Aumentar os seios, deixá-los em pé e com outro formato é um sonho para muita gente. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o implante de silicone nas mamas é a cirurgia mais realizada no Brasil e no mundo. O cirurgião plástico Bruno Luitgards conta que a estimativa é de que 1,8 milhão de próteses sejam colocadas todos os anos. Mas, na contramão disso, mulheres que já realizaram esse desejo estão, agora, escolhendo retirá-las.
A cada dia, mais pessoas optam pelo explante de silicone. Os motivos são diversos: sintomas físicos aos quais atribuem a ele; a busca por uma forma diferente de olhar e relacionar-se com o próprio corpo; ou mesmo complicações, que podem ser recentes, logo após o implante, ou tardias, depois de meses da cirurgia. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica ainda não tem dados sobre o tema. No entanto, segundo a Sociedade Americana de Cirurgia (ASAPS) houve um crescimento de 15% nesse procedimento, nos Estados Unidos, de 2018 para 2019.
A cirurgia de explante da prótese de silicone, porém, não é tão simples. Luitgards explica que, quando o implante é colocado, o corpo forma uma cápsula em volta dele, resultado da cicatrização. “Em alguns casos, é preciso fazer a capsulotemia em bloco, que é tirar a cápsula com um pouco de tecido em volta. Portanto, é feita uma incisão maior, e há retirada de tecido mamário saudável. Mesmo sem ser em bloco, é possível que a cápsula esteja muito perto do tecido mamário, o que pode estragar a vascularização, causando até necrose de aréola”, detalha.
Pode, então, ser necessário associá-la a outras plásticas e técnicas, como mamoplastia, para tirar excesso de pele e levantar os seios, e enxerto de gordura, para preencher parte do volume perdido. “Quando é uma decisão estética, eu oriento a trocar o implante por um menor. Em outros casos, é importante que seja uma decisão muito bem informada. O médico precisa falar a verdade sobre o que é a retirada, explicar que as queixas podem não melhorar e, com certeza, pode haver uma piora estética”, alerta Luitgards.
Por uma autoestima genuína
O silicone que a DJ Paula Torelly, 30, colocou aos 22 anos a deixou muito feliz. Na época, fez com que se sentisse mais autoconfiante. Ela vinha de uma adolescência de traumas, bullying e muita insegurança com o próprio corpo. Na época, estava muito focada em cuidar do corpo, malhar e ficar atraente, “dentro dos padrões”, como ela diz. Aumentar os seios, portanto, foi a cereja do bolo.
“Para quem eu era, naquela época, fazia sentido”, relembra. Mas, quase uma década depois, Paula pretende tirar a prótese. Ela sente que a autoestima e a autoconfiança precisam vir de algo mais genuíno. “Parece que o silicone está ali só tapando algo”, explica. Para ela, é um processo de emancipação, de se livrar das pressões estéticas que toda mulher sofre.
A vontade de retirar o implante veio de uma experiência espiritual. A DJ participou de um ritual de ayahuasca, e tomar o chá da planta fez com que ela se sentisse muito conectada com o corpo. “Eu estava sentindo muito amor por ele e, quando coloquei a mão nos meus seios, senti que tinha um plástico em mim, algo tóxico dentro de mim”, recorda-se.
Há algum tempo, Paula vinha questionando o padrão de beleza imposto às mulheres e a pressão doentia sobre elas. “A gente viu uma influencer morrer. É um padrão que mata, que intoxica as mulheres. Não quero que esse padrão tome as rédeas da minha vida, e eu preciso ir para a prática de me aceitar.”
Processo compartilhado
A DJ começou a pesquisar a respeito do explante. Descobriu diversas outras mulheres que passavam pelo mesmo processo que ela. Nas redes sociais, encontrou grupos com milhares de pessoas relatando não só a simples vontade de tirar o silicone, como dores, desconfortos, alergias e diversos sintomas os quais atribuem ao silicone.
Começou a questionar se uma alergia de pele generalizada não poderia, também, ter a ver com as próteses e ficou com ainda mais vontade de tirá-las. “Eu não posso dizer, com certeza, que é por causa dela, mas a gente está tão preocupado com o plástico nos oceanos e está colocando plástico em nós mesmos”, compara.
