Quem é apreciador de gatos sabe que eles são caçadores por natureza. E, mesmo em ambiente doméstico, os bichanos precisam ter esse comportamento estimulado. “Por serem grandes companheiros e animais que não dão trabalho, os gatos têm ganhado espaço como bichos de estimação. O problema é que muitas pessoas não oferecem aquilo que eles precisam para ficar confinado em um ambiente e, ainda assim, exercer o comportamento natural”, adverte a veterinária especializada em Medicina Felina, Giovana Mazzotti.
Para a médica veterinária, muita gente não tem a informação necessária antes de adotar um gato — e o comportamento predatório é exatamente uma das necessidades mais importantes da espécie. Segundo a Sociedade Americana de Medicina Veterinária, são seis as necessidades ambientais para que o gato viva dentro de casa com qualidade: local seguro para descansar e dormir; enriquecimento hídrico e nutricional; recursos essenciais individuais, como caixa de areia e vasilha de água própria; interação prazerosa com o humano; respeito ao olfato; e estímulo ao comportamento predatório.
Esse comportamento é praticamente inato e tende a ser aperfeiçoado por meio do convívio com a mãe do animal, como detalha Giovana: “Se a mãe souber caçar, ele também será um bom predador. Essa influência se reflete, inclusive, na escolha da presa. Por exemplo, se a mãe gosta de caçar aves, os filhos também vão gostar”.
A veterinária Selma Thamires, da Clin Pet, explica que o hábito da caça faz parte do instinto dos felinos. “Os gatos caçam rotineiramente e nem sempre para se alimentar. Muitas vezes, apenas pelo instinto, para brincar com os bichinhos que pegam.”
Opções variadas
Os bichanos são caçadores, independentemente de viverem com mais restrição ou liberdade. “O fato de ter acesso à rua contribui para o estimulo excessivo desse comportamento, exacerbará essa característica e fará com que o animal saia à caça com maior frequência do que os que vivem em apartamentos e casas teladas. Mas, mesmo dentro de casa, eles caçam pequenos insetos disponíveis no ambiente”, aponta Selma.
Dentre as presas preferidas no cardápio dos pets estão lagartixas, roedores, pássaros e insetos. De acordo com a veterinária, a opção escolhida vai depender do que está disponível no ambiente, mas lagartixas e pássaros tendem a ser os mais populares.
Ao contrário de várias espécies do mundo animal que caçam em bando, o gato é um caçador solitário e não divide o alimento. Logo, se ele compartilhar o que encontrou, é sinal de afeto. “Quando o gato caça uma presa, traz e entrega para o dono, é um comportamento de extrema amizade. Ele só faz isso quando gosta do humano. É uma demonstração de carinho e de afeto, como se fosse um presente mesmo”, ressalta Giovana.
Perigos da prática
Apesar do hábito da caça ser saudável para o desenvolvimento do gato, há alguns perigos que a prática pode oferecer, caso não seja supervisionada pelo tutor. O primeiro deles afeta o meio ambiente. “Em uma visão mais macro, o gato é capaz de dizimar espécies de animais, como aves que estão no local. Então, um felino que caça solto é um problema de equilíbrio ecológico”, alerta Giovana.
A profissional acrescenta que os próprios gatos correm riscos de adquirir doenças ao capturar presas que estão parasitadas. “Existem vermes, bactérias e protozoários que ele pode pegar do agente que está caçando. Existem vermes que não são intestinais e que moram em outros órgãos, e esses vermes, muitas vezes, não são combatidos com aquela dosagem de vermífugos que a gente dá para os animais. Há parasitas que não tem tratamento também. Por isso, nós desestimulamos o gato a caçar o alimento na natureza.”
