Empreender desde cedo é uma competência esperada no século 21. Levantamento feito pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) com 2.132 empresários de todas as idades mostrou que a ideia de ter o próprio negócio estava presente na cabeça deles desde bem cedo. Um em cada três pesquisados (32%) pensava nisso antes de completar 18 anos. Quando se considera apenas o grupo de até 24 anos, esse índice sobe para 80%.
Para Gustavo de Lima Cezário, gerente de cultura empreendedora do Sebrae, não se trata apenas de abrir um negócio, mas de uma habilidade associada a descobrir o próprio propósito diante da sociedade. “É também desenvolver competências técnicas e socioemocionais capazes de entregar valor para o outro, seja ele cultural, social ou financeiro.”
A estudante do ensino médio Rafaella Gentil Almeida, 18 anos, faz parte desse grupo. Ela decidiu abrir um negócio de acessórios no início da quarentena. “Passei a produzir e vender gargantilhas, pulseiras, colares e cordinhas para óculos, feitos em miçanga, há nove meses.” A mãe, que é empreendedora, deu a maior força para a filha começar. E a jovem passou, então, a dividir o tempo entre os estudos e a criação das bijuterias. Hoje, de férias, dedica-se integralmente à marca.
Feitas sob encomenda, a comercialização das peças ainda é um desafio para Rafaella. “Quando tem evento no café da minha mãe, consigo vender bem, ou quando os clientes querem dar algum produto de presente para alguém.” Ela encontrou, assim, uma forma de fazer um dinheiro extra, já que não estava conseguindo emprego ou estágio. Mas não está certa se esse será o caminho que seguirá. “Ainda estou experimentando tudo isso, porque não sei ainda qual será minha profissão. Não sei, também, se seguirei no ramo do empreendedorismo”, diz.
De acordo com Bárbara Medeiros, mestre e doutoranda no programa de pós-graduação em administração na Universidade de Brasília (UnB), um dos principais motivos para que os jovens comecem a empreender é, justamente, a exclusão no ramo de trabalho. “A falta de emprego formal e de formação no mercado de trabalho acaba os instigando a buscarem outras possibilidades profissionais.”
A irmã de Rafaella também começou a empreender na quarentena. Com apenas 14 anos, Isabella Gentil de Freitas, produz mandalas geométricas. “Ela viu um vídeo sobre o assunto e amou. Quis começar a fazer e depois vendê-las. Eu e minha mãe também damos o maior apoio.”
Estudo e negócios
Para Gustavo, o modelo de sucesso é sonhar grande, começar pequeno e crescer rápido. “Quando somos jovens, temos a oportunidade de experimentar vários modelos de negócios e errar sem assumir grandes riscos. Temos mais tempo para aprender, inclusive ressignificando e aplicando conhecimentos levados em sala de aula. Precisamos valorizar a cultura do erro, de assumir riscos calculados, de inovar, aprender a aprender.”
Contudo, ressalta, esses adolescentes devem equilibrar o tempo de dedicação nos estudos e nos negócios. Há casos em que os estudantes se envolvem de tal maneira no projeto, que acabam deixando as atribuições escolares de lado. “Para os adolescentes que precisam empreender por necessidade, é importante reforçar a visão de futuro, de projeto de vida, para que eles não abandonem a escola”, enfatiza o gerente do Sebrae.
A estudante do 2º ano do ensino médio Ana Beatriz da Silva Ribeiro, 16 anos, sempre sonhou em ser independente financeiramente e ter o próprio negócio, mas tinha consciência de que precisaria investir em algo que não atrapalhasse os estudos. Há seis meses, começou a vender maquiagem e produtos de skincare. “A ideia surgiu do nada na minha cabeça. Pensei: como poderia ganhar um dinheiro extra?”
A jovem passou, então, a investir no ramo da beleza, algo de que sempre gostou. “Fiz a minha loja virtual no Instagram (@bybiamakes) há seis meses, mas foi em novembro que procurei investir mais. Montei, então, uma lojinha física em casa”, lembra.
Ana Beatriz sempre teve o incentivo da família, e a primeira pessoa com quem compartilhou a ideia foi a mãe. “Prezo muito pelos meus estudos e nada está acima deles, porque é a partir deles que serei uma ótima profissional.” Ela começou, então, a procurar conciliar os dois. “Separo um tempo do meu dia para falar dos produtos e da loja, e o restante do período é exclusivo para estudar e assistir às aulas.”
Responsabilidade
A adolescente explica que a ideia inicial era guardar o que ganhava para o curso de medicina, seu verdadeiro sonho. “Mesmo em uma universidade pública, terei gastos com materiais, passagens, comida, etc.”, observa. Porém, ela acabou usando o dinheiro para outros projetos. A quantidade que sobra, Ana Beatriz investe na lojinha, como na compra de brindes para as clientes. “Tenho que valorizar a minha marca e tratar bem a minha clientela. Eu ainda preciso de ajuda de outras pessoas financeiramente, mas isso se tornou o meu sonho e o caminho é longo.”
