MÍDIAS SOCIAIS

Por trás dos filtros: conheça os perigos que o uso excessivo pode trazer à autoimagem

Ferramenta da rede social ganha ainda mais popularidade na pandemia, torna-se negócio para muitos, mas levanta o alerta sobre os perigos que o uso excessivo pode trazer para a autoimagem

Por Paula Barbirato*
postado em 06/12/2020 15:00 / atualizado em 06/12/2020 15:42
 (crédito: Igor Saringer/Divulgação)
(crédito: Igor Saringer/Divulgação)

Cabelo colorido, cílios aumentados, paletas de cores, olhos de raposa, memes humorísticos, quizzes gerais, frases poéticas e manifestações sociais. As possibilidades criadas pelos filtros do Instagram, ferramenta de interação da plataforma, são infinitas. Embora lançado em 2017, a popularidade do formato cresceu durante a pandemia, quando a vida social se voltou mais para as telas. Mas, se por um lado, é um importante meio de entretenimento, por outro, especialistas alertam que, se usado de forma excessiva, pode se tornar um problema.

Lançado em 2010, o Instagram soma mais de um bilhão de usuários atualmente. A cada atualização, um novo recurso é disponibilizado, seja para editar foto, seja como ferramentas de interação. Em 2016, os stories — publicações de imagens ou vídeos de até 15 segundos, que ficam no perfil por 24 horas — foram lançados. Os filtros surgiram como uma maquiagem virtual para eles.

Com mais de um milhão de seguidores no Instagram, o influenciador digital e criador de conteúdo Igor Saringer, 24 anos, foi o primeiro usuário brasileiro a ter um filtro próprio. “Em 2018, algumas pessoas muito famosas tinham filtro, porque o Instagram convidou. Eu achei superinteressante e também quis ter um. Fui pesquisar mais a fundo e vi que tinha uma fase beta, a qual você poderia se inscrever. Oito meses depois, fui aceito”, conta o influenciador, que teve criações autorais usadas pelo cantor Sam Smith, pelas atrizes Vanessa Hudgens e Reese Witherspoon, entre outros famosos.

Igor ficou conhecido nas redes sociais por falar sobre o trabalho dele na Disney e seguiu com a produção de outros conteúdos. Para além do uso próprio, começou a produzir filtros para internautas e ajudou a atrair mais seguidores para o Instagram. “Na época, para ter um filtro, a pessoa tinha que te seguir”, detalha. Hoje, não é mais necessário. Atualmente, o influenciador soma 32 bilhões de impressões (quantidade de vezes que foi utilizado) com a ferramenta.

Igor fez, recentemente, uma parceria com uma marca de cosméticos. O filtro para story, nesse caso, servia como divulgação. O usuário poderia aplicá-lo em uma foto ou um vídeo e adquirir o produto depois, on-line. “No início, as marcas não podiam ter filtro. Quando passaram a poder, busquei entrar em contato. É uma fonte de renda enquanto influenciador.”

Forma de negócio
Nesta perspectiva, em Brasília, Juliana Rodrigues, formada em letras/inglês pela Universidade de Brasília (UnB), também encontrou nos filtros uma oportunidade de visibilidade. Passou a compartilhar o que ficou conhecido por “qual meme combina comigo?”, voltado para imagens de humor. “O meu perfil cresceu bastante. Uns cinco mil seguidores chegaram, e continuam chegando todos os dias. Tento criar algo para lançar toda semana. Pelo menos a cada duas semanas tem um filtro novo”, explica a brasiliense.

O que começou como uma forma de entretenimento também se tornou um negócio. Dentro da rede social do Instagram, que prioriza a imagem e os engajamentos, filtros para stories passam por profissionalização e os criadores desse tipo de ferramenta são, cada vez mais, procurados para encomendas. O aplicativo utilizado é o Spark AR, fornecido pelo Facebook, que funciona no computador com compatibilidade para o Windows e Mac.

Embora seja uma área mais voltada para a publicidade e os criadores de conteúdos digitais, Juliana teve interesse em conhecer mais sobre o assunto e, hoje, trabalha com a criação de filtros. “Comecei a estudar o tema, que ainda não tem muito conteúdo em português, para produzir filtros para mim. Depois, percebi que isso poderia ser um negócio”, revela a letróloga, que iniciou os estudos por conta própria em julho de 2019 e lançou a primeira criação em setembro do mesmo ano.

Juliana relata que teve um aumento de demandas durante a pandemia e que desenvolveu em torno de 20 filtros no mês passado. Na visão dela, é uma área que tende a crescer. Ela aposta na realidade aumentada, isto é, na mescla de objetos 3D com a realidade. “Na minha opinião, essa ligação entre o virtual e a realidade teve o marco com o jogo Pokémon GO”, acredita a brasiliense, ao citar o jogo lançado em 2016, que relaciona elementos digitais com o mundo real.

 


Filtros interativos famosos na quarentena

Cabelo colorido
Cantor Sam Smith utiliza filtro de cabelo colorido criado pelo brasileiro Igor Saringer. Os usuários têm a possibilidade de colocar outras cores fortes no cabelo.

Brincadeira do Gugu
Chamado de “Gugu na sua casa”, o filtro consiste em falar um objeto aleatório e alguém deve correr para buscá-lo dentro de um tempo determinado.

Quizzes gerais
Ator Caio Castro utiliza filtro de quizz para casal. Desde história do Brasil até assuntos de biologia, muitos quizzes educativos surgiram como alternativa na pandemia.

Imite um animal
O usuário deve imitar as feições dos animais que aparecem em fotos escolhidas.

Cante uma música
Outra possibilidade foram os filtros musicais, que consistem em mostrar uma palavra para que a pessoa cante uma canção em que ela apareça na composição.

Quando se torna um problema

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

Aimê Rivero é estudante de comunicação social na Universidade de Brasília (UnB) e dançarina. Ela trabalha a união dos movimentos corporais com a imagem e a identidade pessoal. Por um lado, compreende o potencial de aproximação do público e a ideia de pertencimento que os filtros trazem, mas, por outro, faz ressalvas sobre o uso excessivo. “Eu sou uma refém dos filtros. Recentemente, fiz dois stories sem aplicá-los e era como se estivesse pelada diante da câmera”, admite. “O filtro virou meio que o lugar-comum. É difícil ver um story sem”, completa.

“O nosso rosto natural começa a se tornar uma coisa tão estranha”, afirma Aimê, que usou o tempo da quarentena para revisitar antigos stories e percebeu como, na época, tentava clarear a pele com efeitos. “Temos filtros que afinam o nariz, trocam a cor do olho, que se aproximam do branco europeu construído como belo. Afinal, o que é o belo? Eu era corporalmente influenciada pelo universo imagético que habitou minha história desde o começo”, acrescenta. Hoje, Aimê procura usar filtros que realçam tons terrosos e fortes, sem que mexam na estética.

Enquanto os filtros apresentam o lado do entretenimento, da interação e de outros fins, um direcionamento específico chama a atenção dos especialistas, que é, justamente, o voltado para a estética. De acordo com uma pesquisa da Decode, empresa de análise de dados, a busca por cirurgias plásticas cresceu consideravelmente na quarentena. O aumento foi de 860% no estilo olho de raposa; 680% em lipo HD; 115% em harmonização facial; e 81% em rinoplastia, que modifica a estrutura do nariz.

Longe do real
Pablo Vinicius, psiquiatra, neurocientista e pesquisador, chama a atenção para as reflexões e os cuidados necessários diante dos filtros do Instagram. “Quando as pessoas colocam o filtro na imagem e, por exemplo, mexem um pouco no nariz, tiram uma mancha, mudam os lábios, isso começa a fazer com que elas determinem o novo normal ao corpo”, explica o médico. “A nossa preocupação com a questão do Instagram, dos filtros de imagem, é a daquela vida que não é real”, complementa.

