Durante grande parte da história fashion, personalidades marcaram, ou até ditaram, tendências conhecidas e replicadas mundo afora. Do clássico e atemporal ao revolucionário, que busca quebrar padrões impostos, a moda tem um indiscutível poder de dialogar com a sociedade e criar referências que são, até hoje, usadas.
Para a historiadora Caroline Lardoza Diniz, a moda é uma linguagem que ajuda o outro a nos ler a partir de cores, texturas e combinações. Por isso, buscamos sempre referências para nos sentirmos próximos do que nos identificamos. “Os ícones que fizeram peças clássicas, atemporais e que chegaram como referência até os dias atuais usaram elementos simbólicos para romperem padrões, criarem ou, simplesmente, ressignificarem uma vestimenta para sua época. De Cleópatra até Beyoncé, observamos peças, cores e símbolos que são projetados, modelados e ressignificados ao longo da história e da sociedade.”
A partir da análise histórica de diferentes épocas, é possível notar a disseminação de tendências. “No começo do século 20, os meios de comunicação foram utilizados como instrumentos de propagação de ideias. Quem fazia parte dessas mídias conseguia mais facilmente disseminar modismos”, explica Caroline. Ela cita o vestido feito por Hubert Givenchy e usado por Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo, que foi replicado milhares de vezes por se tratar de uma peça de fácil modelagem.
A professora Rafaella Lacerda, da disciplina moda contemporânea e brasilidade do Centro Universitário Iesb, ressalta que Paris e outras cidades europeias ditaram parte das tendências de estilo do mundo ocidental. “A influência de personalidades da moda mudou a partir dos anos 1960, com o surgimento da cultura jovem e da geração baby boom. A moda das ruas ganhou força e uma nova nomenclatura, bubble up — ou efeito borbulha —, surgiu. As tendências passaram a nascer nas ruas para, só depois, alcançar as passarelas.” Ela afirma que isso acontece até hoje. As influências ora chegam das ruas, ora das grifes ou das celebridades.
Referências
Quem é ligado no universo fashion costuma ter artistas, cantores ou estilistas como ícones e fontes de referências. Esse é caso da estudante de design de moda Rebecka Reese, 23 anos. Muitos visuais dela são criados com o estilo de Coco Chanel. “São tantas mulheres inspiradoras que fica até difícil listá-las, mas, em primeiro lugar, seria ela. É uma costureira atemporal e completa.”
Mas qual a importância dessa estilista? “De origem humilde, ela começou sua empreitada com uma loja de chapéus em Paris e criou um estilo feminino prático e confortável”, explica Caroline. A francesa aposentou os vestidos armados e bem estruturados com forros e anáguas, além de romper com os padrões impostos pela Belle Époque, em que o luxo e o exagero eram fundamentais para uma mulher elegante.
A cor preta, por exemplo, tem significados diferentes dentro da cena social, épocas e ocasiões. “Antes, era associada ao luto ou ao guarda-roupa masculino. Chanel ressignificou a cor para o feminino. Agora, o famoso pretinho é atrelado a um símbolo de poder e elegância”, expõe Caroline, que também é social media de moda.
Rebecka gosta de se inspirar em mulheres empoderadas, que começaram de baixo e se tornaram grandes referências do mundo fashion. “O estilo contemporâneo da cantora e compositora Solange Knowles, que casualmente desenha os próprios figurinos, e o swinging london (modo de viver londrino) da atriz Emma Watson me encantam. A brasileira Ucha Meirelles, formadora de opinião, feminista e consultora de estilo, também me inspira sempre”, completa.
Para a jovem, o urbano contemporâneo de cada uma delas produz informações de moda, como camisas sociais, vestido com corte reto, calças de alfaiataria e sapatos atemporais. No guarda-roupa dela, não pode faltar mullet, colares de pérolas fake, blazer, boina, casacos e calça pantalona. “Eu adoro mudar o corte e a cor do cabelo, como algumas delas também fazem.”
ELES FIZERAM HISTÓRIA
Desfile de moda Masquerade and Bondage, de John Galliano para Christian Dior: Maria Antonieta como inspiração
Rainhas Elizabeth II e Maria Antonieta (1755/1793)
Antes do Século 20, os ícones faziam parte da nobreza e era muito difícil alguém “comum” ficar famoso ou ser influenciador. Percebe-se essa inspiração com Luis XVI e Maria Antonieta, da corte francesa. E, nos dias atuais, com a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, cujas cores fortes adotadas no vestuário permitem que seja identificada no meio da multidão. Acessórios, como chapéu e bolsa, nunca são dispensados. Assim como os tons são escolhidos pensando no povo, alguns modelos também.
Em 1774, Luís XVI subiu ao trono e Maria Antonieta tornou-se rainha da França e ícone feminino dos excessos. Até então, as mulheres adotavam penteados comumente baixos e empoados. No entanto, Maria preferia os grandiosos e deu início a essa nova tendência. As damas deixaram as perucas de lado e passaram a usar seus próprios fios — e, por vezes, enchimentos com crina de cavalo para chegarem aos volumes exagerados. Para finalizar, as madeixas eram enfeitadas com adornos de cestos de frutas, caravelas, moinhos de vento, borboletas, entre outros.