Ana Beatriz descobriu que ama mexer com vendas, porém a renda da jovem, além de baixa, ainda não é fixa. “Eu sou apaixonada por medicina, mas também pelo meu negócio. Não consigo responder, agora, qual será o meu futuro.”
Para Gustavo, do Sebrae, ao experimentar essa vivência cedo, o adolescente tende a desenvolver competências gerais previstas na educação brasileira. “Como trabalho e projeto de vida, autoconhecimento, responsabilidade e cidadania, empatia e cooperação, argumentação e comunicação, autonomia, redes de contato, gestão, pensamento ético e sustentável”, enumera.
Para quem quer empreender
- Tenha em mente, de forma clara, exatamente qual nicho, mercado ou negócio que você tem maior dom, habilidade e aptidão de fazer.
- Evite atirar para todos os lados sem ter o conhecimento necessário, seja na teoria, seja na prática, do que você quer empreender. Tenha claro que seu empreendedorismo terá sua identidade, sua marca, levará seus valores, seja o primeiro a acreditar no seu sonho e objetivo.
- Busque bons parceiros, aqueles que se identificam com suas ideias e, o principal de tudo, que tenham uma cultura parecida com a sua. Se os ideais não coincidirem, as chances de a sociedade e de o empreendimento não sobreviverem por muito tempo e não terem sucesso são reais.
- Não dê ouvidos aos mais próximos que te acham louco, maluco, sonhador ou até mesmo sem noção. Saiba que ser empreendedor é uma jornada “solitária”. Muitas críticas virão, vença cada uma delas e as tenha como combustível para seguir e não desistir.
- Leia bons livros, cerque-se de pessoas boas, não tenha medo de errar, aprenda com os erros e não desista!
Fonte: Etiene Ghisolfi, empreendedora e fundadora da Talentos de Sucessos RH
Planejamento em primeiro lugar
A moradora do Riacho Fundo 2 e estudante do ensino médio Adriellen Gomes, 17, abriu uma lojinha de roupas femininas e masculinas pelo Instagram (@loja.asas) durante a pandemia. Ela conta que, após fazer cursos no Senai, decidiu montar um negócio com a irmã, Suellen Gomes. “Pensamos em qual seria nosso público-alvo, o que iríamos vender, quem seriam os fornecedores, quando e onde comercializaríamos e o valor dos produtos. Com o início da pandemia, tivemos mais tempo e oportunidade para elaborarmos melhor a ideia e colocá-la em prática”, comenta a estudante.
Após todo o planejamento, a loja on-line finalmente pôde sair do papel e ir para as redes sociais, no início de setembro. Adriellen conta que, nas primeiras semanas, não conseguiu tirar nenhum lucro, mas, aos poucos, isso tem mudado. “Com o decorrer dos dias, fui conquistando a clientela, criando mais experiências com as vendas e conseguindo ter mais controle de situações”, relata a estudante.
Apesar de estar apenas no início de uma carreira no mundo do empreendedorismo, ela diz que pretende continuar na área. “Quero fazer faculdade de administração e economia, adquirir mais conhecimentos para, futuramente, ser uma grande empresária do ramo”, sonha Adriellen.
A internet como aliada
Erika Radespiel, diretora pedagógica da Rede Pedagógica, com formação em administração de empresas e pedagogia, explica que a popularização das redes sociais entre os jovens aumentou ainda mais a vontade de serem bem-sucedidos por meio de um negócio. “O compartilhamento de conteúdo por empresários, palestrantes e influenciadores digitais acendeu, na juventude brasileira, o sonho do sucesso por meio da realização de negócios”, afirma. “Não apenas empresariais, mas também sociais.”
A pedagoga alerta, porém, que os jovens precisam estar atentos de que as fórmulas milagrosas vendidas nas redes sociais, que prometem realização de grandes feitos com conhecimentos superficiais, não devem ser levados como uma verdade. “O sucesso é para todos, mas tem um preço: o estudo, a dedicação, a persistência, o aprender com os erros e a experiência. Ele não virá do dia para a noite, e está tudo bem”, explica Erika.
Sem imediatismo
Segundo a mestre e doutoranda no programa de pós-graduação em administração na Universidade de Brasília (UnB) Bárbara Medeiros, muitos jovens esperam que as coisas aconteçam do dia para a noite e isso começa a afetar diversas áreas da vida deles: familiar, social, escolar e emocional. “O culto ao imediatismo pode ser propulsor de ansiedade, estresse, insônia, entre outras formas de sofrimento que os jovens, muitas vezes, não conseguem escapar”, explica.
Ela enfatiza que é necessário diminuir as cobranças e evitar de se colocar os adolescentes em “caixinhas sociais” que separam os “vencedores” e os “perdedores”. Isso funciona de forma segregadora e, consequentemente, aumenta ainda mais as exigências do jovem com ele mesmo.
