Por muito tempo, o padrão de cabelo liso, pele branca e olhos azuis permaneceu nas capas de revistas e nas passarelas. Muitas meninas negras, cacheadas e crespas não se sentiam representadas, achavam que não faziam parte do mundo da moda. Ou pior, não acreditavam que eram bonitas. Tal imposição pode ser bem cruel para quem quer ingressar na carreira de modelo, como lembra a estudante de geologia da Universidade de Brasília (UnB) Jéssica Vieira, 23 anos.
Desde a infância, a jovem ama ser fotografada e, em 2015, decidiu investir na profissão. O início porém, foi bem conturbado. “Entrei em uma agência e, na época, ainda não era muito aceito o cabelo crespo/cacheado. Pediram para eu alisar os fios. Fiz vários procedimentos químicos e me sentia muito mal com isso”, lembra Jéssica, que nasceu no Piauí, e veio para Brasília aos 12 anos. “Virou minha cidade”, garante.
Em alguns trabalhos, garante, sofreu preconceito. “Fui muito excluída por não seguir o padrão. Enfrentei — e ainda enfrento — muita dificuldade só por ser negra, só por ter um cabelo afro. Já perdi trabalhos por isso e fico imaginando outras meninas. Na época, infelizmente, acabei desistindo da carreira, por conta dos traumas e feridas.”
No ano seguinte, porém, a estudante encontrou o projeto Beleza Negra, idealizado pela produtora de moda Dai Schmidt, desde 2012 em Brasília, e recebeu um convite para retornar à profissão. “Ela me disse: ‘Seu cabelo é incrível e você tem um ótimo perfil’. Mas, de imediato, eu não quis. Já tinha criado uma rejeição muito grande.” Dai explicou o propósito do projeto: difundir o conhecimento sobre os diferentes padrões de beleza, moda e comportamento, além fomentar o debate sobre a igualdade racial e combate ao racismo.
Carreira internacional
Jéssica voltou a investir na carreira. No ano passado, surgiu uma oportunidade internacional. Em julho, seguiu para a Índia, onde ficou até abril deste ano. “A experiência profissional e o crescimento pessoal foram incríveis. Eu cresci muito, consegui aperfeiçoar as minhas técnicas, conheci outra cultura e outro mercado.” Mesmo lá, a jovem viu de perto o preconceito. “Sofri por causa do meu cabelo e acabei repreendendo a pessoa. Hoje, não aceito esse tipo de atitude. Fui bem amparada pela agência, mas, aqui no Brasil, ainda é muito mais recorrente.”
Segundo ela, é triste quando se chega ao casting (seleção) e, se há duas modelos negras, só uma passa. Ou quando, a cada 15 profissionais, só tem uma negra. “Na maioria das vezes, ela nem tem a oportunidade de começar. A dificuldade começa antes, e é gritante. Mas, claro, bem menos do que antes.”
A jovem credita essa melhora ao trabalho de precursoras, como as supermodelos Naomi Campbell, Adut Akech Bior e Jourdan Dunn, que abriram caminho para que mulheres negras brilhem na profissão. “Vivi situações de preconceito dentro do trabalho e não aceitarei esse tipo de comportamento de mais ninguém, pois é crime.”
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte