Foi numa lua cheia, como a de ontem, a noite memorável na qual uma jovem rainha, há apenas 15 anos no trono de Saint James, encantou autoridades e a sociedade brasileira com sua suave beleza, simpatia e aparente simplicidade ao não se furtar em aceder a centenas de cumprimentos. Mais de quatro mil pessoas estiveram no Palácio do Itamaraty, na noite de 5 de novembro de 1968, para a recepção à rainha Elizabeth II, que dava início à visita oficial ao Brasil, acompanhada pelo príncipe Philip. Escoltada pelo general Costa e Silva, que presidia o país no regime militar, a rainha da Inglaterra levou quase uma hora para dar uma volta no salão e cumprimentar todos que se acotovelavam para chegar perto da monarca.
Além da jovialidade, o que mais chamou atenção foram as joias da Rainha. Não passou despercebido o gesto de apreço ao Brasil. Aos 42 anos, Elizabeth II usava o conjunto colar e brincos de águas marinhas, ofertado por Assis Chateaubriand na época em que foi embaixador brasileiro em Londres.
A visita começou no Recife, onde o casal real desembarcou do iate Britannia para cumprir roteiro turístico e conhecer pessoas notáveis selecionadas pelo Palácio de Buckingham, como o sociólogo, antropólogo e escritor Gilberto Freyre e Dom Hélder Câmara. De lá, navegaram até a Bahia para um rápido giro, que incluiu o Mercado Modelo de Salvador. Novamente o iate real os levou por águas do Atlântico Sul até o Rio de Janeiro, quando embarcaram a bordo de um avião da Real Força Aérea (RAF) para descer aqui, já na condição de hóspedes oficiais do governo brasileiro.
Sem tradução
Um detalhe até engraçado precedeu o desembarque: às 12h15, horário previsto no programa, o comandante do jato britânico surgiu na porta da aeronave e consultou o relógio se certificando que havia
chegado pontualmente antes de dar passagem para os nobres passageiros. No primeiro dia da visita, a monarca inglesa percorreu o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, depois de se instalar com a comitiva no Hotel Nacional.
No segundo dia, o programa foi mais ameno e até divertido na visita ao jardim de infância da 308 Sul, onde as professoras, mal contendo a animação, gritavam "Seu Philip", chamando atenção do príncipe para os flashes. Nessa época, nem celular havia! Da visita à escola, o que ficou registrado nas páginas do
Correio foi uma constatação: "Pena que não houvesse um intérprete para dizer à rainha como funcionava a escolinha, o que as crianças tentavam dizer, para fazê-la compreender o grau de simpatia e até mesmo de
forte entusiasmo que ela despertou entre o povo brasiliense", ressaltava a reportagem.
Dá para afirmar que ninguém na cidade ficou indiferente à visita de Elizabeth II e do príncipe Philip. No cortejo do aeroporto havia gente na rua e na recepção à noite, sobre a qual a colunista social Katucha escreveu que o chefe do cerimonial do Itamaraty chegou a se irritar com a aglomeração em torno dos visitantes, até quem ficou de fora, gostou. "O casal real — registrou a coluna — chegou até a sacada do salão, recebendo uma calorosa salva de palmas da turma do sereno, a maior que já se encontrou até hoje em torno do mais belo palácio do Brasil."
Saiba Mais
"Que pena, majestade"
Antes de partir, o casal real esteve na Torre de TV e na Catedral, onde a rainha, lá sim, ouviu explicações em inglês sobre a monumental obra de Oscar Niemeyer relatada pelo embaixador Wladimir Murtinho, que comandou a transferência da casa do Barão de Rio Branco para Brasília e depois se tornou secretário de Cultura do DF.
Na estada em São Paulo, Elizabeth II e o príncipe Philip estiveram presentes à inauguração do Masp, sobre o qual a rainha tinha ouvido falar pelo próprio idealizador, que havia sido embaixador no Reino Unido. Chateaubriand havia morrido sete meses antes, em 4 de abril, mas os companheiros e comandados dos Diários Associados publicaram durante a visita, um anúncio dizendo, "que pena, majestade,
que ele não esteja mais aqui — para quebrar, desinibidamente, todos os protocolos...". Chatô não pôde ver a inauguração do museu que leva o seu nome, na Avenida Paulista, justamente durante a única visita de
Elizabeth II e do príncipe Philip ao Brasil, em 7 de novembro de 1968, a São Paulo.
Em grande estilo
Oito anos mais tarde, a monarca inglesa recebia em Londres a retribuição da visita que fizera ao Brasil. Com toda a pompa que exige uma monarquia da estirpe dos Windsor, chegava à Inglaterra o presidente Ernesto Geisel com mulher e filha à frente de uma comitiva oficial, que teve direito a viajar de carruagem da estação de trem que leva o nome da rainha Vitória até os portões do Palácio de Buckingham, numa ensolarada manhã de maio. A primeira carruagem e a mais rica transportava o presidente do Brasil, o terceiro general do regime militar, e a rainha, que conversavam sem intérprete. Na sexta, vinham
os presidentes do Senado, o piauiense Petrônio Portella, e da Câmara, o cearense Flávio Marcílio. Nada foi mais hilário do que ver os dois nordestinos vestidos de fraque e cartola apeando da carruagem nos jardins de Buckingham. Eles próprios mal se continham em risos diante dos fotógrafos.
A visita foi simbólica para os dois países, que estreitaram relações bilaterais contínuas e permanentes. A última manifestação foi feita na última quarta-feira, 7 de setembro, quando o Brasil recebeu mensagem de
cumprimentos pelo bicentenário da independência assinada pela rainha, lembrando ainda da visita "com carinho". Em sua biografia consta que ela teria dito, ainda jovem, que queria ser como a "rainha da
alegria". Deus certamente atendeu o pedido de Elizabeth II, que descansa em paz.