Levi Strauss (1829-1902)
Se hoje amamos jeans e podemos combinar essa versátil peça com várias outras roupas, devemos isso a Levi Strauss. Nascido na Baviera, Alemanha, Loeb Strauss emigrou com o restante da família para Nova York, em 1847, onde dois irmãos mais velhos já residiam e trabalhavam como comerciantes. Anos depois, Loeb naturalizou-se norte-americano, adotou o nome Levi e mudou-se para São Francisco. Na cidade, abriu uma mercearia e passou a vender produtos para pequenas lojas de varejo.
O jeans surgiu da necessidade dos mineradores de terem uniformes resistentes e de alta durabilidade. Levi juntou-se ao alfaiate Jacob Davis e colocou em prática a ideia de criar e patentear as calças reforçadas com rebites, feitas em denim, que tinham três bolsos e eram adequadas à rotina para acomodar as ferramentas de trabalho.
O sucesso das vendas não poderia ser maior! A Levi Strauss & Co. trouxe mais lançamentos. Até hoje, a empresa — atualmente, denominada Levi’s — é sinônimo de produtos em jeans, que estampam vários dos looks casuais do street style e tornaram-se indispensáveis no guarda-roupa fashion ocidental.
Josephine Baker (1906-1975)
Josephine Baker é o nome artístico de Freda Josephine McDonald, uma importante cantora, atriz e dançarina norte-americana. “A partir de seus figurinos e personalidade, rompeu com estereótipos e padrões sociais. Com ativismo e resistência, enfrentou o preconceito que uma mulher negra de origem humilde sofria na América dos anos 1920”, afirma a historiadora Caroline Lardoza. A cantora foi ativa na luta contra o racismo e chegou a recusar se apresentar para plateias segregadas nos Estados Unidos.
Ela tornou-se o símbolo fashion dos anos 1920 e seu cabelo curto — grudado na cabeça com brilhantina — passou a ser tendência. “O saiote de bananas de Josephine ficou tão conhecido que chegou como referência até os dias atuais para grandes apresentações de divas pop. Um desses exemplos é a cantora Beyoncé, que usou esse figurino no Fashion Rocks 2006. Imagens de Josephine Baker num telão acima do palco não deixavam dúvidas quanto à sua referência”, completa Caroline.
Após apresentar espetáculos na Broadway, a artista fez sua estreia nos teatros de Paris, em 1925. Segundo a professora Rafaella Lacerda, foi na França que o forte impacto de Josephine pôde ser sentido. “Ela apoiou o exército francês durante a Segunda Guerra Mundial, ajudou crianças negras — chegou a adotar várias — e foi uma grande militante das culturas negras no mundo”, explica. Ela foi naturalizada francesa e chegou a receber medalhas e condecorações por sua atuação na guerra e luta contra o nazismo.
Jane Birkin
Desde pequena, Jane Birkin demonstrava aptidão para a arte. Filha de uma atriz e de um membro da Marinha Real Britânica, ela cresceu no meio artístico da Inglaterra e, na década de 1960, fazia cenas em alguns filmes. Mas foi em 1969, quando atuou como protagonista em um longa francês ao lado de Serge Gainsbourg — e cantou com ele um conhecido dueto —, que sua carreira deu uma guinada e novos trabalhos surgiram.
As produções da atriz e cantora rapidamente tornaram-se referência. Os mocassins, calças flare, croppeds de renda e cabelos longos destacavam a influência do boêmio no seu guarda-roupa – que, posteriormente, deu espaço para um estilo mais andrógino, que incluía jeans e camisetas largas.
Um modelo de bolsa da marca francesa Hermès consagrou Jane como um ícone de moda. Em um voo, sentada ao lado de Jean-Louis Dumas, então diretor da empresa, a cantora reclamou não achar uma bolsa que atendesse todas as demandas de uma mãe jovem. Logo depois, a Hermès criou um modelo que levava seu nome — hoje, uma das bolsas mais valiosas do mundo. “Recentemente, O PETA descobriu como era feita a retirada da pele de jacarés para sua confecção, e Jane solicitou que seu nome fosse desvinculado ao item. A grife francesa se desculpou e falou que vai ficar de olho em relação à extração da pele desses animais em sua produção”, destacou a professora.
Carmen Miranda (1909-1955)
Uma influência inegável das referências brasileiras na moda da década de 1940 está nos figurinos de Carmen Miranda. A cantora e atriz portuguesa, radicada no Brasil, exerceu influência com seu estilo tropical, cheio de colorido e desenhos de frutas e flores. A artista conquistou espaço nas telas hollywoodianas e disseminou tendências, além da própria cultura latino-americana. Os acessórios de cabeça, lenços e colares foram adaptados e usados nas ruas e em produções cinematográficas. Até hoje, suas composições de cores vibrantes e estampas são objetos de inspiração para muitos estilistas internacionais e produtores de moda.
O brilho, presente em diversas roupas da artista, também influenciou o figurino de outras cantoras. Seus sapatos plataformas foram adaptados e estamparam vitrines. Os balangandãs e toda aura alegre da musa foram transformados em joias, há alguns anos, em coleção desenvolvida pela H. Stern para homenagear a Pequena Notável.
Fontes: Rafaella Lacerda, professora da disciplina moda contemporânea e Brasilidade do IESB; Apostila de projeto de coleção desenvolvida pela professora de estilismo Úrsula de Carvalho Silva, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília; Cultura Inglesa (instituição de ensino); Caroline Lardoza Diniz, historiadora e social media de moda; publicação sobre História & Legado, do portal da empresa Levi’s; artigo do Fashion Bubbles; blog Etiqueta Única; e postagem do The Style Guide, da Farfetch.
*Estagiárias sob a supervisão de Sibele Negromonte