Formado por 22 arcanos maiores e 56 menores, o tarô é um jogo milenar que desperta curiosidade, inclusive, entre os mais céticos. “São 78 cartas que auxiliam no autoconhecimento, podem responder questões ou dar conselhos. É um método divinatório, que traz em si a essência da história da jornada humana e pode nos conectar com algo muito maior, de forma profunda”, explica a taróloga Pamylla Oliveira, que trabalha há cinco anos no ramo.
O jogo tem algumas formas tradicionais, como de Marselha e Rider-Waite, e a partir daí se originaram outros tipos de baralho, direcionados a temas específicos, feitos de acordo com interpretações de cada autor. A verdade é que a origem dele é um mistério.
“Os arcanos respondem às questões, dão conselhos por meio das cartas, que saem em uma leitura. O tarólogo faz o jogo e interpreta o que aparece, aconselhando ou respondendo às perguntas do consulente”, detalha Pamylla. Para ela, o tarô vê probabilidades, mas não determina nada. Interpreta a sua energia do momento e diz para onde é provável que você esteja se dirigindo. “Ele respeita suas escolhas e sua capacidade de mudar a qualquer momento que desejar”, afirma.
Origem controversa
Diferentes fontes apontam que o vocábulo ‘tarô’ tem origem egípcia, hebraica, latina, chinesa. “O que existem são hipóteses. Alguns dizem que ele vem do Egito; outros, da Europa, especificamente da Itália”, observa a taróloga e cartomante Aradia Cali.
Há pessoas que veem o tarô como crença ou ciência; outras, como forma de conexão espiritual ou um meio de ver o futuro; às vezes, é também usado para se conhecer melhor. Para Aradia, formada pelo curso Associação Wicca Espanha, o jogo é como um oráculo e pode dizer, sim, sobre fatos que acontecerão. “Esta é uma visão oracular. Existe uma perspectiva de que o tarô seja, apenas e exclusivamente, para o autoconhecimento e que fala sobre o agora. Acredito que essa separação seja um falso dilema. O futuro, para mim, sempre são possibilidades.”
Aradia acredita que, no futuro, há dois fatores colaborando para que algo se realize: as energias externas e o livre arbítrio. “O tarô diz o que acontecerá, mas esse futuro está sendo construído aqui e agora.”
Pamylla explica que as cartas, principalmente as tradicionais, têm uma forma de serem interpretadas e há uma explicação para cada uma. “A intuição do tarólogo é muito importante. Ele pode interpretar da maneira que sente e o que ela quer dizer. Existem cartas que assustam, mas, no tarô, assim como na vida, os momentos difíceis são para aprendizados e dão sentido às situações mais tranquilas e alegres.”
Clareza para tomar decisão
A estudante e futura gestora pública Jaqueline Nobre, 34 anos, nunca havia jogado tarô terapêutico. Mas, em uma fase decisiva na vida, recorreu a ele. “Muitas vezes, quando estamos no olho do furacão, é difícil ter uma visão clara das coisas. Estava passando por um momento em que precisava me harmonizar em relação ao trabalho”, afirma.
Ela conta que, por meio do tarô, conseguiu traçar um planejamento para trocar o emprego e realizar a transição de carreira de maneira mais assertiva. “Certamente, ele trouxe clareza e confiança para a tomada de decisão, sou muito grata pelo acesso que tive a essa ferramenta, que me auxiliou demais.”
Carlos Henrique Torres, 41, tarólogo e terapeuta energético no Clubeterapia, em Brasília, compartilha que, neste momento de crises e transições que vivemos, diversas pessoas têm buscado novos caminhos. Nessa perspectiva, o tarô, o baralho cigano e terapias complementares são ótimas opções de autoconhecimento e autocura.
Autoconhecimento
A psicopedagoga Islândia Freire, 52 anos, encontra no tarô auxílio para entender a si mesma há cerca de 10 anos. “Além de ser um conjunto de obras de arte, cada uma das cartas tem um valor simbólico. Faz tanto tempo que aprecio como consulente, que nem lembro direito quando foi a minha primeira leitura”, conta.
Ela vê o tarô como um diálogo sobre o momento atual, e o consulta frequentemente. “Ele pode apoiar em um planejamento e na hora de agir. Algumas pessoas têm preconceito em relação às cartas, e está tudo certo. Cada um tem um jeito próprio de se relacionar com o oculto.”
Decisões e sentido de vida
Paira no imaginário popular a abordagem adivinhatória do tarô. Para o tarólogo e terapeuta energético Carlos Henrique Torres, ele, de fato, mostra tendências sobre uma determinada situação, mas o futuro não é algo absoluto e imutável — as atitudes do indivíduo podem oportunizar a concretização ou não. “Usar o tarô para adivinhação é como usar um carro de corrida para ir à padaria. Não há nada de errado nisso, mas não se está usando todo o potencial do carro”, compara.
Ele acredita que a melhor utilização do jogo é para o autoconhecimento. “A linguagem simbólica dessas cartas retrata muito bem o consciente e inconsciente (pessoal e coletivo) do ser humano. O autoconhecimento é fundamental no caminho evolutivo do ser humano, e o tarô pode contribuir muito nessa jornada”, explica.
