Encontro com o Chef

Com a mão na massa: padeiro faz pães com gostinho da França

Ao trocar a França pelo Brasil, há quase uma década, mestre padeiro torna-se um dos pioneiros na arte de preparar pão com fermentação natural na capital

Sibele Negromonte
postado em 01/11/2020 08:00
 (crédito: EMANUELLE SENA/Divulgação)
(crédito: EMANUELLE SENA/Divulgação)

Ainda muito jovem, Benoît Rataboul decidiu que seria padeiro, profissão que em seu país de origem, a França, é carregada de tradição e respeito. Conseguiu um emprego em uma padaria na região em que nasceu, Aveyron, área rural no centro-sul francês. Lá, fazia de tudo um pouco: ajudava na limpeza, na manutenção e, claro, colocava a mão na massa.

Para trabalhar com panificação na França, é preciso ter o certificado de aptidão profissional. E, convicto de que aquela seria sua profissão, Benoît estudou até obtê-lo. E trabalhou em vários estabelecimentos. “Eu morava a 60 quilômetros de Roquefort, onde se originou o famoso queijo. A cidade grande mais próxima era Toulouse. Apesar de ser uma região predominantemente rural, Aveyron tem forte tradição gastronômica, inclusive com restaurante com estrela Michelin”, conta.

Benoît especializou-se em fermentação natural — ou artesanal, como prefere chamar. “A fermentação, por si só, é um processo natural”, justifica. “No caso do pão, há a artesanal, um processo lento e feito com levain, e a industrial, que fica pronta em duas horas com o uso de fermento biológico”, detalha.

O método mais rápido e fácil é o aplicado na maioria das panificadoras brasileiras e, por alguns anos, também das francesas. “Nas décadas de 1920 e 1930, a facilidade e rapidez da fermentação industrial levaram muitos padeiros a adotarem esse método. Eles já não precisavam passar toda a noite acordados; em duas horas, o pão estava pronto. E a fabricação industrial ganhou força.”

Mas, a partir da década de 1980, houve uma demanda dos próprios franceses para a retomada do processo natural. Tanto que, em 1993, o “decreto do pão”, criado para proteger os padeiros artesanais, estabeleceu critérios para a baguete de tradição francesa. Quem vender o produto, símbolo da França, fora das especificações está sujeito a multas. “A verdadeira baguete leva apenas água, farinha e sal, mas nem por isso é fácil de fazer, exige muita técnica.”

Técnica que tem por pré-requisito muito estudo e que Benoît fez questão de dominar. Entre 2007 e 2010, fez mestrado em panificação na mais bem-conceituada escola da França, o INBP — Institut National de la Boulangerie Pâtisserie —, e uma das melhores do mundo, em termos de equipamentos, professores, estrutura. Para ser aprovado, teve que passar dois dias em avaliação. Com esse diploma, tornou-se mestre padeiro. “Ele também me habilitou a dar aulas na França”, acrescenta.

Unindo França e Brasil

Em 2005, Benoît esteve pela primeira vez no Brasil, a turismo, e se encantou pelo país. Visitou diversos locais, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Chapada dos Veadeiros e Brasília. Foram seis meses de muita aventura. Ele retornou para a França já com a ideia de voltar e se estabelecer no Brasil. “Na França, aproveitei para estudar mais, fazer o curso de mestre e juntar dinheiro para abrir minha própria padaria aqui.”

Como São Paulo e Rio já tinham alguns estabelecimentos que trabalhavam com fermentação natural, o mestre francês escolheu Brasília para fincar moradia, em 2011. “Na época, aqui, só a La Boulangerie oferecia pães de fermentação natural”, lembra. Bonoît estabeleceu-se na Asa Norte, onde permaneceu por quase três anos, deu uma pausa, estudou gastronomia no Iesb, fez pós-graduação em docência e começou a projetar uma nova padaria.

A Cardabelle surgiu em 2017, na 403 Norte, com a proposta de trabalhar apenas com fermentação artesanal. “Os meus pães passam por, pelo menos, 24 horas em fermentação”, garante. O levain, pré-mistura já fermentada, é fabricado pelo próprio Benoît. “Ele traz vários benefícios, como melhor sabor, aroma, conservação, textura e, sobretudo, digestibilidade”, garante.

Na Cardabelle, além do tradicional baguete, são ofertados croissants, ciabatta, brioches, rabanadas, folhado, focaccia, pão rústico, de cacau, de chocolate, de azeitona, integral e muitos outros. Com os leitores da coluna, o mestre padeiro compartilha a receita da fougasse, original mediterrânea de fermentação natural, elaborada com ervas finas.

Benoît decidiu manter a suspensão do atendimento nas mesas, mesmo depois do decreto de liberação do governo. “Prefiro manter a segurança dos colaboradores e clientes”, justifica. Por isso, deixou de oferecer produtos da confeitaria. “Só não suspendi os biscoitos e os macarons, que têm uma grande procura. Os demais não se justificam, já que parei de servir café.”

Para o próximo ano, o francês pretende voltar a oferecer os cursos de fermentação natural para amadores, também suspensos por conta da pandemia. “As pessoas estão, cada vez mais, buscando um pão de melhor qualidade.” E ele está pronto para oferecê-lo!

Fougasse com ervas (para cinco pães de 250g)

Mestre padeiro Benoît Rataboul
Mestre padeiro Benoît Rataboul (foto: EMANUELLE SENA)

Ingredientes
615g de farinha
370ml de água
15g de sal
220ml de levain líquido
50g de azeite
5g de ervas finas

Modo de fazer
Misture todos os ingredientes, na mão ou na batedeira, até atingir o ponto de véu — no qual a massa se estica sem romper.
Dê à massa um formato de bola, coloque numa vasilha, cubra para não ressecar e deixe na geladeira até o dia seguinte.
Divida a massa em cinco pedaços. Novamente, dê um formato de bola e deixe descansar na bancada da cozinha por 20 minutos.
Boleie a massa novamente e deixe crescer por duas horas.
Depois desse tempo, coloque a massa numa assadeira untada com azeite. Achate a massa dando um formato triangular e realize sete cortes, abrindo com a mão.
Assar no forno, com vapor de água é melhor, em torno de 15 minutos a 250 graus.

Serviço
Instagram: @cadabellepadaria
Telefone: (61) 3033-6684 e (61) 9 9226-5084

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