Segundo Giovana, há três doenças comuns nos felinos: aelurostrongilose, toxoplosmose e platinosomose. A primeira é originada de um parasita que pode vir do caramujo, podendo ser transmitida para outros animais, como rãs e pássaros por meio da cadeia alimentar, até se alojar nos pulmões do gato e provocar problemas respiratórios. Já a segunda só pode ser transmitida aos humanos por meio da ingestão das fezes do gato e, normalmente, é assintomática. A última, por sua vez, pode ser causada por parasitas que se hospedam em moluscos, tatus-bolas, lagartixas ou calangos e, ao caírem no organismo do gato, instalam-se no fígado, causando doenças hepáticas.
Além de serem de difícil diagnóstico, essas patologias podem provocar problemas graves de saúde que, às vezes, não têm tratamento, podendo causar até a morte do animal. “O tratamento dependerá, principalmente, do diagnóstico e estadiamento da doença, pois pode ir desde uma simples vermifugação até internação e transfusão sanguínea, em casos mais graves”, afirma Selma.
Dócil, mas arteiro
O gato da estudante de medicina veterinária Ester Rolim, 21 anos, é criado em ambiente de chácara, com livre acesso ao quintal e a lotes dos vizinhos, por isso está sempre caçando algum bicho. “Frajola começou a caçar logo que atingiu a maturidade sexual, que é a época que eles têm mais curiosidade para explorar, ficam mais independentes e vão atrás de novas experiências. Mas, no geral, eles caçam desde sempre”, contextualiza.
Ela conta que é comum o gato presenteá-la com alguma presa que encontrou pelo caminho e, mesmo não gostando, ela procura ter uma postura positiva para não ofender o pequeno. “Eu acredito que gatos são muito sensíveis a tudo o que acontece na casa, e o meu gato costuma trazer os bichos que caça de presente para mim. Confesso que fico com nojo e com dó dos bichinhos. Mas costumo não dar muito atenção e não repreender, pois, para ele, isso é algo natural”.
Como forma de desestimulá-lo a caçar, a estudante procura fazer um enriquecimento ambiental para que ele fique mais confortável dentro de casa. “Ofereço muitas opções para Frajola se distrair e brincar, sempre interajo com ele e dou alimentos saudáveis e nutritivos”.
Pelo contato constante com outros animais, propiciado pelo ambiente a que tem acesso, Frajola acaba tendo quadros de verminoses recorrentes e, por isso, necessita ser vermifugado a cada três meses ou em períodos menores. “Eu comecei a ter problemas com ele quando a dose de vermífugo já não era mais a ideal, pois já havia ganhado peso e, com esse espaço de tempo, acabava adquirindo alguma doença. Então, decidi fazer acompanhamento regular com o profissional veterinário para garantir a saúde dele”, relata Ester.
Como solucionar?
Diante dos problemas que a falta de conhecimento sobre o instinto caçador dos gatos pode causar, é crucial que os tutores estejam cientes dos procedimentos necessários para a garantia de uma prática segura. “Esse comportamento mantém os gatos ativos e, consequentemente, evita a obesidade e colabora para qualidade de vida do animal. Dessa forma, muitas vezes, recomendamos que os tutores substituam as presas por brinquedos para estimular esse instinto, evitando a caça natural e os protegendo das doenças parasitárias”, orienta Selma.
A veterinária recomenda que os donos impeçam que o animal tenha acesso ao exterior, telando casas e apartamentos, e façam a castração dele, como forma de evitar que ele saia para a rua. “Também é importante que os donos tenham a rotina da vermifugação para manter o animal protegido e façam o controle desses animais no ambiente, visando não só à proteção dos gatos, mas, principalmente, ao controle de zoonoses”, complementa.
Giovana compartilha da visão de que atividades lúdicas são as melhores maneiras de oferecer ação para o pet no confinamento. “Uma das melhores formas de incentivar a caça dentro de casa, sem ser prejudicial para a saúde dele e de outros animais, é estimulá-lo a caçar a própria comida. Existem infinidades de brinquedinhos onde você pode colocar a ração. Também é possível jogar para ele pegar ou esconder a vasilha atrás dos móveis para ele procurar”, exemplifica.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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