As comilanças de fim de ano sempre causam receios entre as pessoas que seguem um estilo de vida saudável. Diminuir o número de calorias ingeridas nos dias anteriores, beber mais água e aderir aos jejuns são algumas atitudes adotadas por muitos nesta época. Tudo isso para que, no momento da ceia, seja possível exagerar na comida sem ficar com a consciência pesada. Mas essa prática pode ser mais prejudicial do que benéfica.
O jejum é uma prática de abstenção alimentar voluntária. As pessoas que costumam adotá-la podem ficar de 10 a 21 horas por dia sem nenhuma refeição. O grande objetivo é gerar respostas metabólicas desejadas, como a queima de gordura. “Todo mundo faz jejum naturalmente, já que, enquanto dormimos, ficamos em jejum. Só que um jejum saudável”, afirma Talyta Machado, nutricionista formada pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) com especialização em nutrição esportiva e funcional.
No entanto, há quem ache que é possível fazer um efeito compensatório, deixando de comer durante todo o dia e se empanturrando de uma vez, à noite. “O corpo não funciona assim. As calorias que vêm dos alimentos são usadas, basicamente, para o funcionamento do organismo. As que estão em excesso e não serão usadas, o corpo armazenará”, explica a nutricionista.
Para Talyta, nessa situação, o corpo entende a restrição de comida como um mau estímulo e, quando fizer a próxima refeição, ele vai armazenar, porque acha que passará por essa situação estressante novamente. “Fazer jejum o dia inteiro vai aumentar a fome. Então, no momento da ceia, a pessoa vai querer comer muito mais, sem necessidade.”
O nutricionista clínico Marcelo Conceição Pimentel, da Rede Silvestre de Saúde, explica que a prática do jejum possui protocolos para não desencadear possíveis transtornos alimentares. “Quando realizado de forma negligenciada e sem o acompanhamento de um profissional, pode desencadear comportamentos de compulsão alimentar e, futuramente, um transtorno alimentar”, alerta.
Além disso, a glicemia pode abaixar muito, o corpo começa a usar outras fontes de energia a que não está acostumado, causando, assim, dor de cabeça e tonturas. Dependendo da gravidade do quadro, pode ser necessária a hospitalização. “Tem o risco de acontecer a Síndrome de Dumping ou Realimentação, que pode causar sintomas como calafrios, diarreia e vômitos de difícil controle”, explica Marcelo.
Marília Espíndola, endocrinologista formada pela Universidade de Brasília (UnB), reforça que não há vantagem em fazer jejum por muito tempo e depois exagerar. “Os riscos de comer muito, principalmente após datas comemorativas, são de desconforto gástrico, má digestão, retenção hídrica, embriaguez e ressaca, além do ganho de peso indesejado”, alerta.
Além desses fatores, a endocrinologista ressalta que é importante tomar cuidados com as dietas muito restritivas, que nunca devem ser feitas sem um acompanhamento especializado. Existe o risco de desequilíbrios hormonais e deficiências nutricionais, o que resulta em queda de cabelos, unhas quebradiças, irregularidade menstrual e fraqueza. Também existe a possibilidade de perda de rendimento físico e mental, e de massa magra muscular.
Mitos e verdades sobre o jejum
Posso comer de tudo após o jejum
Mito. Não faz sentido em jejuar e, em seguida, entupir-se de carboidratos e industrializados. A refeição pós-jejum deve, sobretudo, atender às necessidades de cada indivíduo e precisa ser balanceada.
O processo de adaptação do jejum precisa ocorrer antes de praticá-lo
Verdade. Antes de iniciar o jejum, é importante aumentar o consumo de alimentos naturais e saudáveis, que saciam a fome, e reduzir a quantidade de carboidratos, como arroz, macarrão, pães e doces. Recomenda-se aumentar também o consumo de alimentos ricos em gorduras boas, como abacate, amêndoas, azeite de oliva, sementes de linhaça, chia e girassol, e verduras, grãos e carnes magras.
Jejum desacelera o metabolismo
Mito. O principal determinante do metabolismo elevado é a massa magra; então, se não houver perda de músculo durante o jejum, o metabolismo não será prejudicado. Há de se ressaltar que qualquer perda de peso gera redução do metabolismo, mecanismo adaptativo natural, e isso independe do jejum.
Não pode comer ou beber nada durante o jejum
Mito. É muito importante beber muito líquido para evitar a desidratação durante o jejum. Está liberado consumir tudo aquilo que não possui calorias, como água natural ou aromatizada com limão e gengibre, café e chá, sem açúcar ou adoçante.
Qualquer pessoa pode fazer jejum
Mito. Existem grupos de risco para a prática do jejum, que incluem gestantes e lactantes, diabéticos em uso de insulina, pessoas que fizeram cirurgia bariátrica, pacientes com transtornos alimentares, como bulimia e anorexia.
Fonte: Marília Espíndola é endocrinologista formada pela Universidade de Brasília (UnB) e trabalha na Clínica Axis, em Brasília.
Principais consequências do jejum prolongado
-Comportamentos de compulsão alimentar e, futuramente, transtorno alimentar.
- Baixa de glicemia
- Dor de cabeça e tonturas
- Pode ocasionar a Síndrome de Dumping ou Realimentação, que causa sintomas como calafrios, diarreia e vômitos de difícil controle, obrigando a hospitalização do paciente
Palavra do especialista
Como funciona o sistema digestivo?
Um tempo atrás, acreditava-se que o sistema digestivo tinha função somente de digerir e absorver os nutrientes. Hoje, sabemos que existem diversas funções, como produção e liberação de hormônios que atuam no sistema nervoso. Serve de ambiente para a proliferação de bactérias benéficas para a nossa saúde, barreira imunológica para possíveis contaminações externas. Assim, a maneira como nós nos alimentamos tem interferência direta sobre a nossa saúde a curto e a longo prazo.
Existem alguns grupos de risco que podem ser mais afetados por um jejum repentino?
Sim, algumas doenças específicas são contraindicações para a prática: pessoas que têm doenças estomacais, como gastrite e úlceras pépticas, indivíduos com perda de peso não intencional causada por doenças como câncer ou insuficiência cardíaca, diabéticos em uso de insulina e indivíduos que usam diversos tipos de medicamentos. Além disso, pessoas com diagnóstico prévio de transtornos alimentares.
Quais os riscos das dietas restritivas?
Dietas muito restritas levam a comportamentos de compulsão alimentar. Hoje, o nível de estresse da nossa população é altíssimo e uma maneira de compensar é por meio da comida e da sensação de prazer que ela nos dá. Dietas restritivas são, sim, um mecanismo de estresse para o nosso corpo. Então, é fundamental que seja realizado um acompanhamento com um nutricionista se você quer ou precisa perder peso. Somente ele pode aconselhar e prescrever uma estratégia nutricional de maneira adequada e individualizada para o seu objetivo.
Marcelo Conceição Pimentel é nutricionista clínico da Rede Silvestre de Saúde
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte