Especial

Xô, 'velhofobia'! A alegria de viver não precisa de data de validade

Pessoas ativas e determinadas provam que a vida depois dos 50 anos pode ser ainda mais emocionante. Mas, na pandemia, o preconceito contra idosos cresceu

“É assim que eu sou, uma sagitariana com os pés no chão e a flecha alcançando o universo. Ao infinito e além.” Assim se descreve a servidora pública aposentada Linda Mendes, 60 anos, uma mulher que viajou o mundo e tem muitas histórias boas, e inspiradoras, para contar. Ao contrário dos amigos, que tinham medo da aposentadoria, por não saber o que fariam depois, ela enxergava tudo como uma oportunidade para realizar mais sonhos e viver mais experiências. “Nasci com vocação para a felicidade e alegria. Tudo é uma questão de adaptação”, afirma.

Apaixonada por aventuras, Linda esteve nas Américas do Sul e do Norte, e em diversos países da Europa, sendo a cidade de Praga, na República Tcheca, o seu destino preferido. Ela conta que nunca enfrentou empecilhos para realizar seus roteiros e a aposentadoria só facilitou para que pudesse ter mais liberdade para escolher o momento das viagens.

“Agora, nestes tempos de pandemia, não posso e não devo viajar, para preservar minha saúde e as vidas de todos. Mas nem por isso minha vida é um tédio. Continuo tendo minhas aulas on-line, participei de workshops a distância, assisto a vários espetáculos de teatro on-line e tenho lido muito, o que, para mim, é sempre um prazer. Mil projetos se avolumam na minha cabeça, para quando a pandemia passar ou quando eu estiver vacinada”, conta a aposentada, que pretende sair de Brasília e voltar a Praga, sua cidade do coração, para morar.

Além do espírito viajante, Linda também carrega consigo uma intensa paixão pela vida e não deixou que o processo de envelhecimento se tornasse algo negativo ou limitante. Os cabelos grisalhos deram lugar a madeixas azuis, que expressam bem a alegria e o otimismo que ela emana. “Já tive cabelos de todas as cores, mas por trabalhar no serviço público federal, nada tão irreverente.

Depois que me aposentei, me dei o direito de experimentar cores mais ousadas como rosa, amarelo, roxo, lilás e, finalmente, o azul, onde encontrei minha nova identidade”, comenta ela, que, vez ou outra, tem que lidar com olhares de desaprovação. “As pessoas mais próximas estão acostumadas e curtem. Quanto aos outros, não sei quem são e não pagam minhas contas, então não ligo”, afirma, com bom humor.

Aos 51 anos, Linda publicou um livro intitulado Amor da minha vida”, no qual ela colocou todas as cartas que trocou com o seu “príncipe encantado”. Os dois viveram uma história de amor digna de cinema, mas que foi inesperadamente interrompida por um mal súbito sofrido pelo seu amor, que permaneceu 15 anos em coma. “Embora ele não se comunicasse com o meio externo, tinha períodos de sono e vigília e, quando estava acordado, me olhava com olhos apaixonados. Continua sendo o amor da minha vida até hoje, mesmo já tendo se passado oito anos de seu nascimento para o céu”, diz, poeticamente.

Em 2016, ela foi diagnosticada com câncer de mama, mas conta, com orgulho, que passou por isso com muita força e leveza, e que hoje está ótima. Mesmo vivendo por tantos momentos difíceis, ela costuma dizer que o seu foco não é o problema, e sim a solução. “A vida é muito bonita e deve ser vivida intensamente. Claro que, para isso, cuidar da saúde é fundamental, para termos energia e conseguirmos realizar o que queremos. A questão é: qual o seu olhar para a situação difícil que se apresenta? Se você encarar como mais uma oportunidade de aprendizado, tudo fica mais claro e simples”, pontua a ex-servidora pública.

A filosofia adotada por ela fez com que se tornasse uma pessoa aberta para a beleza das incertezas e para a experiência única que é viver intensamente. “Costumo dizer que começamos a envelhecer quando nascemos. Então, prefiro pensar que estou mais madura e mais experiente, porque sigo fazendo tudo o que sempre fiz, com mais sabedoria. Envelhecer é um estado de espírito e, nesse quesito, sou mais jovem que muitos jovens”, completa Linda, com alegria.

 

Cuidados são importantes

A médica geriatra Tatiana Cristina Peron explica que, para ter uma vida longa e de qualidade, os cuidados com a saúde devem começar o mais cedo possível. Além do acompanhamento médico, exercícios físicos e boa alimentação são os maiores aliados quando o assunto é o bem-estar prolongado. “Ainda há preconceito na hora de procurar um geriatra, muitos relutam em nos procurar pelo estigma da idade. Boa parte do acompanhamento geriátrico é um trabalho preventivo. Por isso, pacientes acima de 50 anos já têm grandes benefícios ao procurar esse recurso”, pontua a profissional.

