Encontro com o Chef

Herança gastronômica: filha de banqueteira chefiará restaurante

Jovem que cresceu na cozinha do bufê da família segue carreira da mãe na culinária e prepara-se para chefiar o próprio restaurante

Entre as lembranças mais antigas de Luiza Jabour, uma delas permanece muito viva na memória: a de, ainda bem pequena, ficar em um tablado, embaixo da pia, enquanto a mãe preparava as comidas de alguma festa para a qual havia sido contratada. “Ela me cobria com um cobertor e eu ficava ali, quietinha. Quando fui crescendo, pedia para ajudar nos preparos. E amava”

Caçula dos três filhos de Simonne Jabour, banqueteira pioneira na cidade e dona da tradicional Sweet Cake, Luiza cresceu, literalmente, na cozinha. E, com mãe e avó cozinheiras, aprendeu desde cedo os segredos da gastronomia.

Quando concluiu o ensino médio, porém, decidiu ingressar no curso de direito. “Muito por influência da minha mãe, que sonhava que eu fizesse concurso público. No fundo, ela não queria que eu também tivesse que levar os filhos para trabalhar, muitas vezes, à noite”, acredita.

Nas férias, Luiza sempre colocava o avental e ia para atrás do balcão ajudar os pais na Sweet Cake — o pai dela, Celso Jabour, administra o negócio familiar. “E eu me sentia muito feliz. Via que se tratava de um legado que eu podia dar continuidade.” Assim, depois de dois anos, decidiu abandonar o curso e ingressar na faculdade de gastronomia. “Meu pai deu total apoio, mas minha mãe insistiu para que eu fizesse, também, administração.”

Por seis meses, a jovem, hoje com 29 anos, tocou as duas faculdades, mas acabou largando a administração. “Até me arrependo um pouco, porque, nessa área de gastronomia, saber administrar é muito importante.” Luiza cursava gastronomia em um período e, no contraturno, trabalhava na loja dos pais — agora, na cozinha. E a paixão só crescia. “Sabia que tinha feito a escolha certa.”

Quando se formou, em 2014, seguiu para São Paulo para trabalhar com a renomada chef Helena Rizzo — única mulher brasileira a ter uma estrela Michelin no currículo. “Foi uma guinada na minha vida profissional. Passei a ter uma visão completamente diferente da gastronomia — aquilo de trabalhar exaustivamente até chegar à perfeição”, detalha. Depois de passar cinco meses na Manioca, casa de eventos da chef, Luiza ficou um mês na confeitaria do Maní, o restaurante premiado. E os doces se tornaram a grande paixão da brasiliense.

Novos rumos

Depois da indescritível experiência, Luiza voltou para Brasília e foi trabalhar com os pais. “Estava cheia de ideias para pôr em prática”, lembra. Paralelamente, passou a economizar para realizar o seu grande sonho: fazer um curso de confeitaria em Paris. Em 2019, recém-casada, ela e o marido embarcaram para a França, onde tinha sido selecionada para estudar na tradicional escola Ferrandi. “Todo mundo fala muito na Le Cordon Bleu, mas a Ferrandi só aceita 20 estudantes por ano e é como se fosse a universidade pública de gastronomia dos franceses”, detalha.

O curso consiste em seis meses de aulas teóricas e seis meses de estágio, indicado pela própria Ferrandi. Assim, Luiza foi trabalhar, durante três meses, em um dos mais luxuosos hotéis do mundo, o Prince de Galles. “Nunca tinha visto tanto rigor em uma cozinha.” Em seguida, mais uma experiência imperdível: três meses na tradicional Fauchon, confeitaria criada no século 19.

Concluído o curso, Luiza decidiu estender a temporada francesa e se matriculou na escola de gastronomia do renomado chef Alain Ducasse. “Esse era um curso de cozinha completo, não só de confeitaria. Mas, um mês e meio após o início das aulas, o governo francês decretou lockdown por causa do novo coronavírus.”

Luiza e o marido ainda tentaram segurar um pouco para ver se seria algo passageiro, mas não foi bem assim. “Ficou difícil nos mantermos sem emprego e vivendo em um apartamento de 15m². Além disso, sabia que, com a pandemia, estava complicado para os meus pais. Queria ajudar.” O casal voltou, e Luiza foi trabalhar na Sweet Cake.

Mas não por muito tempo. O irmão dela fez uma proposta irrecusável: de Luiza chefiar a cozinha do restaurante que planejava abrir. Assim, ao lado do irmã, da cunhada e do marido, ela embarcou no projeto do Almeria, que deve abrir as portas ainda este mês. A casa ocupará o espaço do antigo Le Jardin, no Clube do Golf, e será especializada em comida mediterrânea. “Nossos pais sempre nos incentivaram a seguir nosso caminho, empreender.”

Luiza está em fase final de montar o cardápio e a equipe do Almeria. “Será uma cozinha leve, saudável e com valorização de produtos locais, com uma pegada do sul da França, Espanha e Itália. Nossa proposta é promover almoços longos em família, como sempre fizemos na nossa casa”, resume a chef. E a confeitaria, claro, estará presente — sempre com um toque regionalizado, como o crème brûlée com baunilha do cerrado, cuja receita ela compartilha com os leitores da coluna. “Depois de toda a minha bagagem na confeitaria, sei que a pressão é grande. Espero dar conta.” Com certeza, dará!

Arquivo pessoal - Receita de Creme Brullee de Luiza Jabour

Crème Brûlée

Ingredientes
144g de gema de ovo
130g de açúcar refinado
250ml de leite
750ml de creme de leite fresco
Açúcar cristal/mascavo (quantidade necessária para caramelizar)
1/2 unidade ou 20ml de essência de baunilha do cerrado

Modo de preparar
Preaqueça o forno em 160° — se você tiver um forno elétrico que tenha a temperatura de 120°, é o ideal. Aqueça o leite e o creme de leite com metade do açúcar e a baunilha. Enquanto isso, misture as gemas com a outra metade do açúcar com a ajuda de um fouet ou um garfo até que fique homogêneo.

Quando o leite estiver quente, derrame sobre as gemas com o açúcar e mexa bem para não cozinhar as gemas. Coloque sobre ramekins que possam ir ao forno. Coloque os potinhos em uma assadeira e leve ao forno em banho-maria por aproximadamente uma hora ou até que, quando você mexa o potinho, o centro do creme balance ligeiramente, como um pudim ou uma gelatina.

Retire do forno, espere esfriar um pouco e leve para gelar por, no mínimo, seis horas antes de consumir — o ideal seria uma noite inteira, pois quanto mais geladinho, melhor.

Na hora de comer, polvilhe um pouco de açúcar cristal ou mascavo e, com a ajuda de um maçarico, queime todo o açúcar para que ele fique caramelizado e crie aquela crostinha deliciosa do crème brûlée. Caso você não tenha maçarico, pode aquecer o forno na função grill e colocar o crème brûlée para caramelizar — caso você faça dessa forma, leve o creme para o congelador por 30 minutos antes. Se preferir, pode esquentar as costas de uma colher na chama do fogão e ir queimando aos poucos o açúcar, também funciona!

Dicas: dê preferência por ovos caipiras e bem fresquinhas, faz toda diferença na cor e no sabor. Se você não tiver a baunilha do cerrado, pode substituir pela baunilha normal mesmo!
Rendimento: oito ramekins de 160ml