Esse é o caso de Sandra Silva de Oliveira, 57 anos. Terapeuta holística, ela foi apresentada ao tarô há cerca de 30 anos. “Estava passando por um processo de reestruturação interna, de quem sou, o que estou fazendo aqui, o que me completa, o que faz sentido nesta vida. Senti, com todo o meu ser, que, por meio da tiragem do tarô, aquele era o meu caminho”, conta.
Segundo ela, as portas se abriram como um chamado.“Hoje, sou psicanalista e hipnoterapeuta ericksoniana e sempre busco continuar a me aprimorar.” Para Sandra, a vantagem do jogo é confrontar o medo, a angústia, a tristeza e outras emoções que tiraram a vontade de “seguir em frente”. Ela acredita que o tarô é uma ferramenta fantástica de aperfeiçoamento. Por meio de uma série de inferências, dá a liberdade de exercer o livre arbítrio.
A terapeuta explica que faz dois tipos de leitura do tarô: a divinatória, quando um campo já está formado, não dando mais tempo de modificar o seu pensamento, comportamento e ação; e a terapêutica, que mostra como você está no contexto dos fatos que está passando, passou ou vai passar.
Carlos Henrique entende o tarô como um intermediário entre nós e o Universo, entre o consciente e o inconsciente. “Ele atua no campo da sincronicidade, termo que Carl G. Jung usou para definir as coincidências cognitivas ou paralelismos sem causas — situações do tipo: pensar numa pessoa e esta ligar, estar com vontade de comer um chocolate e ganhar um. Sincronicidade e acaso atuam no embaralhar e selecionar das cartas. Tudo isso, com a intuição de quem interpreta as lâminas do tarô, dá funcionamento a ele”, detalha.
Simbologia das cartas
Existem centenas de baralhos especializados em temas diferentes. Os três tipos tradicionais são: universal (de Rider-Waite); Marselha e mitológico. Há, ainda: aquarian, thoth, cigano, sagrado dos Orixás, graal, entre outros.
Os arcanos maiores são cartas mais profundas, poderosas, reflexivas e que representam qualidades arquetípicas e os caminhos pelos quais todos nós percorremos durante nossas vidas. São numerados de 0 a 21, começando com o louco e terminando com o mundo.
As outras 56 cartas são chamadas de arcanos menores. Mais simples e diretas, representam questões práticas do dia a dia, aspectos que podem ser resolvidos de forma rápida. Elas são divididas em quatro naipes (copas, paus, ouro e espadas), numerados de Ás a 10, e mais quatro cartas da corte (rei, rainha, cavaleiro e pajem).
Conhecendo os arcanos maiores
- Certo dia, um homem saiu de casa “sem rumo”, só para se divertir e se abrir para novas ideias sem medo (o louco).
- Com as ideias em mente, viu que precisava colocá-las em prática, para não ficarem apenas no campo dos sonhos (o mago).
- Com o tempo, o homem entendeu que seria importante aceitar a ajuda de outras pessoas (o sumo sacerdote). Entre aquelas que o ajudavam, um começou a se destacar como grande parceiro (os enamorados).
- Para encontrar respostas para eventuais questões que surgissem no caminho, bastava silenciar um pouco, refletir e olhar para dentro de si (o eremita).
- No entanto, em determinados momentos, tinha que simplesmente acreditar que as coisas iam se desenrolar da forma como tinha que ser (a roda da fortuna).
- E, assim, foi fechado um antigo ciclo e aberto um novo (o mundo).
- A análise fez o homem perceber que algumas coisas precisavam ser transformadas ou até finalizadas em sua vida (a morte).
Fontes: Taróloga Pri Ferraz, do Diário da Bruxa, e, Personalise, plataforma de tarologia, numerologia e astrologia
Passado, presente e futuro
Iris Hazel, bruxa, pesquisadora de saberes espirituais, terapeuta holística e taróloga há 28 anos, acredita que o tarô é um instrumento de divinação, no qual encontramos as chaves para alcançar o plano divino que tem dentro de cada um. A prática para fins terapêuticos, linha escolhida por ela, trata dos bloqueios emocionais e máscaras e ajuda o consulente a resgatar o entusiasmo pela vida, aprender a reconhecer sua verdadeira vontade, resolver conflitos emocionais, cuidar da sua criança interna, entre tantos outros benefícios.
Iris destaca que a jornada do louco é importante no caminho do tarô — não é apenas de respostas, mas que leva a uma consciência interna evoluída. A consulta examina em profundidade a situação enfrentada no momento, o plano externo e interno, a energia do universo e das pessoas próximas.
“Se é uma pessoa que nunca jogou, geralmente, faço um jogo das 10 cartas, é geral e vai abordar o que ela precisa naquele momento. A primeira carta fala sobre a energia que a pessoa traz para o jogo, como ela está vendo a situação de sua vida”, detalha. As seguintes mostram as dificuldades que enfrenta e como a espiritualidade a acolhe no momento.
Outras cartas falam sobre o passado, quando, possivelmente, está a âncora do consulente, e fazem uma análise interna. Nas últimas, mas não menos importantes, há as possibilidades do futuro. “Elas falam sobre o que pode acontecer de benéfico em relação à situação apresentada. As duas últimas cartas apontam a solução, a saída, e a energia geral do jogo, um conselho final.”
Ação do divino
A jornada de Iris no tarô teve um início interessante. Ela, que conheceu a prática em 1995, lembra que tinha medo das leituras de cartas de baralho comuns, muito utilizadas na época. “Mas, chegou um tempo que falei: ‘Quero conhecer o tarô’.” Ela comprou uma revistinha e recortou as cartinhas. “Só que, quando abri aquelas cartas, senti uma coisa diferente. Achei muito interessante a simbologia dos desenhos, a posição dos braços, das mãos, dos pés. Foi assim que comecei no caminho do tarô.”
Dada a complexidade do jogo, Iris precisou mergulhar no estudo, no estudo da cabala, da astrologia no tarô e dos elementos da natureza. Ela acredita que, sem esses conhecimentos, é impossível entender o tarô — um caminho inicial da alta magia, que se eleva a todos os tipos de conhecimentos ou cultos já passados para a humanidade.
Atualmente, a taróloga, que mora em Ceilândia Sul e coordena círculos femininos na periferia, oferece serviço de consultas, promove reuniões e é facilitadora de cursos. “São muitos anos aprendendo com outros mestres, comprando livros, indo atrás de sites americanos porque, infelizmente, no Brasil, não temos uma preparação para compreender sobre a espiritualidade de forma profunda. Aqui, a gente sempre encontra bloqueios, ignorância, preconceito e, principalmente, racismo.”
Para ela, grande parte dessa discriminação se dá pela falta de conhecimento e abertura aos profissionais de tarô, que, por auxiliarem no trato emocional, deveriam ser mais valorizados. “Estamos em um ano de Xangô, ano do Sol, que traz luz à consciência, em que as mentes estão voltadas para um desespero coletivo. Só se conseguirmos nos elevar espiritualmente, chegaremos a uma compreensão do todo para agir em harmonia e equilíbrio. Nós, que vivemos em busca de conhecimentos espirituais, sempre deixamos uma mensagem ao final, e essa é minha mensagem.”
Ainda envolto em preconceito
O professor Eurico Antônio Gonzalez, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), conta que nem todas as crenças e práticas que surgiram na sociedade encontraram liberdade para serem desenvolvidas. Muitas, na verdade, foram alvo de discriminação durante anos. “As religiões, como falam sobre aquilo que não experimentamos com os sentidos, ou seja, suas afirmações não são evidentes por si mesmas, não podem se dar ao luxo de conviver com crenças diferentes das suas, sob pena de faltar-lhes verossimilhança”, justifica.
Segundo ele, há dois ou três mil anos surgiram grandes religiões que têm, por sua vez, ramificações internas. Embora sua difusão tenha sido enorme, não eliminaram todas as religiões, crenças ou práticas dissonantes e minoritárias. Enquanto religião é uma ordem de crenças pré-moderna, a tolerância religiosa é uma invenção política moderna. Sendo assim, pode-se dizer que, hoje, há maior liberdade, quando comparado com o cenário de séculos atrás.
Busca por profissionalização
Inicialmente, o conhecimento do tarô era passado secretamente dentro da elite envolvida com a prática ou nas sociedades secretas, explica Ana Cristal, que atua como taróloga desde 2008 e é terapeuta alquímica, formada pela Escola de Alquimia Contemporânea. A população, em geral, o conhecia por meio de instruções verbais. “Na França, no século 18, Etteilla difundiu o tarô ensinando a prática para pessoas que não faziam parte de sociedades secretas.”
Atualmente, no movimento de desenvolvimento de formações para o ensino de diversas temáticas, o tarô não poderia ficar de fora. A terapeuta, que também é instrutora do curso on-line Entendendo o Tarô, elaborado por ela e divulgado em parceria com o perfil da Universidade da Magia, afirma que é possível perceber uma busca por profissionalização e formas mais estruturadas de se obter conhecimentos sobre a prática — visto que, muitas vezes, as informações ainda são encontradas pulverizadas ou sem coerência.
Ana acredita na importância da construção do tarólogo por meio do estudo. “Se você tem acesso a um estudo estruturado sobre o tarô, que ensina o contexto histórico, filosófico, sua evolução e prática, terá muito mais segurança para orientar as pessoas em suas dificuldades e incertezas.” Ela ainda afirma que o certificado não é ponto-chave da formação, mas, sim, o nível de conhecimento do profissional e sua capacidade de transmitir de forma coerente o que aparece no jogo.
O tarólogo Carlos Henrique percebe o movimento de profissionalização e tem visto oportunidades, tanto para quem busca o uso terapêutico e pessoal da prática quanto para quem quer atuar profissionalmente. O Clubeterapia, do qual faz parte, oferece diversos cursos, além do tarô, que ajudam no processo de autoconhecimento.
*Estagiárias sob a supervisão de Sibele Negromonte