Paula já está com consulta marcada, mas admite que vai ser uma transição grande e bate insegurança. “O silicone dá um poder, uma sensação de estar preenchida para o que a sociedade quer de uma mulher, mas o amor-próprio e a autoconfiança não são algo natural mesmo, requer trabalho. Mesmo as influencers mais lindas, que a gente acha que estão bem, sentindo-se lindas, na verdade, estão sofrendo, pensando na próxima plástica que precisam fazer para se sentirem aceitas”, lamenta.
A DJ conta que uma amiga comentou que ainda quer colocar prótese e pediu para que não brigasse com ela. “Eu falei que lógico que não. Não é uma imposição para outras mulheres. Já tem tanta gente dizendo o que as mulheres devem fazer. Eu não sou mais uma fazendo isso”, assegura.
Para o cirurgião plástico João Darques, é interessante ver o processo pelo qual muitas pacientes estão passando, de “reivindicar o próprio corpo, abandonando a ideia de se forçar àquela prótese para ser aceita e entrar no padrão”. No entanto, não se deve criminalizá-la, já que é uma ferramenta de cura para pacientes que passam pela reconstrução mamária ou mesmo que passaram por uma cirurgia bariátrica.
Complicações que levaram ao explante
Por ser tão feita, até banalizada, a cirurgia plástica de implante de silicone parece inofensiva, mas apresenta risco, como qualquer cirurgia. Embora a rejeição ao material seja raríssima, há outros problemas que podem aparecer, como “infecções não diagnosticadas, um seroma (líquido inflamatório) excessivo com causa não identificada”, enumera o cirurgião plástico Fernando Amato.
O silicone fez com que a influenciadora digital Jéssica Cardoso passasse por momentos dificílimos. Ela viveu com dor entre os anos de 2014 e 2020, quando, finalmente, fez o explante. “Foi um alívio, porque eu passei por muita coisa. Achei que ia mexer na minha autoestima, mas aquele problema mexia muito mais com a minha mente”, afirma. Para dar volume, foi feita enxertia. “Eu sou muito grata, me sinto atraente, amo meus seios como estão.”
Antes de, finalmente, fazer o explante, ela se submeteu a duas cirurgias para tentar resolver o problema. A primeira para colocar o silicone e a segunda para resolver uma complicação. Mas a solução foi mesmo retirá-lo.
Jéssica tinha decidido aumentar o tamanho dos seios, em 2014, após emagrecer bastante e sentir que tinha sobrado muita pele. Logo em seguida, um deles não desinchava tanto quanto o outro. Cerca de 15 dias depois, ele começou a sangrar. A princípio, a ifluenciadora digital achou que fosse um ponto que tivesse soltado, mas era mais sério. Correu para o hospital e o médico lhe disse que se tratava de uma rejeição. Segundo ela, o seio foi drenado e, depois de algumas tentativas, o médico conseguiu fechar.
Dor e cirurgias
Anos depois, porém, o peito começou a inchar e endurecer. “Ficou igual pedra e eu sentia muita dor. Pesava muito e começou a ficar perceptivelmente diferente”, relembra. Era uma contratura capsular, caso em que, segundo Amato, é recomendada a retirada. Jéssica marcou uma consulta e lhe explicaram que não era urgente, mas ela precisaria passar por outra cirurgia para colocar a prótese por trás do músculo com outro cirurgião. Na época, ela considerou retirar, mas ele a convenceu de que não era necessário.
Antes que marcasse a cirurgia (que não era urgente), começou a sentir como se o corpo tentasse expulsar a prótese. “Embaixo do meu peito, a pele começou a ficar muito fina, tipo um calo, abrindo. E meu médico mandou voltar, porque precisava fazer a cirurgia urgentemente”, conta. De tanto medo, dor e chateação, ela considerou, mais uma vez, ficar sem o silicone, mas o cirurgião explicou que teria que tirar tudo e sobraria muita pele e nenhum volume.
Após o procedimento, o peito que havia passado por cirurgia pela segunda vez estava mais alto. “Eu não me importava, não queria fazer outra cirurgia, só queria ficar bem. Mas comecei a sentir dor de novo, não conseguia dormir. E eu me sentia muito culpada”, conta.
O seio inchou muito, era seroma na cápsula. Jéssica entrou na sala de cirurgia novamente e o peito foi aberto mais uma vez para tirar o líquido em excesso. Ela chegou a sentir dor nesse momento, apesar da anestesia. “Eu senti rasgando meu corpo e sou muito forte para dor”, emociona-se ao contar. Mais uma vez, teria que passar por outra cirurgia.
Procurou outro médico para ter novas opiniões. Ele pediu exames para tudo, inclusive, alguns que demoravam meses para sair o resultado. Enquanto isso, se o peito inchava, outro médico fazia punção. “Ele mexe com mulheres com câncer, colocava uma agulha e tirava o líquido para voltar ao normal. Quase toda semana, eu ia lá. Agradeço muito a ele, porque sentia muita dor, não conseguia dormir”, conta.
O caso de Jéssica ficou sem um diagnóstico. Nenhum exame foi capaz de identificar uma doença ou qualquer outro problema e a única solução foi, de fato, o explante, tirar o silicone. “Eu achei que fosse ficar mal, mas fiquei aliviada.” Para dar volume, foi colocada gordura na área, e a influenciadora ficou satisfeita, livre de dores e com a autoestima em alta.
Síndrome ASIA X BII
As queixas de algumas mulheres que querem tirar implantes de silicone vão desde dores musculares e articulares a alergias, fadiga, depressão e centenas de outros sintomas. Em nota emitida no início deste mês, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica explica que existem dois problemas relacionados aos implantes: a síndrome de ASIA (síndrome autoimune-inflamatória induzida por adjuvante), e a breast implant illnes (doença do silicone).
A primeira foi descrita em 2011 e consiste no desenvolvimento de doenças autoimunes como resultado de exposição a adjuvantes – que podem ser vacinas, implantes de silicone ou outros. Estudos, no entanto, ainda são feitos para determinar a relação direta entre os implantes e a síndrome.
Segundo o cirurgião Bruno Luitgards, ela incide em pessoas com predisposição genética a doenças autoimunes, e o silicone pode ser um gatilho para a patologia se desenvolver. “Ele ativaria o sistema imune e causaria isso. Mas, uma rejeição do silicone é muito rara, porque ele é inerte, não causa uma resposta tão forte do sistema imune”, afirma.
Já a doença do silicone ainda não está bem definida. “Estudos têm sido realizados para estabelecer ou não a relação entre BII e implantes mamários, e estes dados científicos não são obtidos na velocidade das mídias sociais. É importante ouvir e acolher as queixas das pacientes e apresentar as opções seguras e éticas, baseadas em evidência, para pacientes que desejam explantes por BII”, diz a nota da Sociedade.
Por apresentar sintomas muito genéricos, o cirurgião plástico Fernando Amato explica que a doença do silicone é um tema controverso. “É difícil relacionar diretamente ao implante, porque são sintomas muito vagos, mas a gente não pode ignorar as queixas. Então, precisamos passar para ginecologistas, reumatologistas, investigar, e, se nada for diagnosticado, considerar o explante, mas sem nenhuma garantia da melhora dos sintomas”, afirma.
Próteses menores
A digital influencer Fran Reis tem um perfil no Instagram (que começou há anos, no Orkut) em que reúne informações tanto de médicos quanto de pacientes sobre cirurgias plásticas. A princípio, era sobre implante de silicone, motivo pelo qual se chama Meus lindos e pagos, mas, atualmente, abrange outras cirurgias.
No dia a dia, ela vê que o aumento de seio é a cirurgia mais desejada. “Acho que barriga, elas pensam que ainda dá para malhar, perder peso, mas aumentar peito, só com cirurgia”, avalia. Mas Fran vê, também, o contrário, mulheres querendo retirar ou diminuir o silicone. Ela, inclusive, está no segundo grupo.
Fran colocou, há 10 anos, 400ml de silicone em cada mama. “Quero trocar, por conta da minha idade. Já não sou mais menininha”, afirma. O silicone não tem prazo de validade, embora também não seja vitalício. Deve ser trocado, quando houver necessidade, seja estética, seja por saúde, no caso de rompimento ou outras complicações.
Segundo ela, ainda é minoria quem entra em contato para pedir informações sobre explante, mas está aumentando a quantidade de mulheres. “Hoje em dia, o que eu vejo é que o corpo natural está em alta, então, muita gente que colocou há muito tempo está tirando mesmo”, conta. A influenciadora defende que, independentemente do padrão, a mulher precisa ter liberdade para escolher.
Fran deixa claro que não incentiva ninguém a fazer cirurgia, apenas fornece informações. “É muito importante. Eu pergunto para algumas mulheres a marca da prótese, se foi colocada por cima ou por baixo do músculo e algumas nem sabem. Tem que checar o médico, se é cirurgião mesmo, se está na Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica”, recomenda.
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