O psiquiatra também fala sobre a doença chamada dismorfia corporal, caracterizada por um foco obsessivo de uma pessoa sobre o que ela considera ser um defeito. “Começa com o que denominamos de insatisfação corporal ou com a própria imagem. Isso é comum nos adolescentes e, também, persiste na idade adulta. Uma parcela das pessoas desenvolverá o transtorno dismórfico corporal. Isso é uma doença”, pontua sobre condição que traz forte sofrimento psicológico e leva as pessoas a se submeterem aos mais diversos tratamentos.

Karlla Lima, psicóloga clínica especializada em temas sobre autoestima e autoaceitação, constata que tem sido comum pacientes chegarem com questões sobre uso das redes sociais, como a “busca do inalcançável”. Para ela, os filtros vieram como uma ferramenta inofensiva, voltada para o entretenimento, porém, alguns seguiram para a área da estética, o que preocupa os profissionais da saúde. “O problema não está na utilização desse estilo de filtro, mas no fato de você só se sentir bem os utilizando”, diz a profissional.

“Precisamos estar atentos se conseguimos nos sentir bem ao olharmos para o espelho, onde é refletida nossa imagem real, sem edições, filtros ou imagens computadorizadas”, alerta Karlla. A psicóloga também chama a atenção para a necessidade de as pessoas seguirem “pessoas reais” nas redes sociais, que sabem da responsabilidade sobre os conteúdos que produzem. “Está tudo bem não se sentir bem todos os dias, mas fique atento em relação à frequência desse mal-estar com sua própria imagem. Caso seja frequente, procure ajuda profissional.”

Enquanto criadora de filtros, Juliana Rodrigues reconhece que esse debate reflexivo se faz necessário. “Essa problemática é totalmente válida e deve ser discutida. Se mal usados, os filtros podem intensificar a dismorfia corporal, que é um transtorno mental. Esse é o problema também pelo culto à aparência, que as redes sociais provocam.”

* Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

 


Atenção aos excessos

Autoconhecimento e autorrealização
Um dos grandes problemas apontados pelo psiquiatra Pablo Vinicius é que a disseminação dos efeitos estéticos em filtros pode fazer com que as pessoas tentem incorporar padrões que não são reais. “A gente tem que estimular as pessoas ao autoconhecimento e à autorrealização, para que se sintam satisfeitas com elas próprias.”

Atenção aos detalhes
“É muito comum as pessoas que sofrem com o transtorno dismórfico terem um comportamento restritivo social”, pontua o psiquiatra. Para ele, a crença sobre um defeito considerado pela pessoa pode levar ao ponto de ela não querer expor aquilo. Deve se ter atenção sobre o tamanho do espaço que isso ocupa na mente de alguém.

Conhecimento sobre a doença
“O mais importante é falar sobre a transição da insatisfação corporal com a doença da imagem do corpo. A primeira não é uma doença, é um fenômeno. O problema é quando se torna dismorfia corporal”, explica o neurocientista, que ressalta a importância de reconhecer essa mudança. “É uma transição discreta. Eu desligo o celular e vou trabalhar, mas a imagem daquele nariz, por exemplo, continua na minha cabeça”, acrescenta.

Redes sociais
Ter cuidado com os aplicativos não significa que seja ruim usá-los, mas, sim, que requer uma atenção para a forma como o conteúdo é absorvido. “Na verdade, a insatisfação, para se tornar um transtorno dismórfico, significa que ela vai ocupando mais espaço na mente e no conteúdo do pensamento das pessoas. Nesta medida, a pessoa vai adoecendo. E o que alimenta esse espaço? O que ela vê”, compara o médico sobre a cautela com os gatilhos que o Instagram e os filtros podem gerar.

 

 

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