
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender a necessidade de regulamentação das redes sociais, destacando os riscos da desinformação e do discurso de ódio no ambiente digital. Durante uma cerimônia na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília, ele criticou o que chamou de “poder absolutista” das plataformas e cobrou um marco regulatório mais rígido. No entanto, o tema enfrenta forte resistência no Congresso, onde oposicionistas alegam que qualquer medida nesse sentido ameaça a liberdade de expressão.
“Diante de uma falta de regulamentação adequada, tenho observado uma tendência de concentração de poder sem precedentes nas oligarquias digitais. Um poder absolutista, que desconhece fronteiras e visa subjugar as jurisdições nacionais. É imperativo avançar na criação de um arcabouço jurídico robusto, que promova a concorrência justa”, afirmou o presidente.
Apesar desse questionamento, o líder da oposição na Câmara dos Deputados, Luciano Lorenzini Zucco (PL-RS), discordou: “É preciso dizer com todas as letras que a regulamentação das redes sociais é um ataque direto à liberdade de expressão, a implosão do último bolsão de resistência contra o sistema. Por trás da beleza argumentativa de combate à disseminação de notícias falsas, discurso de ódio e outros conteúdos considerados prejudiciais, está o desejo de calar as vozes divergentes”, expressou o deputado.
As redes sociais já provaram ser ferramentas decisivas nas eleições do Brasil, mas também se tornaram um terreno fértil para desinformação. Com a aproximação do pleito de 2026, cresce o debate sobre a eficácia das medidas adotadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelas plataformas digitais para conter fake news, deepfakes e a manipulação do debate público. Especialistas questionam se a regulamentação atual é suficiente para evitar a propagação de conteúdos enganosos.
No Brasil, a campanha de Jair Bolsonaro, em 2018, ficou marcada pelo uso intensivo do WhatsApp, enquanto Lula, em 2022, apostou no TikTok para dialogar com os mais jovens. Hoje, deputados, senadores e até governadores utilizam de vários recursos como estratégias para alcançar o eleitorado. Recentemente, o Banco Central (BC) usou desses métodos para desmentir uma fake news sobre o Pix, aproveitando a trend da música Descer pra BC, de Brenno & Matheus.
Segundo um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Reuters, da Universidade de Oxford, 91% dos brasileiros se informam sobre notícias majoritariamente pela internet, superando até mesmo a TV com 79%. Esse cenário tem gerado mudanças na forma como campanhas eleitorais são conduzidas, tornando as redes o principal palco para conquistar votos.
O desafio de regulamentar
Nos últimos anos, o TSE implementou diversas ações em parceria com o Tribunal no Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), para combater a desinformação. Com apoio de plataformas como Google, Meta (Facebook, Instagram,Threads e WhatsApp), TikTok, Kwai, X (antigo Twitter), além de campanhas educativas para conscientizar eleitores. No entanto, a fiscalização ainda enfrenta dificuldades.
Apesar dos acordos, a rede social X foi banida do país em 2024, após Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmar que o proprietário da rede, Elon Musk, estaria incentivando discursos extremistas, e desrespeitando decisões judiciais em bloquear contas de alguns usuários brasileiros. Após um mês suspenso, Musk pagou uma multa de R$ 28,6 milhões e a rede voltou ao ar no país.
Ainda assim, campanhas políticas no ambiente digital seguem operando no limite das regras, aproveitando brechas para impulsionar conteúdos sem total transparência. O uso de influenciadores políticos, por exemplo, cresce sem monitoramento eficaz sobre financiamento e responsabilidade na disseminação de informações.
Paola Brescianini, especialista em branding e mídias sociais digitais pelo Centro Universitário Belas Artes, alerta que o uso da inteligência artificial levanta novas preocupações, já que permitem a criação de vídeos e áudios falsos extremamente realistas, sem uma regulamentação clara para evitar uso abusivo em campanhas.
“Uma IA super perigosa são as deepfakes e os textos gerados pela IA. Hoje, é possível manipular tudo, inclusive criar um texto falso e transformá-lo em um vídeo narrado por um candidato. Essa pode ser uma estratégia para manchar a imagem de um candidato concorrente”, afirmou Brescianini.
Já o advogado especialista em direito digital, Lucas Karam, destaca que um controle mais rígido pode gerar censura e limitar a liberdade de expressão nas redes, exigindo um equilíbrio entre regulamentação e restrição do debate político.
“Um endurecimento legislativo pode ser necessário, sobretudo para detalhar sanções e procedimentos de verificação de conteúdo, mas deve vir acompanhado de garantias que resguardem direitos fundamentais como liberdade de expressão e de imprensa”, alertou Karam.
Ele também sugere medidas de fiscalização sem comprometer a transparência e a democracia: “Indicar quando um conteúdo é gerado ou manipulado por IA, rastreamento de responsabilidades e sanções proporcionais ao dano causado”, concluiu.
Janaína Leonardo Garcia, mestre em comunicação na Faculdade de Inovação e Tecnologia Senac-DF, ressalta que os algoritmos das redes sociais influenciam diretamente a percepção do eleitorado, reforçando a fragmentação do debate político. “Os algoritmos reforçam bolhas políticas, limitando o acesso a diferentes pontos de vista e influenciando a maneira como o eleitor avalia as situações”.
Para o Roberto Beijato Júnior, doutor em Filosofia do Direito e especialista em Direito Eleitoral, a ausência de uma regulamentação mais firme pode comprometer a transparência do processo democrático. “As redes exercem, hoje, um papel protagonista na esfera eleitoral, sem a necessária regulação de suas atividades. Trata-se de muito poder nas mãos de pouquíssimas pessoas — os detentores dessas big techs, majoritariamente bilionários norte-americanos, cujos interesses desconhecemos. Se esse poder entrar em conflito com o modelo democrático, os riscos são imensos”, afirmou, Beijato ainda reforça avançar nessa discussão e seguir exemplos internacionais, como os da União Europeia, que já adotam regulações mais complexas.
Países como Alemanha, com a Lei NetzDG, e a União Europeia, com o Digital Services Act, já implementaram modelos de regulamentação, segundo Felipe Rodrigues cientista político pela UnB, existe uma preocupação com esse tema globalmente, mas “ainda não há evidências que as informações falsas tenham sido combatidas como esperava”, observou.
Ainda assim, Rodrigues reforça que “o TSE tem se mostrado insuficiente e por vezes controverso, pois coloca juízes na posição de arbitrar debates políticos, algo para o qual o Judiciário não foi desenhado”, pontuou.
Contudo, Rodrigues reforça a importância de não “cair no extremo”, de forma que excessos possam causar manipulação descontrolada, e “silenciar vozes legítimas”. “O caminho mais promissor parece estar não em regular diretamente o que as pessoas podem dizer, mas em estabelecer regras de funcionamento para as plataformas que aumentem a transparência. A experiência recente mostra que tanto a ausência de regras quanto tentativas de controle centralizado têm falhado”, completou.
Diante da ascensão da inteligência artificial e da crescente fragmentação do eleitorado, as eleições de 2026 serão um teste crucial para a regulamentação digital no Brasil. O desafio é equilibrar transparência, liberdade de expressão e responsabilização, evitando que a desinformação e conteúdos manipulados coloquem em risco a integridade democrática. O Correio contatou o TSE sobre as medidas de regulamentação para 2026, mas o órgão não se pronunciou até o fechamento da matéria, ficando o espaço aberto para atualizações