Em uma tela de computador ou até mesmo no aparelho celular. Com alguns cliques, é possível visualizar um mapa-múndi com dados que mostram de quais continentes e países vieram nossos ancestrais, a porcentagem de DNA proveniente de cada região e a história do povo daquele lugar onde parentes de gerações distantes viveram.
Em outra aba, também é possível verificar quais remédios funcionam melhor no nosso organismo ou quais podem favorecer o surgimento de doenças, além de informações sobre vitaminas essenciais ao nosso metabolismo e dados sobre a influência de fatores genéticos no nosso envelhecimento. Tudo isso parece algo bem distante ou futurista, mas é possível com um teste que vem se popularizando nos últimos anos.
Laboratórios de genética espalhados pelo país têm dado maior acessibilidade a exames que já foram de difícil realização, permitindo que amostras de DNA sejam colhidas na própria casa, analisadas e detalhadas com informações sobre quem somos e de onde viemos. Descobrir a ancestralidade por meio deles é uma das experiências mais populares entre os tipos de exames possíveis.
Quem explica como tudo funciona é Ricardo di Lazzaro Filho, médico e sócio-fundador da Genera, uma das primeiras empresas do mercado brasileiro. “Colocando de uma forma mais simples, o DNA humano é composto por 3 bilhões de pontos, mas pelo menos 99% são iguais, então, há cerca de 3 milhões diferentes, mais ou menos. O que nós fazemos é analisar os 700 mil pontos mais diferentes, com mais informações, que estão ligados à saúde ou a algo específico”, detalha.
A partir desses segmentos pesquisados, é feita uma comparação com grandes bases de dados mundiais. “Desenvolvemos um algoritmo a partir de centenas de pesquisas científicas e fizemos esse banco para comparar com os 700 mil pontos.” A ideia de analisar essas complexidades para dar resultados simples surgiu ainda em 2010, quando Ricardo cursava farmácia bioquímica na Universidade de São Paulo (USP) com o amigo André Chinchio. Depois, os dois foram para cursos diferentes, com Ricardo escolhendo a medicina e André, o direito. Mas a paixão deles por genética fez nascer uma startup, que viria a ser uma das maiores empresas do ramo.
Interatividade
A Genera disponibiliza laboratórios para coleta da amostra de DNA em casa, com o envio de um kit com instruções simples. Os resultados dos exames aparecem on-line. “Nós trouxemos para o país esse modelo de teste de ancestralidade em plataforma, com exibição bem dinâmica dos resultados da ancestralidade global, mostrando porcentagens de diferentes locais de onde o DNA da pessoa é composto. O mapa é interativo e mostra um texto explicando a história, a cultura e as curiosidades para cada população de onde vieram seus ancestrais. Ela vai navegando e conhecendo os próprios resultados. É uma experiência de autoconhecimento.”
Ricardo di Lazzaro lembra a importância disso para pessoas com histórias familiares que foram apagadas e buscam conhecer e explorar as origens. “Acontece muito com a população negra, com descendente de indígenas. Por isso, temos parceria com uma agência especializada no tema que faz uma consultoria para mostrar os alimentos típicos da região de onde a pessoa tem ancestralidade, como são as roupas do povo de lá, para quem quer pegar um pouco dessa origem para si e entender como é cada região”, conta.
Pesquisar sobre isso foi um dos motivos que gerou curiosidade em Fabiana Gava, 42 anos. “Lembro de assistir a um vídeo em que fizeram os testes de várias pessoas, perguntaram a elas o resultado que esperavam, mas ninguém acertou. Eu mesmo fiquei na dúvida sobre o meu caso, até porque meu bisavô era negro, filho de escravo alforriado, e se casou com a minha bisavó alemã”, relata a enfermeira e professora universitária.
Os locais com predominância de genes de Fabiana surpreenderam. “Os resultados mostraram que 49% da minha ancestralidade vêm da Europa, com 14% da Itália, 13% de Portugal e Espanha. A ancestralidade africana foi de 36%. Fiquei bestificada. Não fazia ideia disso, ainda mais porque nunca soube que tinha parentes nesses três países”, conta.
Mas, para ela, o teste vai muito além da curiosidade e surpresa, tratando-se de conexão e conhecimento. “A gente acaba se sentindo muito em contato com esses nossos familiares que não conhecemos, mas que contribuíram para ser quem somos hoje. Como nosso corpo é fisicamente, como são nossas resistências às doenças. O teste traz essa conexão com gerações que a gente sequer conheceu. Ajuda a despertar partes suas que você nem sabia que tinha. É algo interessante e satisfatório, que, com certeza, levo para minha vida toda”, pontua.
Conhecer a história
Ler páginas da própria história que eram desconhecidas, conhecer ramificações da árvore genealógica que iam além dos pais e avôs. Esses e outros interesses motivaram Aline Bahniuk, 41, a realizar o teste. “Sempre tive muita curiosidade em saber de onde veio minha família. Saber sobre a história dos sobrenomes. Minha mãe sempre me contava sobre a história da família dela, como eram os avós, bisavós, tudo o que eles passaram. Ela se lembrava de muita coisa. Com essas conversas, resolvi montar minha árvore genealógica”, explica a bancária.
Quando Aline viu uma propaganda de teste de ancestralidade, não teve dúvidas. “Isso despertou em mim uma curiosidade grande. Minha mãe havia falecido e eu queria saber qual era essa mistura que me fez. Acabei fazendo o teste junto com meu pai e meu irmão.”
O resultado gerou um sentimento de satisfação, matando curiosidades e fazendo surgir novos interesses. “Apareceram algumas origens que eu nunca desconfiei, tipo meus 8% judeu. Isso acabou atiçando ainda mais a vontade de conhecer quem eram os meus antepassados. Tudo o que eles devem ter passado, o que os motivou a sair das suas terras para desbravar o desconhecido.”
Da família do pai, houve um resultado forte de ancestralidade com ucranianos e poloneses. “Acho que essa experiência me ajudou a valorizar meus antepassados. É quase como entender um pouquinho de como vim parar aqui. Sem contar que saber a diversidade da sua ancestralidade te faz pensar muito em como, no final, tudo o que é preconceito é completamente inútil.”