Uma doença rara, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é aquela que afeta até 65 indivíduos em cada grupo de 100 mil. Porém, como há mais de 6 mil delas, o total de pacientes soma, no mundo, uma população de cerca de 300 milhões. No Brasil, são 13 milhões de pessoas com alguma doença rara. Entre as enfermidades, está a síndrome de Dravet. Lorenzo Rosal é um desses pacientes. Com apenas 4 anos, o garoto já teve mais de 500 convulsões.
A mãe dele, Lia Oliveira Rosal, 33, e toda a família viveram na prática as dificuldades para definir diagnóstico, começar a tratar o problema e estimular e dar uma vida normal a Lorenzo. O único fator que não é um desafio é amá-lo. E é isso que faz com que eles lutem todo dia e vejam os percalços com olhos resilientes. “É uma lição de vida. A gente vê crianças com outros problemas e eu consigo achar o dele pequeno”, diz Lia.
Lorenzo nasceu bem, saudável e se desenvolvia perfeitamente, até que, cerca de 15 dias antes do primeiro aniversário, com festa organizada, teve a primeira crise epiléptica — popularmente chamada de convulsão. “Eu o deixei no berço, ouvi um barulho, provavelmente foi a primeira convulsão, mas não vi. Dormi com ele e, por volta das 7h, ele convulsionou. Desta vez, eu vi e corremos para o hospital”, relata a mãe.
No caminho, Lia conta que o bebê convulsionou mais algumas vezes. A médica de plantão achou, a princípio, que fosse apenas uma virose, mas, enquanto estavam no hospital, Lorenzo teve mais uma crise e a especialista, ao presenciar, não sabia mais dizer o que o garoto tinha. Foram meses de baterias de exames, diversos especialistas. Todos na dúvida. A família em desespero. “Foi quase um ano de tratamento no escuro.”
Foi no Hospital da Criança e no Instituto Hospital de Base de Brasília que a luz se acendeu e Lorenzo passou a ser atendido como, de fato, é: um paciente com Dravet. Quando chegaram lá, o bebê já estava sob efeito de seis remédios diferentes, o que impressionou uma das neurologistas. Outra neuropediatra levantou a hipótese da síndrome. Estava correta.
Com medicação mais adequada, conseguiram reduzir para apenas duas medicações. Mas precisavam comprar, pois a rede pública não tinha disponível. Não fazia mal: de 100 convulsões por dia, ele passou a ter 10. Além disso, era acompanhado por fisioterapeuta e fonoaudiólogo. “As convulsões não atingem o corpo todo. Os olhinhos reviram, os sinais são sutis”, conta Lia.
Mas, há alguns meses, com a pandemia, um dos medicamentos parou de ser produzido. Não só as convulsões voltaram como o desenvolvimento de Lorenzo regrediu. “Parou de andar, de falar. Agora, é o desespero para arrumarmos uma medicação que faça o mesmo efeito”, diz a mãe. A família está fazendo alguns testes.
A síndrome de Dravet
É uma das encefalopatias epilépticas. Segundo a neurologista Renata Brasileiro, a principal causa é uma mutação no gene SCN1A, que causa alteração no funcionamento do canal de sódio. Mas há outras causas menos frequentes.
Ela costuma se manifestar ainda no primeiro ano de vida.
É progressiva, ou seja, sem tratamento, tende a piorar.
As primeiras crises
A pediatra Roberta Esteves explica que, muitas vezes, é desencadeada por febre, o que faz pensar que se trata de uma crise febril.
Por conta disso, a médica explica que é comum as primeiras crises acontecerem após uma vacina que causa febre (como foi o caso de Lorenzo) ou durante uma infecção respiratória. “Nada disso, em si, é a causa da síndrome de Dravet, mas como são situações que podem causar a febre, pode desencandeá-la” explica.
Tipos de crises
Segundo Renata Esteves, depois de algumas crises, o aumento de temperatura não é mais presente. São crises afebris. Ela descreve como podem ser:
- Clonias: abalos musculares que podem ser generalizados ou que podem ficar só no rostinho ou na cabeça. Podem ser rápidos ou mais prolongados.
- Mioclonias: abalos sutis, curtinhos. “No primeiro momento, os pais podem nem perceber.”
- Ausência atípica: “Crises em que a criança fica paradinha, dá uma viradinha de olho, dá uma mioclonia, um abalo”, descreve.
- Crises epilépticas com componente motor muito sutil.
- Crises focais: perde a percepção do ambiente.
- Crise polimórfica: vários tipos de crise, a depender da evolução.
Tratamento
De acordo com Roberta Esteves, trata-se de uma doença fármaco-resistente. “Em geral, responde pouco às terapias medicamentosas disponíveis no momento, então, precisamos fazer combinação de medicamentos”, explica.
- Corticoterapia
Dieta cetogênica: usada principalmente para tratar epilepsia refratária em crianças, a dieta de alta gordura, proteína moderada e baixo carboidrato pode ajudar.
- Estimulação de nervo para melhorar o prognóstico
“Para os pacientes com Dravet, por enquanto, não tem um tratamento curativo cirúrgico. Quando acompanhado de malformação cerebral, em alguns casos pontuais, pode ter a cirurgia paliativa, que vai trazer um benefício, mas não a cura. Mas o Dravet clássico não tem malformação”, explica a neurologista Renata Brasileiro.
- Canabidiol (CBD)
No Encontro Anual da American Academy of Neurology (AAN) de 2019, foi apresentado um estudo randomizado com quase 200 crianças com síndrome de Dravet que resultou em uma redução no total de crises convulsivas de:
56% entre participantes que receberam 10mg/kg/dia de CBD
47% entre os pacientes que receberam 20mg/kg/dia de CBD
30% nos participantes que receberam placebo