Cidade nossa

A vida das moscas

 — Dizem que o uirapuru só canta quando está fazendo ninho.

Eu, que só conheço o canto do uirapuru porque o Silvestre Gorgulho me deu um disco com um monte de canto de passarinhos, fingi concordar — há de se convir que não dá pra contrariar quem tenta puxar um papo a partir de uma afirmação dessas. Mas não fui adiante. E nem poderia. Até gostaria de entender mais de passarinho, mas eu sabia que vinha outra.

— A gente reclama que a vida é curta, mas uma mosca só vive por 10 dias.

Quase engasguei com a dose de pinga, mas duas tossidas limparam a garganta; olhei pro sujeito que eu nunca havia visto antes e só meneei a cabeça, sem palavras.

Minha cultura inútil não é desprezível — sei até o nome do cavalo e do cachorro do Fantasma, que, aliás, um dia foi chamado de Fantasma Voador, mesmo sem saber voar. Sei até que Bonnie & Clyde morreram alvejados por 187 tiros. Mas de mosca nada sei.

— Dizem que avestruz esconde a cabeça num buraco. Na verdade, elas encostam o ouvido no chão para ver se tem predador chegando.

Acabaram todas as dúvidas. Eu estava, mais uma vez, diante de um chato. Desta vez, um chato especial, de uma cultura rara no bar, onde normalmente a gente encontra especialistas em outras áreas: futebol, mulher, cachaça e pescaria.

É preciso dizer que eu tenho uma espécie de ímã para achamorrados e assemelhados; eles costumam me notar, achegam-se e puxam uma conversinha mole. Mas esse aí, em especial, era demais. Não consigo acreditar que alguma vez ele encontrou alguém para conversar com tal qualidade de tópicos.

Se é para puxar papo furado, melhor falar da periclitante situação do Vasco. Ou do presidente. Ou, qualquer assunto, até porque a noção de relevância se perdeu faz tempo. Com esses sites especializados em celebridades, convenhamos, o que não falta é assunto. Mas o camarada só queria saber de mosca, avestruz e passarinho.

O maçante é normalmente um sujeito de princípios, não aceita muito bem as críticas e reparos. Gosta de falar sozinho, expor fatos que aticem a curiosidade alheia. E um dos truques para se livrar deles é não comentar a assertiva — sim, chatos não têm dúvidas, só certezas.

— Cabra firme mesmo era o Gandhi, que dormia pelado ao lado de mulheres igualmente nuas para pôr sua abstinência à prova.

Difícil não comentar essa. Sinal que o chato estava me atentando. Mas como não se sabe o que vem depois, achei melhor ficar quieto; até porque não me interesso muito pela vida sexual alheia, nem dos filhos de Gandhi, quanto mais do pai.

Tudo acaba. E o chato vai-se embora, surpreendentemente, sem lançar uma nova granada. É acompanhado discretamente pelos olhos; há sempre o perigo de uma meia volta. Foi-se. Vou tomar meu chopinho em paz, mas um amigo interrompe:

— Lê aqui: na Suíça, quem mora em apartamento não pode dar descarga depois das 10 da noite!