Você já deve ter notado um hábito curioso de cães – machos ou fêmeas – que parece simular um ato sexual, com movimentos pélvicos em almofadas, bichinhos de pelúcia, outros animais ou até em braços e pernas de seres humanos. O comportamento de monta, como é denominado, é mais comum do que imaginamos no mundo canino.
“O filhote começa a montar como uma forma de brincadeira ou de comunicação com os irmãos. Então, é comum o cachorro que ainda está amamentando praticar o comportamento”, explica Elisa Dornelas, adestradora e franqueada da Cão Cidadão. O fato de estar frequentemente ligado à puberdade canina não impede que possa acontecer em outras fases da vida e, possivelmente, torna-se inadequada e motivo de dor de cabeça para muitos tutores.
Emerson Oliveira, tatuador conhecido como Japa Art Work, 31, passou por duas experiências dessas com seus cães. “Nossa primeira cadela, a Saori, sempre teve o hábito de montar. Ela fazia isso quando adotamos o Goku, mas não com a filha Serena. Agora, adotamos o Floki e, para garantir o território em meio à matilha, ele subiu em todos os cachorros que temos, o que gerou um grande conflito entre os animais”, relembra.
O maior confronto foi entre Floki, um samoieda de 1 ano, e o golden retriever Goku, 4 anos, por serem os únicos machos do grupo. As abordagens escolhidas pelos tutores para lidar com a situação – e que permitiram a boa relação atual entre os pets – foram a castração e o adestramento. Floki passou por um tratamento conjunto com comportamentalista canino e adestrador. “Em duas semanas, ele voltou um novo cachorro. Não subia mais em nenhum cão e estava muito mais calmo, carinhoso e educado — apesar de latir muito, mas isso é característica da raça”, afirma o tatuador.
Ele explica que, durante o processo, algumas orientações também foram passadas, como ficar atento a indícios de conflito entre os cães e corrigi-los imediatamente — sem gritos ou punições. A atitude foi imprescindível para o convívio dos três goldens e do samoieda da família.
Orientação especializada
Para o zootecnista Pedro Henrique Mendes, comportamentalista canino e responsável técnico do São Chiquinho Hotel Fazenda Pet, buscar ajuda profissional é o primeiro passo a seguir. “É comum os donos acharem que adestramento e treinamento comportamental são sinônimos, mas são completamente diferentes. No adestramento, são ensinados comandos ao cão que são bastante úteis como ferramentas para lidar com o animal. É algo benéfico para todos os cachorros, principalmente por exercitar seu cérebro e a disciplina – no entanto, nem sempre é suficiente. Distúrbios comportamentais precisam de outro tipo de treinamento e são resolvidos por meio de uma forma de ‘terapia’.”
Por isso, Pedro acredita que a melhor forma de resolver a situação é unindo o trabalho do profissional com formação em comportamentalismo canino com o do adestrador. Para Jéssica Andrade Fucitalo, psicóloga e adestradora positiva, os tutores devem procurar profissionais de adestramento que utilizam técnicas sem uso de aversivos, como bronca, medo ou susto. “Esse outro tipo de tratamento pode ter efeito oposto, tornando o cão medroso e/ou agressivo. Nos casos de compulsão, em que há necessidade de intervenção medicamentosa, deve-se procurar por veterinários comportamentais — um nicho novo no Brasil”, explica.
Em alguns casos, a monta pode ocorrer aliada a outros comportamentos indesejados, como aconteceu com Eros, shih-tzu de 3 anos. “Essa não era a principal questão dele, mas, sim, a agressividade com os outros cães. Nesse caso, havia o componente da compulsão, falta de atividade física, mental e social e dificuldade de comunicação com outros pets”, afirma Jéssica Andrade.
Para o caso de Eros, a adestradora explica que foi ajustada uma rotina de atividades físicas, mentais e sociais, e realizados treinos de comandos de obediência, calma e manejo comportamental com os outros shih-tzus da família, Ringo, 8, e Diana, 6. “O comportamento de montar diminuiu muito com essa abordagem, porém a agressividade com outros cães não foi sanada por completo, pois era necessário intervenção medicamentosa, socialização ativa e maior tempo de treino.”
Ela afirma que, no processo de educação, enquanto o cão não sabe o que esperamos dele, devemos evitar o comportamento, tirando o brinquedo que o pet costuma montar ou nos afastando imediatamente quando ele tenta montar na nossa perna — porém, retornar após alguns segundos para recompensá-lo quando estiver calmo.
Formas de lidar
Os tutores também têm papel importante no processo. Para reduzir o hábito, é preciso não reforçá-la com carinhos ou petiscos, e não ser permissivo ou justificá-lo como um possível ato de namoro do animal. “Reforçamos que cães não têm desejo sexual premeditado, mas, exclusivamente, frente ao período relacionado ao estro da cadela”, explica Pedro.
O zootecnista indica tornar o dia a dia do animal mais produtivo e interessante, com atividades físicas e mentais. Brincar com bolinha e usar comandos como senta e deita são válidos. Sobre esses comandos, o médico veterinário comportamentalista da Comporvet Ricardo de Pauli afirma: “Ensine o seu cão a sentar ou deitar sempre que quiser interagir com você. Com isso, ele entenderá que, se montar em sua perna, você não dará a atenção que ele quer, porém, se sentar-se, terá sua atenção, carinho e até um petisco.”
“Tanto o cão quanto o dono precisam ser orientados a agir nessa situação. Usamos como técnica a utilização de reforços positivos para ensinar o cachorro a não praticar o ato de montar em outras pessoas. É importante que esse reforço seja realizado pelo tutor, jamais pelas visitas. O tutor precisa exercer o papel de liderança”, explica Elisa Dornelas.
Ela afirma que a castração, indicada pelo médico veterinário, pode ajudar a diminuir o comportamento de monta, mas que não é garantia para resolução do problema. É importante que esse cão seja treinado e consiga obedecer a comandos do seu tutor.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte