Quando se casou, aos 19 anos, Alicia Villegas não sabia cozinhar absolutamente nada, mesmo tendo nascido e passado a infância em uma fazenda, em uma pequena vila no sul do Chile. Lá, tudo era preparado e cultivado em casa, dos pães às massas, dos doces ao mel. Na adolescência, mudou-se para uma cidade grande, Concepción, para seguir com os estudos. Mas sempre voltava ao campo nas férias de verão. “A festa da colheita do trigo era uma tradição que atraía muita gente, com muita comida, bebida e música típicas”, relembra.
Com o casamento e a maternidade, um ano depois, veio a necessidade de cozinhar. E Alicia não só começou a se arriscar com as panelas como tomou gosto pela coisa. “Qualquer pessoa é capaz de cozinhar, e todas deveriam tentar. Mas tem que gostar, caso contrário, não se chega ao sucesso”, ensina.
No fim da década de 1970, o marido de Alicia decidiu sair do Chile e, como boa aventureira, ela topou o desafio. Deixaram os dois filhos com os avós e tios e embarcaram em um ônibus rumo à capital do Brasil. “Foi uma semana de viagem. Muitos chilenos estavam deixando o país, pois a situação política não estava boa por lá. Mas poucos vinham para Brasília, a maioria ia para São Paulo.”
Inaugurada havia pouco mais de uma década, a cidade ainda era um canteiro de obras, logo não faltou trabalho para o marido de Alicia, que vinha de uma família de marceneiros. A mulher decidiu se dedicar à gastronomia, a princípio, vendendo as tradicionais empanadas chilenas. Um ano depois, o casal buscou os filhos e aumentou a família. Aqui, nasceram mais dois herdeiros.
E, para quem acha que as empanadas são uma iguaria que só tem na Argentina, a cozinheira faz questão de ressaltar que essa é uma ideia errônea, de quem não tem conhecimento gastronômico. “Cada um dos países tem o seu tipo.” Sobre a diferença, Alicia explica que as empanadas chilenas levam mais cebola e menos carne, e as argentinas têm mais tomate. “As chilenas são mais suculentas”, garante.
Com o boca a boca, a cozinheira passou a receber muitas encomendas. Adepta da comida natural, fez curso de gastronomia macrobiótica e expandiu o cardápio. Passou a ser muito solicitada para preparar jantares, almoços e eventos em embaixadas e para cozinhar na casa de diplomatas. E, assim, criou os quatro filhos.
Mas o espírito aventureiro de Alicia falou mais alto, e ela resolveu passar uma temporada na Bélgica. “Os filhos estavam crescidos e eu me planejei bastante antes de embarcar.” Coincidentemente, o primeiro trabalho que apareceu foi na casa de um diplomata espanhol. A partir daí, não faltou serviço — e aprendizado — gastronômico. “Um novo mundo se abriu para mim, com carnes maravilhosas e produtos de ótima qualidade — queijos, manteigas que não encontramos aqui.” Depois de passar 15 anos em Bruxelas, decidiu se aposentar e voltar, há pouco mais de dois anos, para Brasília, onde moram três filhos.
Nuestro Empório
Agitada, a chef não ficou muito tempo parada. Logo estava fazendo almoços e aceitando encomendas. Durante a pandemia, decidiu, com a família, criar um serviço de delivery. Surgia, assim, o Nuestro Empório — especializado em delícias da culinária chilena e latina. “Como antes eu não tinha logomarca, muita gente se surpreendeu quando pediu e descobriu que eram as ‘empanadas da Alicia’”, diverte-se.
Como trabalha sob encomenda, com pedidos de segunda a sexta, e entregas quintas, sextas e sábados, a chef garante o frescor dos pratos. “A graça das empanadas é comê-las na hora, pois, mesmo preparadas no mesmo dia, depois de um tempo, a massa absorve muito do recheio, deixando-as molhadas.” Outro diferencial, segundo ela, é o uso de ingredientes frescos. “O molho de tomate é feito por mim, não uso nada em lata ou caixinha, assim como o doce de leite é caseiro”, exemplifica.
No cardápio, além das empanadas, há sopaipillas, pão frito tradicional do Chile; torta milhojas, que, faz questão de ressaltar, é diferente da mil folhas francesa; empolvados chilenos, espécies de biscoitos recheados, cuja receita a chef compartilha com os leitores da coluna; além de delícias de países vizinhos, como a guacamole mexicana e o ceviche peruano. “Tudo preparado artesanalmente e com muito amor”, garante.