Além disso, toda experiência é passível a dar certo ou não. Mas, para que a experiência de um empreendimento não seja experimentada como algo ruim, é importante investir em educação, desenvolvimento e treinamento. “O conhecimento é um bom aliado ao ato de empreender, considerando que esse processo não é estável e é permeado por desafios.”
Bárbara diz que não existem soluções mágicas para o sucesso nem para lidar com as frustrações. O que pode e deve ser feito por esses jovens empreendedores é ter um olhar crítico de tudo que tem sido propagado como regra e único caminho para o sucesso. “Não se pressionar é abrir espaço para a leveza e o fluir.”
Correndo atrás do sonho
Jennifer Matos, 17 anos, fez um curso de design de sobrancelhas em julho e, após a conclusão, começou a atender em sua casa, em Samambaia Sul. Entusiasmada com o recém-criado negócio, a estudante do ensino médio inscreveu-se em um curso e, logo depois de terminá-lo, em outubro, já tinha clientes na sua agenda.
A estudante relata que é difícil ser iniciante no ramo, pois muita gente tem receio em ser atendido por alguém tão jovem e com pouca experiência. “É difícil começar assim, as pessoas não confiam tanto no início, e o meu local de trabalho é meio longe, então, algumas pessoas desistiam de ir”, relata Jennifer.
Mas ela não deixa isso atrapalhar a rotina e a nova fonte de renda. Tudo tem que ser no seu horário marcado, porque cada cada atividade tem seu tempo. “Se eu preciso fazer algo tal dia e horário, eu não marco com ninguém”, comenta a estudante.
Jennifer pretende seguir no ramo de estética. Aos poucos, está conquistando clientes e, por consequência, dinheiro para investir nas suas futuras especializações. “Ainda quero fazer o curso de micropigmentação mas estou aguardando o meu tempo de experiência como designer e o dinheiro para investir.”
Organize-se, o tempo não para!
Etiene Ghisolfi, fundadora da Talentos de Sucessos RH, observa que uma boa gestão do tempo é essencial. “Saiba diferenciar o que é importante, o que é urgência e o que é prioridade”, aconselha. A dica é evitar a procrastinação. “Sempre ou toda vez que se sentir improdutivo, pense que isso é um verdadeiro vilão do tempo e do boicote de sonhos e projetos”, sugere a graduada pela Universidade Católica de Brasília (UCB).
Para ela, um jovem empreendedor precisa desenvolver uma relação muito franca, direta e aberta com os pais em relação aos objetivos. “Ao longo do tempo, ele demonstrará com ações que valeu a pena todo o tempo investido no negócio”, afirma a especialista em gestão em recursos humanos.
De acordo com Etiene, os pais podem apoiar, por exemplo, demonstrando interesse ou perguntando se podem ajudar. “Uma dica simples é elogiar as pequenas conquistas, celebrar em família, assim todos perceberão o propósito do jovem empreendedor com os mesmos olhos.”
Etiene ressalta a importância de os jovens terem uma educação financeira e, assim, aprender a poupar, gastar apenas com o necessário. “Todos nós temos uma relação difícil e distante com o dinheiro. Isso tem muito a ver com a base familiar e a criação em que somos inseridos. Deveria haver disciplinas sobre o assunto nas instituições de ensino.”
Dicas valiosas
Seja persistente: não desista, tente e busque cada vez mais.
Busque oportunidade e tenha iniciativa: experimente em diferentes oportunidades para identificar possíveis caminhos a serem trilhados e os mais relacionados ao seu propósito.
Tenha comprometimento: seja responsável, faça tudo bem-feito e que seja divertido.
Procure informações: conheça outras culturas, tenha visão holística, aprenda sobre a diversidade e a empatia e estude sobre ramo do negócio.
Faça com qualidade e eficiência: preocupe-se com estética e a organização. Capriche sempre! Por exemplo, se vai apresentar um documento, veja a melhor forma de organizá-lo e de apresentá-lo.
Planeje: o que precisamos fazer? Quem precisa fazer? Como deve fazer? Quando como monitorar? Quanto custa para fazer isto? Onde? Por quê? Coloque num papel ou na tabela para as ideias ficarem claras e não fugirem.
Corra risco, mas que sejam calculados; aceite e aprenda com os erros, também saiba engolir sapos e tome cuidados ao tomar decisões.
Estabeleça metas: sonhe e procure o que dentro de você o entusiasma. Mas vá um passo de cada vez, isso evitará frustrações.
Faça contatos: guarde telefones e e-mails das pessoas com quem você interage; busque novos espaços para conhecer mais gente; não pare de estudar e estabeleça contatos com pessoas-chaves.
Fonte: Gustavo de Lima Cezário, gerente de cultura empreendedora do Sebrae