Por anos, os filmes clássicos de Natal representaram o feriado a partir da perspectiva de famílias brancas. Um reflexo de uma sociedade com uma visão caucasiana e eurocêntrica. No entanto, com a diversidade em discussão, as histórias passaram a ser contadas a partir de outros pontos de vistas. Essa visão chegou também às produções natalinas.
“Acho que é empolgante podermos ver pessoas negras, todas juntas nesse universo”, defende o astro Forest Whitaker, vencedor do Oscar por O último rei da Escócia, que protagoniza o filme Uma invenção de Natal, que estreia em 13 de novembro (sexta-feira) no catálogo da Netflix com o elenco majoritariamente negro composto ainda por estrelas como Keegan-Michael Key (Meu nome é Dolemite) e Phylicia Rashad (Creed).
“O que é importante para mim (na representação negra no filme) é que são humanos, que amam, que se preocupam, que têm medo, que têm desafios, como todo mundo, como qualquer pessoa branca, amarela... Acho que é bom para as pessoas verem negros como humanos (sem estereótipos). Isso é muito importante”, defende Keegan-Michael. O que é endossado por Phylicia: “Isso é normal para mim. Isso é o tipo de trabalho que sempre fiz e vou continuar fazendo. Acho que a Netflix é bastante inclusiva. Há tantas culturas diferentes e tradições. Quero saber mais. Eu sei que é pedir muito, mas esse é o meu desejo”.
O longa-metragem acompanha a história de Jeronicus Jangle, papel de Forest, um fabricante de brinquedos que perde toda a sua magia depois que o fiel aprendiz, interpretado por Keegan-Michael Key, rouba o livro dele com todas as criações impulsionado pelo boneco que ganha vida Don Juan Diego (Ricky Martin). Desesperançoso, o personagem segue no caminho oposto da criação e da magia, principalmente após a morte da esposa. A trajetória do protagonista muda quando ele se depara com a neta Journey (Madalen Mills), tão inventiva quanto o avô foi um dia.
A produção tem aspectos dramáticos e também cômicos. Tudo isso regado a momentos musicais. Num longa-metragem criado e dirigido por David E. Talbert, que já havia trabalhado anteriormente com obras natalinas, com auxílio musical de Philip Lawrence (compositor de sucessos de Bruno Mars) e John Legend. “Eu queria poder levar música e alma para o mundo, especialmente agora, com tudo que está acontecendo”, avalia Talbert.
Assim como as produções temáticas de Natal, o filme da Netflix é regado de mensagens, que podem ser vistas de formas diferentes pelos espectadores. Para Anika Noni Roseque, que dá vida à filha de Jeronicus Jangle, cada pessoa terá uma interpretação diferente. “Acho que é sobre o amor da família e a força ao conhecer o seu passado”, comenta.
Já Keegan destaca que a mensagem mais importante do filme é celebrar a importância de se estar junto. “Também é sobre perdão, segundas chances”, completa. O criador David aposta na mensagem de que “tudo é possível”. “Por mais clichê que seja”, acrescenta.
A luta continua
Era exatamente 25 de dezembro de 2019 quando a Globo deu um presente de Natal: o especial Juntos a magia acontece. Na tela, o programa roteirizado por Cleissa Regina trazia uma linda história de Natal protagonizada por uma família negra, com direito a Milton Gonçalves emocionando vestido de Papai Noel. Até hoje, Cleissa colhe os frutos da iniciativa, sendo indicada a prêmios pelo programa.
“Acho que tanto a inovação quanto a qualidade do projeto contam (para a repercussão do programa até hoje). Inovação não só em finalmente termos uma obra com protagonismo negro na TV, mas também de termos um filme de Natal brasileiro. Para mim, o sucesso entre as crianças foi o mais surpreendente, não esperava que elas fossem gostar tanto”, afirma Cleissa.
Incansável, a escritora agora se dedica a uma série sobre negros no mundo da moda, ainda sem emissora ou plataforma definida a ser exibida. A única certeza é a busca por representatividade, sempre presente na vida e na obra da primeira roteirista negra a assinar um projeto solo na Globo. “Espero que isso signifique uma mudança, um momento novo na televisão e no audiovisual brasileiro no geral”, afirma Cleissa, citando a novela Bom Sucesso como outro bom exemplo de que o público está, sim, preparado para esse protagonismo. Resta saber se as emissoras também estão.