Hambúrguer, refrigerante e batata frita depois de um dia cheio no trabalho. Uma barra de chocolate após brigar com alguém. Bolo, pizza, torta, sushi daquele restaurante que cobra uma fortuna pela entrega. De tempos em tempos, nós nos permitimos matar o desejo de comer algo diferente, fugir da dieta, gastar mais do que deveria.
Embora os desejos alimentares, principalmente de produtos pouco nutritivos, possam ser apenas formas de compensação ou celebração, algumas vezes, são indicativos de que algo está faltando em nosso organismo. Nesses casos, as vontades se distanciam um pouco das junk foods e se aproximam dos alimentos mais nutritivos, que podem fornecer os nutrientes e as vitaminas que estão em falta no corpo.
A ausência de cálcio no organismo pode despertar o desejo por leite ou queijo, inclusive nas pessoas que não consomem ou não gostam desses alimentos, exemplifica a nutricionista Adriana Stravo. “É uma maneira que o corpo tem de se preservar. Ele começa a sinalizar de diversas formas, uma delas é o desejo por determinados alimentos. É como prega a medicina chinesa, o corpo fala e devemos prestar atenção a esses sinais.”
Adriana chama a atenção para pessoas que, de forma incomum ou súbita, aumentam muito o consumo de café ou começam a tomar sem nunca ter gostado. Indivíduos com baixa produção de dopamina se sentem cansados demais, tristes. A cafeína estimula o sistema nervoso central e ativa neurotransmissores de motivação, tentando suprir a falta do neurotransmissor.
A vontade de comer tomate, quando não se tem esse hábito de comer ou quando é muito exacerbado, pode significar deficiência de potássio. Os sinais, muitas vezes, vêm acompanhados. No caso do potássio, as câimbras constantes são mais um indicativo. “Vamos relacionando os sinais, que, separados, podem não significar nada, mas, juntos, passam a fazer mais sentido”, acrescenta Adriana.
Raquel Adjafre, nutricionista do Hospital Santa Marta, compara esses desejos à vontade que temos de beber água — a sensação de sede quando estamos desidratados. “É a inteligência do corpo. Ele sinaliza metabolicamente o que precisa, seja a sede que pede a hidratação, seja a fome ou mesmo os desejos para suprir necessidades de nutrientes mais específicos.”
A terra e o feijão
Um dos casos mais comuns, segundo Raquel, é a manifestação relacionada ao ferro. Pode surgir da forma mais comum, com o aumento de vontade de comer feijão, ou de maneira excêntrica, querendo ingerir barro, tijolo ou parede.
É mais frequente em grávidas e crianças, mas pode aparecer em pessoas com anemias e com sérias deficiências de ferro. “Nas grávidas, esses desejos costumam aparecer no último trimestre. A gestação demanda muito ferro, e a necessidade de suplementação é comum. A vontade de comer terra aparece porque é a maior fonte do mineral que existe na natureza sem ser de origem animal”, esclarece Raquel.
Nas crianças que acabam sendo flagradas comendo terra, a falta de nutrientes pode ser causada por problemas na alimentação, mas também pelo fato de que o corpo está em desenvolvimento constante, demandando muitos nutrientes e uma alimentação equilibrada.
Apesar de não ter tido vontade de consumir nada que não fosse realmente um alimento, a gravidez exigiu mais ferro do organismo da professora Érika Soares Lima Martins, 26 anos, e fez com que ela criasse novos hábitos em relação ao feijão. Em 2019, Érika teve complicações no sistema gastrointestinal e desenvolveu uma anemia pela dificuldade em absorver os nutrientes. Fadiga e cansaço constante, além de dores de cabeça, eram alguns dos sintomas. Desde então, passou a fazer suplementação com ferro, entre outros nutrientes, e o organismo se recuperou.
Quando começou a sentir o cansaço sem explicação novamente, imediatamente pensou que estava com deficiência de ferro. A surpresa veio ao descobrir a gravidez, que chegou acompanhada de desejos diferentes e da necessidade ainda maior de ferro.
Apesar de consumir feijão, ele não é um dos pratos preferidos da professora. Érika chegava a ficar até 15 dias sem sentir falta do alimento, dando prioridade a saladas e verduras. Com a gravidez e a necessidade ainda maior de suprir a demanda de ferro, o feijão virou um dos queridinhos. “Não me fazia falta, mas, hoje, eu tenho vontade o tempo todo. Comia feijoada umas três vezes ao ano e, agora, quero toda semana. Como não posso comer carne de porco, precisei aprender a fazer minha própria feijoada”, conta.
Aos seis meses de gestação, Érika come feijão todos os dias e aumentou a suplementação de ferro. Outros desejos surgiram, como ingerir frutas cítricas. A professora tem diabetes gestacional e, em vez de sucos, sua nutricionista indicou que consumisse as frutas. Ela notou que, após as refeições e no meio da tarde, a preferência é por laranja, kiwi ou mexerica.
Segundo a nutricionista Adriana, esse desejo é mais um sinal do organismo. As frutas cítricas são conhecidas por auxiliar bastante no processo de digestão dos alimentos e dar uma sensação mais confortável após as refeições.
Apesar de algumas particularidades, nem todos os desejos alimentares da gravidez indicam algo. Muitos deles podem estar relacionados a reflexos emocionais e às alterações na capacidade de sentir cheiros e gostos que ocorrem durante a gestação.
Desejos e deficiências comuns
Feijão: falta de ferro
Tomate: falta de potássio
Cafeína: carência de dopamina
Leite e queijo: deficiência de cálcio
Futas cítricas: auxiliam o processo digestivo
Os doces e a TPM
Os desejos alimentares comuns em grávidas também aparecem durante o período pré e menstrual. Adriana Stravo explica que a oscilação hormonal acentuada causa deficiência de triptofano, um dos precursores da serotonina no organismo. O chocolate, um dos tesouros indispensáveis para quem sofre com TPM, é fonte de triptofano. Raquel Adjafre acrescenta que a alteração hormonal diminui a concentração de magnésio no corpo, presente no chocolate.
A vontade exagerada por doces também pode ser um sinal de queda de glicose no sangue ou a indicação de que o corpo já está há muito tempo sem alimentos. Durante o jejum, liberamos uma substância chamada grelina, que faz com que o indivíduo busque alimentos com maior densidade energética, ou seja, fontes de glicose rápida.
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