No início da pandemia, os holofotes eram todos voltados ao sistema respiratório e circulatório e, aos poucos, os transtornos provocados pelo vírus sobre o sistema nervoso começaram a ser identificados. Os problemas incluem desde a redução do olfato, dificuldades de memória e dores de cabeça até derrames cerebrais, encefalite e estados de confusão mental e psicose. Isso sem falar dos efeitos das mudanças psicossociais do fenômeno pandemia, como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.
Um estudo da Unicamp mostrou que 25% das pessoas que morreram por covid-19 apresentam algum grau de dano cerebral por avaliação neuropatológica, porém outras pesquisas nos mostram que sintomas neurológicos estão presentes em mais de 80% dos pacientes na fase aguda ou nos meses subsequentes. Hoje, já temos uma boa ideia da frequência com que cada sintoma neurológico ocorre e abordaremos aqui três dos mais comuns.
Dificuldades de memória e atenção acometem mais de 60% das pessoas que apresentaram a infecção e, curiosamente, costumam ocorrer semanas depois do quadro agudo. Pode durar meses, e os achados mais recentes apontam que um processo inflamatório é responsável pelas queixas. Isso abre uma perspectiva de que medicamentos anti-inflamatórios podem ajudar, mas ainda não temos esta constatação.
Dor de cabeça ocorre em cerca de metade dos pacientes, geralmente forte e, muitas vezes, com características de enxaqueca. Alguns têm dor de cabeça inédita e não tinham história de episódios anteriores, enquanto outros têm piora da frequência da enxaqueca que já apresentavam antes da infecção.
Vinte por cento dos pacientes têm redução ou perdem o olfato na fase aguda da doença, sintoma que também pode perdurar por meses, mas a maioria tem reversão completa da disfunção dentro de um mês. Nesse caso, já foi demonstrado que os neurônios podem sofrer diretamente com a infecção, mas também indiretamente, por acometimento dos astrócitos, células que provêm energia para os neurônios. As células da mucosa nasal, ricas em receptores ACE-2 e que suportam o nervo olfatório, também são acometidas, reduzindo assim a nutrição desse nervo.
As séries neuropatológicas publicadas até o momento apontam que a identificação do vírus no cérebro não é tão significativa quanto em outros órgãos. Uma explicação é que o cérebro não é rico em receptores ACE-2, a porta de entrada do vírus nas células e isso aponta a favor da resposta imunológica ser a maior causadora das lesões cerebrais. Por outro lado, o estudo da Unicamp revela que os receptores Neuropilina podem ser a principal porta de entrada do vírus nas células do sistema nervoso. Os pesquisadores demonstraram acometimento dos astrócitos que não têm receptores ACE-2.
Futuros estudos devem apostar em marcadores biológicos que melhor esclareçam o que é infecção direta pelo vírus, o que é inflamação e o que é autoimunidade. Saberemos também qual o impacto desse ataque cerebral no médio e longo prazos.
*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília