O Distrito Federal registrou, no ano passado, 453 ocorrências de injúria racial e duas de racismo, de acordo com os dados atualizados em fevereiro deste ano pela Secretaria de Segurança Pública (SSP). Infelizmente, situações como essa se repetem, mesmo após as conquistas lembradas no Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado todo 20 de novembro. A data foi criada no âmbito das lutas dos movimentos sociais contra crimes raciais, discriminação, igualdade social, etc.
“O racismo manifesta-se de diferentes formas, como o individual, o institucional e o estrutural”, explica Sérgio Henrique, historiador graduado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e licenciado em geografia na Universidade Paulista (Unip). Segundo ele, ao abolir a escravidão, não foram feitas políticas de integração do negro numa sociedade competitiva — com isso, infelizmente, foram herdadas muitas expressões racistas.
Além disso, atribuem a ele características depreciativas, como algo ruim ou de menor valor, extremamente internalizadas nos usos e costumes cotidianos. Esses termos e frases contribuem para a perpetuação do racismo e da discriminação. “Quando uma pessoa pretende se desfazer do trabalho de alguém, é chamado de ‘serviço de preto’”, exemplifica. Ainda há expressões depreciativas como “a coisa tá preta”, “nasceu com o pé na cozinha.”
Quando se fala em racismo, de acordo com a psicóloga Jaqueline Zardo Cenci, observa-se que a pessoa cria uma baixa autoestima e um desamor que são consequências da perda de identidade. “O ideal é que ela busque ajuda profissional antes que tenha um quadro muito forte de depressão e baixa autoestima”, expõe. “A terapia ajuda nas questões da individualidade, do respeito, do autoconhecimento, do amor-próprio, da autoaceitação, bem como na diferenciação do preconceito do outro com o que diz respeito a si próprio”, completa.
A psicóloga observa que as vítimas de racismo podem ter sequelas permanentes. “No momento em que a pessoa sofre com preconceito constante e em um grau na qual atinge de forma irreversível, pode, sim, vir a se suicidar. E a morte não tem volta”, afirma.
Tipos de racismos
Individual: é a visão de que a sociedade não é racista, mas, sim, algumas pessoas — são desvios sociais de conduta.
Institucional: é a ideia de que os homens são racistas e, como são eles que constroem as instituições, criam instituições racistas.
Estrutural: considera que o racismo está entranhado na sociedade, tanto culturalmente quanto nas instituições. Considera que as ocorrências ligadas ao tema não são casos isolados: preconceito com as religiões de matriz africana, população carcerária predominantemente negra e analfabeta, média salarial dos negros menor.
Racismo X Injúria racial
• O crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. É crime previsto na Lei nº 7.716/89, implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo. É considerado mais grave pelo legislador, é imprescritível e inafiançável.
• A injúria racial consiste em ofender a honra de alguém se valendo de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem. Tipificada no art. 140, §3º, do Código Penal Brasileiro.
Glossário do preconceito
Mulato(a)
Origem: a palavra se refere à mula, um animal originado do cruzamento de burro com égua. Na época da escravização, muitas escravizadas eram abusadas pelos “senhores” e acabavam engravidando. Os filhos eram chamados de mulatos por serem o resultado do cruzamento de um homem branco com uma mulher negra. Torna-se ainda mais pejorativa quando se diz “mulata tipo exportação”.
Substituição da palavra: pardo(a)
Negra(o) de traços finos/beleza exótica/negra(o) bonita(o)
Origem: segue a lógica do clareamento, tratando o que está fora da estética eurocêntrica como incomum, ou a beleza mais próxima a essa estética como bonita.
Substituição: bonita(o)
Cabelo ruim/duro/pixaim/ cabelo de palha de aço
Origem: termos depreciativos ao cabelo afro, que nega a beleza existente.
Substituição: crespo, cacheado, cabelo afro
Pixaim: diz-se de cabelo muito crespo; pixa. O uso dessa palavra é pejorativo e ofensivo. (Fonte: Dicionário Michaelis)
Amanhã é dia de branco
Origem: expressão originada na ideia de que o desenvolvimento das atividades por escravizados não era considerado trabalho, e que apenas pessoas brancas trabalhavam duro.
Substituição: segunda-feira/dia de trabalho
Preto de alma branca
Origem: tentativa de elogiar uma pessoa preta fazendo referência à dignidade dela como algo pertencente apenas às pessoas brancas.
Substituição: boa pessoa
Serviço de preto
Origem: faz referência racista ao trabalho realizado pela população negra.
Substituição: tarefa malfeita/realizada de forma errada
Mercado negro/magia negra/lista negra/humor negro/ovelha negra
Origem: utilização da palavra “negra” como algo pejorativo, prejudicial, ilegal.
Substituição: mercado clandestino/lista proibida/ humor ácido/rebeldia
Nega maluca
Origem: nega maluca é um bolo muito popular em Portugal e no Brasil. É feito com chocolate, farinha de trigo, açúcar e ovos. Normalmente, leva uma cobertura feita com chocolate e leite condensado, o brigadeiro.
Substituição: bolo de chocolate
Cor de pele
Origem: termo associado à cor de lápis ou giz de cera mais rosado, ou em tom de bege. Esse termo é errado, pois evidencia a referência eurocêntrica de cor da pele associado a uma pessoa branca.
Substituição: rosa-claro/bege
Inveja branca
Origem: ideia do branco como algo positivo, associando o preto a comportamentos negativos.
Substituição: inveja é inveja, troque por um elogio.
Macumbeiro/galinha de macumba/chuta que é macumba
Origem: expressões que discriminam os praticantes de religiões de matriz africana.
Substituição: não utilizar
Macumbeiro é a pessoa que toca um instrumento musical chamado macumba, portanto, a macumba (instrumento musical) existe para executar música.
Termo usado incorretamente para fazer referência à pessoa que pratica atos religiosos espíritas.
(Fonte: Dicionário Informal)
Criado-mudo
Origem: era o escravizado que ficava em pé, ao lado da cama, a noite inteira, em silêncio, normalmente segurando água e objetos para servir os “senhores”.
Substituição: mesa de cabeceira
Crioulo/negão
Origem: era a designação do filho de escravizados, um termo extremamente pejorativo e discriminador do indivíduo negro ou afrodescendente.
Substituição: preto/negro
Fontes: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e Secretaria de Justiça e Cidadania
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte