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Da mata amazônica à urbanidade

Nascida no Pará e vivendo em Brasília, artista plástica deixa sua marca em grafites da capital, mas não abre mão de exaltar a cultura de sua terra natal

Você deve já ter se deparado com corujas pintadas em muros da capital. A personagem representa Brasília e foi criada pela artista Michelle Cunha, 47 anos, natural do Pará, em 2012. Ela visitava a cidade nas férias, na infância, na casa de uma tia, e chegou a morar quase 10 anos aqui. Retornou a Belém e, agora, está há três anos de volta ao cerrado. “No primeiro ano, chorei todos os dias. Mas aqui tem muito mais oportunidade. Fui fazendo amizades e gostando cada vez mais”, explica.

A princípio, Michelle, formada em artes plásticas (licenciatura), trabalhava com educação. Fazia oficinas, dava aula. Aqui na capital, ela abraçou a arte como meio de sustento e passou a transitar pela expressão mais clássica, as telas, até a mais urbana, o grafite. “Brasília me colocou em contato com essa arte e me desafiou a escrever meu nome nela”, explica. Mas, o comercial também é parte importante da trajetória dela. “É difícil vender telas, então, também faço ilustrações para canecas e camisetas”, conta.

E, neste ano, veio um grande reconhecimento em forma de trabalho: a artista teve a oportunidade de ilustrar embalagens de produtos da empresa de cosméticos da Natura, que trabalha com matéria-prima vinda da Amazônia. A ideia era chamar alguém que tivesse raiz na floresta. E isso Michelle tem de sobra. E com orgulho.

A família da artista é de Marituba, área metropolitana de Belém. Segundo ela, era uma cidade de beira de estrada, com uma floresta em volta, que surgiu, como muitas outras, ao longo da linha férrea, que passava no local. Ali, foi fundada, estrategicamente, uma oficina mecânica para reparo de trens. “A nossa casa tinha o quintal e depois era a mata — tão fechada, que não dava nem para entrar. Minha avó era de uma cidade mais do interior ainda, com uma herança bem indígena”, relata.

Em busca das raízes

As ilustrações da artista têm muita referência do Pará. A maneira como usa a cor é vibrante, explosiva. “Tipo um filme do Almodóvar: exagerado”, descreve. E explica que quem conhece o Pará entende. “A cultura de lá é muito colorida. Se uma pessoa tem uma bicicleta, pode ser pobre, mas vai querer que a dela seja diferente da de todo mundo, vai pintar cada parte de uma cor. As pessoas usam tudo colorido, misturam estampas, bem exagerado, até meio brega”, brinca.

Michelle procurou conhecer a fundo a cultura e as regiões do estado do Norte. Quando começou a faculdade, trabalhou fazendo oficinas no interior do Pará. Foi a Marabá, Altamira, Tucuruí. Depois, correu atrás de desafios ainda maiores, com um projeto nas ilhas de Marajó, como Breves e Melgasto, onde o Produto Interno Bruto (PIB) é o menor do Brasil. “Até Breves, levávamos 12 horas. Até Melgasto, 18”, relembra. Nesses lugares, as pessoas viviam do que caçavam, plantavam e colhiam. “Comi jacaré pensando que era peixe”, conta.

O contato com os menos privilegiados e a origem humilde estimularam Michelle a exaltar, no trabalho para a Natura, aqueles que estão por trás dos cosméticos, os que colhem a castanha para fazer o creme. “Como uma empresa que cuida de estética, beleza, poderíamos colocar uma mulher, cabelão bonito, mas queríamos dar visibilidade a essas pessoas, porque, em São Paulo, o consumidor não consegue associar ao trabalho delas”, explica. Ela desenhou um homem carregando o aturá — espécie de cesto para colocar os produtos colhidos. “Tudo para ressaltar a importâncias dessas pessoas que mantêm a floresta viva.”