, procurava algo que a acalmasse. Ela tem passado muito tempo sozinha e está sem saber quando conseguirá terminar o curso universitário. “Eu me percebi ansiosa”, lamenta. Em janeiro deste ano, começou a ioga. São cerca de três horas por semana de aula, mas ela ainda faz questão de fazer os alongamentos diariamente, além de algumas posturas.

Natasha garante que já sentiu os benefícios. Mesmo quando não está praticando, sente-se mais calma. “Eu me surpreendi ao notar, com a prática, que minha respiração natural não estava correta e, com o tempo, ao respirar de forma consciente e presente, percebi que passei a ter mais foco e vigor ao realizar as tarefas do dia a dia”, afirma. Além disso, ela gosta de poder meditar durante os exercícios físicos, o que, acredita, proporciona relaxamento do corpo e da mente.

Por meio do exercício, ela percebeu que, em alguns momentos, prendia a respiração sem perceber. Concentrar-se mais nisso, enquanto também fazia os movimentos, foi um desafio, mas ela acredita que superá-lo e ter consciência do corpo na respiração facilitou todos os outros movimentos, que lhe retirou diversos desconfortos no pescoço e na coluna. É interessante como realinhar o corpo, deixando a coluna ereta e fazendo o encaixe dos ombros, já faz toda a diferença para alívio de dores nas costas, que eu sentia muito”, conta.

Ioga e respiração

Hatha ioga: a base é a respiração completa, que inicia no abdômen (respiração baixa), passa pelo tórax, respiração média, e chega à região subclavicular, respiração alta. Respirar é uma das formas de absorver prana, energia vital. Logo, se aumentamos nossa capacidade respiratória, também nos enchemos de mais vida.

Pranayama: é como se denomina um exercício respiratório na ioga (yama, em sânscrito é domínio, controle). Existem pranayamas mais estimulantes, para os dias em que estamos mais letárgicos, desanimados, e também pranayamas calmantes, relaxantes, para controlar a ansiedade e combater a insônia, por exemplo. De forma geral, pode-se dizer que prolongar a expiração, tornando-a mais lenta que a inspiração, tem efeito calmante.

Experimente: respire profundamente (usando a respiração completa) em um tempo (três segundos) e expire em quatro tempos (12 segundos).

Fonte: Clarice Veras, instrutora de ioga


Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Ao se perceber ansiosa durante a pandemia, Natasha Lunara buscou ajuda na ioga: contato consigo mesma
    Ao se perceber ansiosa durante a pandemia, Natasha Lunara buscou ajuda na ioga: contato consigo mesma Foto: Carlos Vieira/CB/D.A.Press
  • Para Zila Siquet, a respiração é a matéria-prima para a voz, e o corpo, instrumento
    Para Zila Siquet, a respiração é a matéria-prima para a voz, e o corpo, instrumento Foto: Arquivo pessoal
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação