Desde 2015, o número de compras feitas em brechós aumentou rapidamente. De acordo com um estudo feito pela Revista Brasileira de Pesquisas de Marketing, Opinião e Mídia, os principais compradores são do gênero feminino entre 18 e 25 anos. Outra coisa em comum entre esse público? Possui um nível de renda entre um e cinco salários mínimos e está cursando o ensino superior.
Esses fatores dizem muito sobre quem decide vender roupas usadas. São pessoas que precisam de uma renda extra ou que o sustento depende totalmente desse negócio. Sara Souza, 19 anos, estudante de turismo na Universidade de Brasília (UnB), abriu um brechó on-line no início de 2020. Ela conta que a principal motivação para vender peças de segunda mão foi ter começado a faculdade. “Eu não poderia trabalhar, porque a faculdade exige muito do meu tempo, e precisava de alguma forma de ganhar dinheiro”, conta a estudante.
Ter um negócio online é visto, muitas vezes, como algo mais fácil. Porém, a realidade não é essa. É um trabalho difícil que exige muita dedicação e persistência. “É trabalhoso, porque em muitos momentos você vende muito bem e em outros você não vende. É necessário me manter motivada, porque é de onde vem a minha renda. É por meio do brechó que pago as minhas contas todo mês”, relata.
As escolhas das peças para a venda são baseadas no gosto pessoal da estudante. Ela diz que é uma pegada vintage e retrô e que, às vezes, abre exceção quando acha uma roupa muito bonita. “A venda funciona da seguinte forma: eu posto a foto da peça no feed do Instagram, e a pessoa comenta na foto postada, se ela tem interesse, ou me manda uma mensagem no direct, que a gente combina tudo certinho”, explica.
Para não sair no prejuízo nem cobrar um valor excessivo por uma peça, ela considera alguns fatores básicos. O valor que foi a peça, se foi necessário gastar passagem para ir até o local do garimpo, e limpeza/higienização das peças. “Eu aprendi isso ao longo dos meses, quando percebi que era necessário levar a roupa até a costureira, ou tingi-la, quando vem desbotada, e os gastos essenciais para mandar a peça em boa qualidade para pessoa, como lavar, passar e ter uma embalagem bonita”, conta Sara.
“A minha maior dica é que tenha persistência e não desista nunca, porque vale a pena. Planeje-se bem, conheça o seu público para saber quais peças trazer para seu brechó”, finaliza Sara, dona do @vintage_clothings2.
*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira
Algo novo no Brasil
Estilo Isa Ponte/Instagram
A cultura de comprar itens em brechós é relativamente recente no Brasil. Segundo a consultora pessoal de estilo e imagem formada pela RML Academy, Isa Ponte (@estiloisaponte), as peças eram vistas como sinônimos de roupas sujas, surradas e fora da moda. “Hoje, os compradores estão deixando o preconceito de lado e, cada vez mais, consomem peças de segunda mão”, comenta a consultora.
Ela explica que a preferência por adquirir itens de brechós é um conjunto de fatores. Os consumidores estão cada vez mais atentos e conscientes quando o assunto é sustentabilidade. “Além disso, eles também vêm buscando conhecer o próprio estilo e sua identidade, que envolvem a parte emocional e a autoestima”, explica Isa Ponte.
Camila Côrtes (@consumencia) é servidora pública e consultora de imagem e estilo. Ela conta que outro fator tem feito as pessoas se interessarem por essas roupas de segunda mão: a autenticidade. “Além disso, a quarentena despertou nas pessoas o sentimento de buscar propósito nas escolhas, e a compra no brechó tem o objetivo de dar novo uso, o que faz total sentido nesse cenário que vivemos”, conta.
Os brechós também estão mudando a perspectiva sobre o ciclo de vida de uma roupa. De acordo com a consultora Isa Ponte, esse ciclo é o intervalo de tempo em que um item tendência entra no mercado, se sobressai, todos desejam aquele item pelo fato de estar em evidência, e, então, ele declina e desaparece do mercado. São as chamadas “modinhas”.
“O grande risco de comprar um item de tendência é que ele será pouco versátil e, consequentemente, não será muito utilizado por quem o comprou. Por isso, é importante conhecer o próprio estilo e as peças que realmente combinam com seu biotipo e personalidade, que permitirão fazer compras mais assertivas e evitarão menos descartes de roupas”, afirma Isa.
Indo além, a tendência das compras em brechós faz uma volta ao passado com peças vintages e exclusivas. “Os brechós se reinventaram e, hoje, comercializam peças seminovas, que permitem uma economia de até 80% em relação às lojas convencionais. Os consumidores estão atentos a isso”, admite.
Hora do consumo consciente
Na contramão das fast fashion (moda rápida), que são as indústrias da moda que priorizam a fabricação desenfreada e com baixo custo, o incentivo ao consumo sem critérios e sem limites, ignorando, na maioria das vezes, os impactos ambientais, temos um movimento de uma moda mais sustentável, conhecida como slow fashion (moda lenta).
A slow fashion é uma vertente mais consciente e humana, em que o foco deixa de ser apenas o preço e a quantidade e passa ser no apoio ao comércio local, à produção em pequena/média escala, com maior sustentabilidade. “A moda é cada vez mais democrática e individual. A busca por autenticidade, por estilo próprio, tem sido crescente, e isso faz com que as pessoas busquem mais essência do que tendência”, explica Camila Côrtes.
Camila enfatiza: “A exclusividade é um fator que agrega valor aos looks, principalmente quando se trata de peças com história. É uma exclusividade diferenciada, afinal, não se trata de preço, e sim de memória. Um valor inestimável e que qualquer pessoa que busca autenticidade se orgulha de carregar”.
Com isso em mente, os compradores que decidirem comprar em um brechó, avaliam as condições da peça de acordo com suas prioridades: estilo pessoal, caimento, modelagem, beleza, conservação e preço da peça.
Segundo Camila, as peças clássicas geralmente têm maior procura e o motivo disso é a versatilidade. São itens que não seguem tendências, pois são atemporais. Além disso, são roupas que combinam bem com peças atuais, compondo looks interessantes e nada óbvios.
“Muitas dessas peças têm grande qualidade, pois foram produzidas em épocas em que a produção em massa ainda não era tão automatizada e o cuidado na escolha dos tecidos era maior, para que fossem duráveis”, pontua a consultora.
Um bom blazer, uma calça jeans com corte reto, peças em alfaiataria, são exemplos de peças que são verdadeiros achados nos brechós.
Versatilidade importa
Para que uma compra seja assertiva, o ideal é que você pense em pelo menos três combinações diferentes com peças que você já tenha. Possibilidades para ocasiões diferentes. Depois disso, é necessário observar o acabamento e o caimento das peças. Experimente com calma, se movimente, tire foto, analise o efeito visual.
“Caso, passe em todos esses testes, é necessário que você avalie se aquela peça vai se adequar a sua rotina e ao seu objetivo de imagem. Então reflita se você já tem alguma peça que tenha o mesmo efeito visual. Por fim, se a peça passou em todas as etapas, é hora de procurar a etiqueta e verificar os cuidados necessários com o tecido, para que o ciclo de vida seja o maior possível. E não se esqueça de procurar referências para fugir do óbvio com a sua roupa ‘nova’”, conclui Camila.
O preço também é atrativo
Influenciada desde pequena pela mãe, Aline Gil, 20, estudante de sociologia da Universidade de Brasília (UnB), compra peças em brechós há muito tempo, mas ainda não tinha uma noção de consumo. “Então, nos últimos cinco anos, comecei a seguir brechós pelo Instagram e a me interessar por esse tipo de negócio, que me proporciona roupas por preços acessíveis de forma mais sustentável”, conta a estudante.
O que mais atrai Aline? Ela diz que o principal fator são os preços. De acordo com a qualidade das peças e a conservação, são peças mais acessíveis. “Com o passar do tempo, fui me interessando também pelas questões ecológicas. Isso se tornou um fator de peso também na minha decisão de comprar em brechós”, explica.
Ela conta que não tem preferência na hora de comprar em brechós. “Costumo comprar mais roupas e sapatos e são sempre itens específicos, que eu procuro de acordo com a minha necessidade. Às vezes vejo algo bonito e me interesso também, mas, no geral, sempre olho os brechós com minimamente algum objetivo de compra”, relata a estudante.
Aline diz que sempre olha a identidade visual das fotos, da maneira que elas são tiradas, como as coisas estão organizadas, para serem apresentadas aos clientes. “Ganha credibilidade, porque sei que está havendo um cuidado em expor e provavelmente em entregá-la em condições de higiene necessárias”, conta.
Ela também tem o costume de seguir as indicações de amigos, que compraram e gostaram do atendimento, que tiveram uma entrega personalizada. Aline repara mais nesses cuidados porque acredita que possam refletir no cuidado com as peças.
A estudante dá várias dicas para quem está afim de adquirir algumas peças de brechós on-line. Ela recomenda seguir os perfis que têm entregas próximas a sua localidade para facilitar o contato e até um possível provador da peça. Aline costuma reparar também na forma como as peças são anunciadas.
“A organização diz muito sobre os cuidados que estão sendo tomados com as peças e tente considerar também os impactos ambientais que essa escolha pode gerar, pois ajuda a fazer com que essas peças não sejam desperdiçadas, reduz o consumo de água (para produzir roupa se gasta muita água) e sem contar a economia também”, finaliza a estudante de sociologia da UnB.
Uma fonte de renda
Por sempre gostarem de moda, Vinícius Mozart, 24, e Denner Lima, 23, abriram um brechó em 2017. “O que nos motivou a montar o brechó foi a ideia de proporcionar às pessoas uma forma de consumir moda de maneira mais consciente e, também, estilosa, com base numa curadoria bem selecionada”, conta Vinicius, estudante de biblioteconomia na Universidade de Brasília (UnB).
O estudante diz que trabalhar com o brechó tem sido uma experiência incrível. As coisas deram tão certo que foi possível os dois largarem seus respectivos empregos e focarem apenas no brechó on-line deles. Portanto, é a única fonte de renda de ambos.
Assim como os brechó da Sara, o brechó do Bine segue um estilo vintage e moderno. Durante o garimpo, eles focam em achar peças dos anos 1980 e 1990, e peças atuais que remetem a essa época. “Nós levamos em consideração o valor que pagamos para o fornecedor e todo o processo de curadoria: lavar, tirar manchas, fazer pequenos reparos.
E, claro, o tempo que dedicamos às fotos, montagem de looks, o atendimento ao cliente, as embalagens, a entrega e tudo que envolve do garimpo à venda”, relatam.
Quando Vinicius e Denner começaram com o próprio brechó, eles já eram acostumados a comprar em bazares e brechós, então não tiveram muita dificuldade neste primeiro passo. “O nosso maior problema é a locomoção, pois ambos não dirigimos e dependemos de ônibus para fazer o garimpo. Gastamos muito com passagem, ainda mais porque garimpamos em algumas cidades fora do DF”, conta.
As peças que mais vendem, segundo eles, são as peças de jeans. “É incrível como são concorridas. Jaquetas, calças, shorts, macacões e jardineiras. Sempre que conseguimos, são vendidas muito rápido”, relata Vinicius.
A dupla também dá algumas dicas para quem está querendo montar um brechó. O primeiro é definir um estilo a ser seguido, garimpe peças em bazares da sua cidade e não tenha medo de perguntar por recomendações de outros bazares. “Seja paciente e atencioso com seus clientes. Um bom atendimento faz toda diferença. E por fim, faça tudo isso com muito amor. Só vai dar certo se você gostar de verdade”, finalizam os administradores do brechó do Bine (@brechodobine).