Encontro com o Chef

De volta às origens

Pandemia leva chef a fazer releituras de clássicos da cozinha brasileira, tal qual no início da carreira na culinária, e a criar vários projetos gastronômicos

Com uma carreira consolidada na iniciativa privada, a administradora Leninha Camargo largou tudo para seguir um sonho de infância. O destino, é certo, deu uma forcinha, já que a construtora em que trabalhava fechou. Com o dinheiro da rescisão, montou um restaurante e decidiu fazer o que mais amava: cozinhar. “Sempre que nos reuníamos com os amigos, eu era a cozinheira oficial. Resolvi transformar isso em profissão.”

O Le Bistrot Café abriu as portas em 1995, no Hotel Metropolitan, com a proposta de reunir alta gastronomia com boa música. “Fazia lindos empratados, em uma época em que não era costume por aqui”, relembra. No cardápio, releituras de pratos da culinária brasileira. “Criava pratos simples, mas saborosos.” Com um espaço pequeno, era comum receber pedidos de delivery — tanto que viu a necessidade de abrir um bufê. Mas, antes, queria se especializar, estudar.

No início dos anos 2000, a chef vendeu o bistrô e seguiu para a Itália, país que, para ela, é o verdadeiro berço da gastronomia. “A rainha Catarina de Médici levou o melhor da cozinha italiana para a França. Lá, a rusticidade ganhou refinamento, sofisticação. A comida passou a ser empratada lindamente e foi jogada para o mundo.”

Leninha matriculou-se na renomada Accademia Italiana della Cucina, viajou pelo país e descobriu uma nova paixão: os azeites. Teve aulas com Mauro Martelossi, especialista no assunto, que a incentivou a estudar na escola internacional Alma, especializada no tema, na região de Parma. Lá, a chef mergulhou no mundo dos azeites, colheu azeitonas e, depois de mais de dois anos de Itália, voltou para o Brasil.

Em Brasília, abriu o desejado bufê e, paralelamente, iniciou o mestrado em segurança alimentar na Universidade de Brasília (UnB). Para a tese, propôs estudar harmonização com azeite. “Na época, nem se falava nisso. Como não havia literatura sobre o tema, a minha coordenadora disse que eu não podia fazer a tese. Precisei falar com o reitor.”

De fato, enquanto a harmonização de vinho começava a fazer sucesso, a de azeite nem era citada. “Encontrei, na Universidade de Bolonha, uma pessoa que tinha validado dois critérios de harmonização. E eu precisava de três especialistas que assegurassem a minha tese”, explica.

O primeiro passo de Leninha foi procurar, claro, Mauro Martelossi. Em seguida, chegou a Santiago Botas, papa do assunto no Chile, e ao chef Francisco Ansiliero, um grande apreciador de azeite. “Ele deu a contribuição local que eu necessitava.” A tese não só foi concluído com sucesso, como ela validou os dois critérios de harmonização que havia descoberto na pesquisa e acrescentou mais quatro.

Na pandemia

Há sete anos, a chef abriu a casa de festas Orpheum, no Jardim Botânico, com capacidade para mil pessoas. No espaço, funciona, também, o Empório da Gastronomia, local em que vende uma linha de produtos de sua autoria — azeites, temperos, sais aromatizados, pestos, congelados — e promove eventos regulares, como o Mão na Massa, no qual o cliente pode cozinhar para amigos; o Vinho, Comida e Música, em que oferece menus harmonizados com vinho e boa música ao vivo; e o Cinema Mesa, em que desenvolve um menu a partir de um filme. Outro xodó de Leninha é o Jantar às Cegas, no qual o cliente degusta um menu vendado e sem saber nada prévio sobre ele. “É uma experiência em que aguçamos todos os sentidos dos convidados.” Mas veio a pandemia e todos os eventos precisaram ser cancelados.

Ela sabia, porém, que não podia ficar parada. “Não queria, simplesmente, entrar no mercado de delivery, porque minha comida não é caseira. Precisava de algo diferenciado.” Foi aí que surgiu a ideia de voltar às origens do bistrô e às releituras dos pratos regionais. Lançou a linha Clássicos Brasileiros, com cinco opções – rabada desfiada, língua ao vinho, bobó de camarão, canjiquinha com costelinha e dobradinha com paio. “Mando em embalagens que podem ir ao freezer e ao micro-ondas. Muita gente faz pedidos para congelar.”

Com o sucesso, Leninha criou outras linhas: Clássicos do Mundo, em que faz releitura de várias pratos internacionais, e Gift Box Sabores, lançado no Dia das Mães e que foi incorporado pela chef. A ideia é de que a refeição vá dentro de um presente, como uma marmita de alumínio ou uma panela de barro — tudo personalizado e embalado com capricho. “Teve um cliente que queria presentear uma pessoa com uma cafeteira Nespresso. Montei um box com a cafeteira, cápsulas de café, croissant, pão de queijo e outras delícias gastronômicas preparadas por mim”, exemplifica. “O céu é o limite, mas a minha comida precisa estar presente.”

Leninha está com um projeto em andamento, no qual vai dar a sua leitura aos pratos preferidos de pessoas da cidade que amam gastronomia — podem ser amigos, personalidades ou gente que inspira na profissão ou apenas “com o sorriso”. “Ele me fala o seu prato preferido, aquele que ama de verdade, e eu crio uma receita com meus toques pessoais.” Diante da adversidade, ideias não faltam para a chef!


Arroz caldoso de rabada à moda da chef — light

Ingredientes
1kg de rabada cortada nas juntas
200ml de vinho tinto seco
2 folhas de louro
1 galho de alecrim fresco
3 pimentas-de-cheiro
3 dentes de alho amassados
50ml de manteiga de garrafa
150g de cebola cortada em cubinhos
100g de pimentões
300g de tomates sem pele e sem semente
Sal e pimenta-do-reino a gosto
500g de arroz agulhinha ou parboilizado já pronto e cozido al dent

Modo de preparar
Sele a rabada em panela de fundo grosso, na manteiga de garrafa, até que solte toda a gordura e fique grelhada com tom dourado escuro. Ela ficará bem durinha, totalmente compactada, sem nenhuma gordura se soltando. Retire da panela, tempere com sal e pimenta e deixe descansar.
Descarte toda a gordura que se formou na panela. Na crosta da panela, frite o alho e a cebola até dourar, deglaceie com o vinho tinto, fazendo com que a crosta se solte toda. Acrescente o tomate, os pimentões, o louro, a pimenta e o galho de alecrim, misture bem e junte à rabada reservada. Cubra com água e cozinhe lentamente, ou transfira para a panela de pressão (por cerca de uma hora), até que a carne se solte dos ossos. Retire a carne do caldo e coloque o caldo na geladeira. Desosse toda a rabada e reserve.
O ideal é deixar o caldo na geladeira de um dia para o outro para que a gordura restante se solidifique e forme uma nata. Retire essa nata e descarte, coloque o caldo gelatinoso que se formou numa panela, junte a carne desfiada, misture bem, ajuste os temperos e, com a carne fervendo, junte o arroz cozido al dent. Deixe apurar os sabores, monte no prato com ramos de agrião fresco. Sirva em seguida, muito quente.

Serviço
Instagram: @leninha.camargo e @emporiodegastronomia
WhatsApp: (61) 9.9989-7000