Este ano, a bancária Márcia Ribeiro trouxe mais vida para o lar. Plantas, ela já tinha algumas. Era a vez de bichos. Mas, em vez de gato, cachorro ou outros animais de estimação tradicionais, ela escolheu abelhas do tipo jataí. O cunhado foi quem lhe apresentou a meliponicultura — cultura de abelhas sem ferrão. Ela conta que, na casa dele, que tem um quintal grande, há várias caixinhas com milhares de abelhas. Influenciada por ele, resolveu tentar o mesmo, mas em menor escala, na varanda do próprio apartamento.
Há duas semanas as abelhas estão com Márcia e não dão trabalho. Afinal, elas mesmas buscam material e produzem o próprio alimento. “Posso viajar, ficar fora um mês, dois meses, que ninguém precisa nem vir dar água”, diverte-se. Embora passe algum tempo pesquisando e lendo sobre os insetos na internet, a bancária está muito bem assessorada pelo marido da irmã, que em breve abrirá a caixinha dela para checar se está tudo em ordem.
Segundo o apicultor, meliponicultor e produtor de orgânicos Bruno Ferreira Uchôa, da Terra Boa (@terraboaabelhas), o zelo que se deve ter é o de observar. “Porque, na natureza, nós temos o período de safra, quando as abelhas têm que estocar uma reserva, e a entressafra. Então, é checar se, por algum motivo, elas não conseguiram armazenar os recursos para o período com menos disponibilidade”, afirma.
Márcia já acompanhou a retirada de uma colher de mel da criação do cunhado, o que já a deixa animada. “Já pensou produzir meu próprio mel aqui?”, brinca. Uchôa explica que a produção varia (tanto no sabor quanto na quantidade) de acordo com a qualidade das flores às quais as abelhas têm acesso. Em média, cada caixinha de jataí pode render de 250g a 600g por ano. “Elas produzem pouco, até por serem pequenas, mas é um mel diferenciado, porque são mais seletivas com o material que coletam. Ele tem propriedade antimicrobiana, anti-inflamatória”, detalha.
Além de tudo, Márcia pode se sentir dando uma grande contribuição ao meio ambiente. Segundo o centro de pesquisa e preservação ambiental australiano Earthwatch Institute, as abelhas são as espécies mais valiosas do mundo, por garantirem a preservação da flora. Elas são responsáveis pela reprodução de 75% das espécies vegetais para alimentação humana e 90% das plantas com flores da natureza.
Mas elas estão sumindo. Levantamento da Agência Pública e da ONG Repórter Brasil, do ano passado, mostrou que, em três meses, meio bilhão de abelhas foram encontradas mortas no Brasil. A principal causa, segundo o professor Tiago Maurício Francoy, do curso de licenciatura em ciências da natureza da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e especialista em abelhas, é o uso indiscriminado de agrotóxicos — alguns comprovadamente prejudiciais e já proibidos nos EUA e na Europa.
Um bem para a natureza
Há quase sete anos, Gerson Pinheiro, administrador de empresas, criou a SOS Abelhas Sem Ferrão. A ideia já estava na cabeça dele havia cerca de 10 anos, quando a filha caçula chegou de uma excursão da escola pedindo uma colmeia. Para ele, aquilo era impossível, mas ela explicou “de um jeito muito próprio” que eram abelhas diferentes das que ele imaginava, pequenininhas, sem ferrão.
O administrador decidiu ir à internet e pesquisar a respeito. “Um universo inteiro se abriu para mim, a partir dali”, conta. A filha acabou ganhando vários enxames e o pai decidiu dedicar uma parte do tempo dele a falar da importância das abelhas. “Quando a gente fala para uma pessoa qualquer a palavra abelha, já pensa no ferrão, nas de desenho, amarela com preta, que picam. Mas essa é uma espécie exótica”, explica.
A entidade é focada nas espécies nativas e sem ferrões. Ela resgata enxames em risco e educa a população sobre a importância deles para o meio ambiente. “Geralmente, estão em risco por ação humana. Nós ocupamos o espaço das abelhas, produzimos alimentos de forma equivocada, com uso desenfreado de agrotóxicos que fazem mal para elas e para outros insetos”, detalha Pinheiro.
Antigamente, a SOS tinha um programa de doação desses enxames porque as pessoas que solicitavam o resgate não os queriam. A entidade, então, precisava procurar pessoas dispostas a recebê-las. “Chegamos a ter filas de pessoas querendo as abelhas, porque, com o tempo, com muito mais informação, quem solicitava o resgate passou a querer ficar com elas”, explica.