Transformar as peças que tem dentro do guarda-roupa não é novidade para ninguém. Afinal, a prática de customizar itens surgiu por volta da década de 1960, com o movimento hippie. Foi muito utilizada como trabalho artesanal e se popularizou pela necessidade de impor atitude e personalidade às roupas do mundo da moda.
De acordo com Naty Kuprian, personal stylist formada pelo Instituto Marangoni, em Milão, a customização nada mais é do que uma reciclagem de roupas. “É adaptar ou adequar uma peça de acordo com o gosto ou a necessidade. Não é difícil customizar, basta usar a criatividade”, afirma.
As customizações podem ser feitas com qualquer coisa, tudo depende da criatividade de quem vai produzir. Para Gabriela Marinho, designer de moda formada pelo Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), não existe “uma” customização que seja mais utilizada. “Mas, por conta do que está em alta nos últimos tempos, o tie dye (amarrar e tingir) é a técnica de customização que está (mais) sendo usada”, explica a designer.
Naty Kuprian destaca que uma nova moda, chamada upcycling — no português significa reciclagem —, está crescendo cada vez mais. Essa prática consiste em criar algo novo a partir de itens antigos. “Hoje, as pessoas estão mais preocupadas em quanto tempo as peças vão durar. Acredito que a customização e a reutilização das roupas que existem em nossos armários podem diminuir o consumismo na moda”, destaca.
Roupas velhas?
Para Gabriela Marinho, a ideia da customização é dar uma nova cara a peças que já foram usadas. Por isso, seria interessante usar algo que está parado no guarda-roupa há muito tempo ou comprar algo que você gosta muito em um brechó para fazer com que fique com o seu estilo.
“Quando você está customizando uma peça, está deixando de comprar algo novo e, mesmo assim, vai ter algo novo no seu guarda-roupa. Só de você não comprar outra peça ajuda o meio ambiente, porque a indústria da moda é uma das mais poluentes no mundo”, reforça a designer.
Naty Kuprian apresenta, porém, um ponto diferente e acha que roupas novas também podem ser customizadas. “Porque nós, mulheres, sofremos de algo que chamo de ‘usar uma vez e jogar no guarda-roupa’. Normalmente mulheres não gostam de repetir roupa, então, não necessariamente precisa ser uma roupa velha, pode ser aquela que você usou duas ou três vezes e que não queira mais usar”, esclarece a personal stylist.
Nas passarelas de Milão
Naty Kuprian diz que a prática de customização surgiu na vida dela desde a infância. “Foi quando minha mãe reformava e fazia com que roupas velhas se tornassem novas. Com certeza mudou minha perspectiva de moda, fez com que a moda se tornasse exclusiva aos meus olhos”, conta.
A partir desse pontapé inicial, sua aproximação com a moda cresceu. Tudo que ela cria vai de acordo com o gosto e o desejo do cliente. “A cada peça finalizada, eu me sinto feliz e satisfeita. É como se eu estivesse criando tudo para meu próprio uso. Confesso que sou muito detalhista, isso faz com que eu me dedique ainda mais em tudo o que faço”, afirma Naty.
A parte preferida da personal stylist é “trazer o lado sexy que todos nós temos, e que, muitas vezes, não deixamos aflorar” pelo medo da crítica.
Roupas fáceis de ressignificar
Não existe o item mais certo do mundo para você customizar. A designer de moda Gabriela Marinho, com especialização em consultoria de imagem e estilo, dá dicas para quem está iniciando nessa nova prática: comece com a customização de camisetas. “Elas podem ser cortadas, rasgadas, pintadas de outra cor, podem ser colocados adereços nela, ou seja, existem muitas coisas a serem feitas com uma camiseta”, recomenda a designer.
Seguindo esse mesmo pensamento, a personal stylist Naty Kuprian sugere algumas ideias do que fazer para customizar as peças. “Pegue aquela blusinha que está lá parada é que você já não se vê mais nela, compre algumas pedrinhas e cole nela. A roupa já vai ganhar uma nova cara e vida. Você vai se sentir linda e tenho certeza que vai arrasar quando sair com seu novo look.”
Gabriela diz que, antes de customizar uma peça, procura ideias na internet para ter certeza do que quer fazer. Também é importante lembrar que customização é utilizar algo que estava parado por ali em seu guarda-roupa. “Às vezes, achamos que estamos precisando de uma peça nova, mas, na verdade, só não gostamos mais do estilo do que temos no guarda-roupa. A customização pode ajudar a gastar menos dinheiro em uma peça nova e criar várias outras com as que não estavam sendo utilizadas”, aconselha.
Originalidade na forma de se vestir
Valdeir Oliveira, 20 anos, estudante de publicidade e propaganda na Universidade de Brasília (UnB), conta que customiza suas roupas desde muito novo. “Sempre tive esse lado criativo. Agora que tenho mais consciência sobre o consumismo acelerado, faço mais customizações”, relata.
O estudante diz que gosta muito de pegar várias dicas na internet e dar o seu toque especial nas camisetas, calças e, às vezes, até nos sapatos. “Mesmo com a imaginação fluida, o resultado final é sempre um mistério. É relaxante. São momentos de prazer, de ousadia, de conexão com alguns talentos”, explica Valdeir.
“Além da exclusividade, meu guarda-roupa se enche de peças afetivas, o que me tranquilizam por não estar contribuindo para a degradação do ambiente com o descarte indevido”, finaliza o universitário.
Naty Kuprian afirma que não é difícil customizar: na verdade, só precisa usar a criatividade
Gabriela Marinho é designer de moda formada pelo Iesb e conta que a customização do momento é o tie dye
Valdeir Oliveira agora tem mais consciência sobre o consumismo acelerado no mundo da moda
Itens para momentos únicos
“Sempre fui uma criança muito criativa que amava pintar, desenhar, dançar e brincar com os amigos. A arte sempre me chamou a atenção e foi na minha adolescência que eu comecei a customizar as minhas roupas, sapatos e acessórios”, conta Isabela Matos, 20, estudante de letras-francês da UnB e dona da loja online no Instagram @isabelasclosetstore.
Ela é fascinada por tudo que é diferente e original, diz que ama deixar as peças com o seu estilo: colorido e brilhoso. “Fiz um sapato especialmente para usar na minha festa de 15 anos e é a minha customização preferida. Foi feito com muito amor e carinho para um momento especial”, afirma a estudante.
Amanda Cravo, 20, estudante de eventos no Instituto Federal de Brasília (IFB), atualmente trabalha exclusivamente com o seu brechó on-line no Instagram, @brechozindocerrado. Ela diz que começou a customizar roupas quando compreendeu e aprendeu mais sobre esse mundo de brechós e sobre moda sustentável.
“Muitas roupas minhas estavam esquecidas, poderiam ter uma nova aparência e um novo lar. Comecei fazendo as customizações à mão e, mais pra frente, investi em uma máquina de costura e comecei a fazer cursos de costura para aprender cada vez mais”, conta a empreendedora.
Ela diz que ama fazer a técnica tie dye porque “nunca dá para saber como vai ficar no final”. “É sempre uma surpresa boa e minhas clientes amam os resultados. Utilizo muito camisas sociais, camisas de gola polo e camisetas, principalmente”, relata Amanda.
Além de ser uma prática relaxante, ela conta que uma das partes favoritas de ter um brechó é realizar o upcycling das peças e vê-las se transformarem em algo totalmente diferente do que eram.
“Chega a ser engraçado, porque, em muitas vezes que fiz customização, eu me apaixonei tanto pelo resultado, que acabei ficando com as peças para mim. E peças totalmente exclusivas, já que, muitas vezes, além de serem vintage, que não são mais fabricadas, ainda tem essa transformação”, acrescenta a estudante.
Ela finaliza: “Além da customização ser uma ação sustentável, você ainda terá uma peça única no seu guarda-roupa e, com certeza, vai se divertir muito fazendo. E o melhor de tudo, se elogiarem sua roupa na rua, você vai ficar orgulhosa, porque foi você quem fez”.
Saúde mental e criatividade
Iara Rodrigues, 21, ama customizar suas roupas em casa. Para ela, é uma prática divertida e cria algo diferente que faz mais sentido com a sua personalidade. “Comecei a levar mais a sério a customização em 2020, com a pandemia. Não queria mais ficar parada. Customizar era divertido e leve para mim, mesmo que por vezes trabalhoso”, conta.
A customização trouxe outra grande descoberta para Iara. Ela agora se reconhece como artista e passou a dar valor a isso. “Então, sem pensar demais, fiz um pequeno investimento em tintas de tecido e comecei a anunciar sobre o que fazia. Aos poucos, fui ganhando reconhecimento das pessoas e também de mim mesma. A customização foi muito importante para mim. Ajudou a me reconhecer como artista e percebi que, além de customizar roupas, eu fazia arte.”
Ela conta que tudo isso a incentiva a ter uma maior liberdade de expressão e não apenas consumir aquilo que já está pré-definido na moda. A parte de recortes e costuras possibilita os ajustes de roupas com medidas pré-definidas para uso, de forma que uma roupa fique bonita no corpo de alguém que não tem esse padrão de medidas que é imposto pela sociedade.
Iara diz que ama customizar qualquer tipo de peça e que, além de ser uma prática divertida, é extremamente terapêutica. “Fiz uma jaqueta em um momento de crise de solidão em 2020. Quando eu olhava, não acreditava que tinha feito. Aquilo me fez um bem danado. Quando a gente está lá, cortando a roupa, costurando ou pintando, temos tempo para pensar nas coisas da nossa vida com mais carinho.”
A jovem tem uma nova maneira de ver suas roupas, porque são usadas como maneira de se expressar e se manter única. “Coragem para ser quem somos e assumir as coisas que gostamos de vestir falar ou fazer, mas claro, sempre respeitando o espaço do outro, pois isso é liberdade de expressão”, finaliza.
Dicas para customizar suas peças
Amanda Cravo, estudante do IFB e dona do Brechozin do cerrado, dá dicas para quem gostaria de começar a customizar suas roupas:
1 - Não julgue pela aparência, porque se você quer customizar, tem que ter em mente que ela vai se modificar.
2 - Você pode começar por customizações mais simples, como cortar camisas que não usa mais e transformar em um cropped, por exemplo, ou ir testando fazer tie dyes em peças de algodão. Colocar um patch em alguma peça jeans, fazer desenhos com tinta ou caneta de tecido em roupas que estão precisando de uma cara nova.
3 - O importante é soltar a criatividade e deixar fluir.
4 - Na internet tem muitos vídeos de customização, então, se você não souber por onde começar, aconselho a dar uma pesquisada e, com certeza, vai achar um tutorial que você goste.
Isabela Matos também aconselha: comece pelo que você já tem em casa. Ela conta que, quando iniciou, achou muito material em casa para a customização: brilhos, pérolas, ideias de pinturas e aplicações.
“Existem várias técnicas que são ótimas, também acho legal você experimentar um pouco de cada uma e descobrir qual é a sua preferida”, recomenda. “Quando comecei a trazer novas ideias para os meus looks, recebi vários elogios e fico feliz com isso. É algo que me faz bem e que eu amo. Eu comecei a ver a vida de uma forma diferente por meio da forma de me vestir, e isso é incrível.”
*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira
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