Além disso, bons hábitos alimentares e prática de atividades físicas podem auxiliar na preservação da memória. “O nosso organismo é uma máquina inteligente que funciona pelo equilíbrio. Não existe nenhuma pílula mágica que substitua boa alimentação e exercício físico regular”, completa a médica.

Velho, apenas

Velhofobia é um dos termos que têm sido usados para definir o preconceito de idade. A antropóloga Mirian Goldenberg, que estuda o envelhecimento há mais de 20 anos, explica que existem diversas expressões para falar sobre os mais velhos, como idosos, terceira idade e até mesmo melhor idade. “Com as mais de cinco mil pessoas que já pesquisei, aprendi que eles preferem o termo velho, se identificam mais. A maioria acha que usar outros nomes é uma forma de esconder a realidade, e eles não querem ser invisíveis”, comenta.

Para Mirian, a velhofobia está muito relacionada à cultura. “Culturalmente envelhecemos muito cedo. O corpo jovem é um capital, uma riqueza, um valor. Muito antes dos 50, já somos considerados velhos, a mulher brasileira entra em crise quando faz 40 anos”.

A antropóloga expõe ainda que, além das violências físicas e dos abusos psicológicos, o simples fato de presumir que a pessoa não pode mais trabalhar, sair, namorar, estudar ou cuidar de si mesma é uma violência. Começam a ser impostas determinadas regras sobre como a pessoa deve se comportar e que aparência deve ter após os 40, 50, 60 anos.

“E, muitas vezes, isso entra na cabeça das pessoas, que começam a acreditar que a vida acabou, que o desejo acabou e que não podem mais fazer o que faziam. É como se precisassem se adaptar a essa imagem do que é ser velho”, afirma Mirian.

A especialista comenta o fato de o assunto estar cada vez mais evidente. Trabalhando com o tema há duas décadas, Mirian pondera que as pessoas passaram a enxergar mais os velhos, não somente como o outro, mas como o próprio futuro, e isso ajuda nas relações de empatia. “O velho deixou de ser o outro e passou a ser eu mesma amanhã. Existe também uma preocupação com os pais e os avós, muitos começaram a combater essa discriminação.”

Outro aspecto que ajuda no enfrentamento do preconceito é as pessoas mais velhas perceberem que, depois dos 40, 45 anos, elas estão mais livres. Vivem um momento em que resolvem aproveitar o tempo que ainda têm da melhor forma possível e deixam de se preocupar tanto com o que a sociedade vai pensar, tornando-se muito mais felizes. “Existe o pânico do envelhecimento, mas, cada vez mais, ao envelhecer, as pessoas percebem que vivem os melhores momentos da vida”, completa a antropóloga.

Aposentar e começar tudo de novo

A professora Túlia Darc Gadelha Costa, 58 anos, conta que foi bastante criticada pelos colegas quando decidiu que voltaria a trabalhar após a aposentadoria. Ela, que dá aula para as séries iniciais, já passou por dois casamentos, fez diversos cursos e mestrado, tem duas filhas casadas e explica que parar não faz parte dos seus planos: “Não gosto de pensar que estou realizada, mas sim no que ainda posso fazer. São desafios que eu imponho a mim mesma. Não interessa o que os outros pensam, se eu posso, eu consigo”, conta.

Túlia trabalha desde os 17 anos. Após sair de Manaus, onde nasceu, para prestar concursos em outros lugares, ela esteve em várias cidades no Brasil, mas foi em Brasília que decidiu se estabelecer. Aqui, trabalhou como professora por mais 15 anos e iria se aposentar em 2015, mas percebeu que essa não era a melhor opção.

“Eu me sentia deprimida e ociosa. Pensei em fazer algo de que eu gostava, fiz curso de pintura e até pensei em outros, mas vi que não gostaria. Decidi voltar para a sala de aula, mesmo sendo uma profissão desgastante, estressante e ganhando pouco, mas é isso que eu vou fazer, porque amo a minha profissão e não consigo ficar em casa”, relata a professora.

A servidora conta que não queria envelhecer, mas está encarando o passar dos anos com tranquilidade. O fato de ter atingido os 50 anos não foi um empecilho para que ela continuasse a realizar seus sonhos. Aos 52 anos, construiu uma casa com o marido, com todos os detalhes que sempre desejou. “Tracei um plano de construir uma casa há sete anos, pois antes morava em um apartamento. Quando me ‘aposentei’, decidi realizar esse meu sonho. A construção durou oito meses”, conta, com orgulho.

Além de se dedicar à sua ocupação, a qual nutre muito carinho e amor, Túlia também é apaixonada por passeios e viagens. Todos os anos, viaja ao menos cinco vezes para o Nordeste, visita a família em Manaus várias vezes ao ano e também gosta de conhecer lugares nos arredores de Brasília. Fazer um tour pela Europa também faz parte dos seus planos que, infelizmente, precisaram ser adiados por causa da crise provocada pela covid-19.

