
Num tempo distante, em que políticos de Minas eram admirados pela virtude e pela sabedoria, o governador Milton Campos, pressionado por seu partido para instrumentalizar o governo em seu benefício político, resistiu dizendo que ao governo dos homens preferia, sempre, o governo das leis. Na linguagem da política moderna, estava dizendo que a força das instituições deveria prevalecer sobre a vontade dos homens.
A democracia e a economia de livre mercado combinadas produziram o período de maior progresso e maior liberdade em toda a história da humanidade. Não foi um tempo em que grandes homens faziam a história apenas com sua vontade. Foi um tempo em que instituições políticas e econômicas impessoais asseguraram um ambiente de segurança jurídica e previsibilidade econômica, no qual empresas e pessoas puderam prosperar e cooperar.
Um dos grandes pensadores de nosso tempo, o filósofo austríaco Karl Popper, afirmava que a democracia não tinha o poder de garantir que só os melhores e os mais capazes seriam escolhidos para governar. Mas, para sobreviver, a democracia teria que ter os meios e os instrumentos para impedir que maus governantes pudessem fazer ao país males irremediáveis.
Nos Estados Unidos e na Europa, essa regra prevaleceu por muito tempo. Aqui na América Latina e também na Ásia, as instituições não se desenvolveram com a mesma potência. A maldição dos salvadores da pátria e dos "pais dos pobres", com frequência, arruinaram a economia, mataram a liberdade e chegaram a alimentar uma cultura populista, que envenenou para sempre alguns países. Isso talvez explique um pouco por que nossos países ficaram para trás.
Por razões que variam de país a país, o prestígio da democracia liberal em todo o mundo está em recessão. Numa volta a um passado que julgávamos sepultado, estamos assistindo ao crescimento das democracias iliberais, não fossem os dois termos tão contraditórios entre si. Essas chamadas democracias têm eleições regulares, mas não há separação dos poderes, nem garantia dos direitos individuais e a lei que prevalece é a vontade do governo. Podem muito bem ser chamadas de ditaduras disfarçadas.
O "monarca"
O avanço desses arranjos iliberais parece irrefreável. O caso da vez é nada menos que os EUA, o grande modelo de democracia resistente ao tempo — na verdade, a mais antiga das modernas democracias, que parecia a todos constituída para durar sempre. De repente, sem nenhuma pactuação institucional com o Parlamento ou a Justiça, o presidente converteu-se por iniciativa própria em um verdadeiro monarca absoluto. Governa por ordens executivas, sem consulta ao Congresso ou submissão ao Judiciário, sem nenhuma oposição dos demais Poderes e com a aparente concordância de parcela importante da população. Na contramão da advertência de Popper, está tomando decisões que afetarão irremediavelmente o futuro do seu país. As instituições cederam à vontade dos homens e a democracia norte-americana está sendo derrubada sem resistência, tal como foi um dia derrubado o Muro de Berlim, numa suprema ironia da história.
Entre nós, no Brasil, as instituições e as leis nunca tiveram o prestígio que necessitam para serem efetivas. Sofremos da tentação irresistível dos personalismos. Nunca tivemos partidos de verdade, sempre tivemos personalidades. Ainda agora, nossa vida política se resume ao confronto entre dois homens praticamente sem ideias, a cujos caprichos todos se curvam. Em um campo está o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, exercendo seu terceiro mandato e aspirando a um quarto, apesar da idade e do vazio de seu governo, que anunciou candidamente, na última terça-feira, que o ano de 2027 será o de um desastre fiscal.
No outro campo, o ex-presidente Jair Bolsonaro, embora inelegível, mantém paralisados todas as demais possibilidades eleitorais pela submissão dos possíveis candidatos a uma liderança sem ideias ou projetos de mudanças.
Em todos os campos de atividade do nosso país, há homens e mulheres de alto nível, capazes de competir em qualquer lugar do mundo. Por que só na política falta talento, virtude e mentes criativas?
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