Com a pandemia, a professora precisou ficar mais tempo em casa, onde mora com o marido. Com o modelo de ensino remoto, Túlia brinca que está no nível “intermediário”, em relação à tecnologia, mas que, além de ensinar, também está aprendendo bastante. “Eu vejo o trabalho como o natural da vida. Para mim, o trabalho ajuda o meu corpo, a minha mente e a minha alma”, completa.

 

Rumo ao doutorado

Denise Soares Oliveira, 58, formada em pedagogia e administração de empresas, e aposentada da Secretaria de Educação, passou por muitos momentos de realização profissional, mas nem por isso desacelerou após a aposentadoria. Durante a vida profissional, sempre gostou de fazer cursos relacionados à sua área de atuação e assim que se aposentou engatou no mestrado. “Era uma coisa que eu almejava e aproveitei o tempo extra que passei a ter.”

O próximo passo para uma professora, que se descobriu apaixonada pela vida acadêmica, é o doutorado. No grupo de estudos que montou com as amigas, sonha com algumas cidades específicas e pretende fazer o doutorado sanduíche, no qual o estudante faz parte do curso no exterior.

Os planos seguem parados em virtude da pandemia, mas os estudos e o trabalho como tutora em uma universidade de Goiás continuam a todo vapor. Denise assiste lives, faz cursos a distância e participa de uma série de congressos e fóruns de educação infantil. “A minha agenda está cheia, é uma forma de me ocupar e manter a minha mente viva, é uma forma de satisfação pessoal”, comenta.

Algumas pessoas torcem o nariz para o fato de Denise querer voltar ao mercado de trabalho beirando os 60 anos. Em um processo seletivo, ela foi questionada sobre o motivo pelo qual queria fazer o doutorado. “Chegaram a insinuar que seria um desperdício o governo investir em alguém que não produziria e aquilo chegou a me desestabilizar”, lembra.

Apesar da situação desconfortável, Denise não se deixou abalar e enxerga sua idade e seus anos de experiência como uma vantagem. E deixa claro: quer fazer o mestrado porque quer dar aulas na universidade, ensinando aos futuros profissionais da Educação tudo que aprendeu estudando, e dentro da sala de aula.

“Montei esse grupo de estudos com minhas amigas, porque ainda temos muito para fazer e oferecer. Temos base, formação, experiência. Sei que tenho muito a contribuir e não posso jogar todos esses anos de dedicação fora”, afirma.

Mente sã, corpo são

Outro aspecto da vida em que Denise Oliveira continua investindo é na saúde do corpo. Antes da pandemia, estava sempre na academia, principalmente em aulas coletivas e, por lá, também sofria com a velhofobia.

“As pessoas comentavam que eu estava muito bem e se surpreendiam quando eu conseguia fazer esse ou aquele movimento nas aulas. Por que eu não conseguiria? Sou tão capaz quanto todos ali. E aí fui percebendo que me analisavam de acordo com a minha idade e que presumem que pessoas mais velhas não seriam capazes de fazer tudo no mesmo nível que os mais jovens”.

Denise acredita que, no momento em que vivemos, é importante desfazer a imagem capacitista dos mais velhos. E, apesar de lidar bem com o processo de envelhecimento, sente algumas dificuldades pelo que considera uma “visão ultrapassada da sociedade”.

Ela acredita que a pandemia exacerbou esse preconceito com a idade, uma vez que muitas pessoas mais velhas foram consideradas incapazes de cuidar de si mesmas. Mas acredita que muito desse comportamento também pode ter sido motivado pela vontade de proteger os pais e avós.

Para a psicóloga Maria Cristina Hoffmann, especialista em envelhecimento e saúde da pessoa idosa, a pandemia realmente aflorou o comportamento discriminatório contra as pessoas mais velhas. “Vimos pela mídia várias declarações que ilustram este preconceito, no Brasil e em outros países, piadas de mau gosto, declarações como ‘deixa morrer, já viveram muito’, entre outras. Tais atitudes podem gerar tristeza, depressão e sentimentos de menos valia”, explica.

Além desse fator, a profissional cita ainda o “culto à juventude eterna”, propagado principalmente pela indústria da beleza, onde o preconceito apresenta estreita relação com os valores típicos de uma sociedade de consumo, cuja valorização exacerbada do jovem, do novo e do descartável, se sobrepõem ao saber adquirido com a experiência de vida.

Para combater a velhofobia, também chamada de idadismo, a psicóloga recomenda: “Um dos principais indicadores de qualidade de vida para o idoso, está relacionado à manutenção de sua autonomia e independência. Neste sentido, ações e atitudes que respeitem a opinião, os desejos e interesses dos idosos contribuirão para que o cuidado seja ofertado sem que se reforce ou alimente o preconceito”.

“Uma sociedade preparada para acolher, respeitar e atender as necessidades dos idosos é uma sociedade preparada para acolher, respeitar e atender todas as idades”, completa a profissional.

*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira