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Isenção do IR será o principal aceno de Lula à classe média

Projeto livra do imposto quem ganha até R$ 5 mil e prevê redução gradual àqueles que recebem de R$ 5 mil a R$ 7 mil

Projeto livra do imposto quem ganha até R$ 5 mil e prevê redução gradual àqueles que recebem de R$ 5 mil a R$ 7 mil -  (crédito: BBC Geral)
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Projeto livra do imposto quem ganha até R$ 5 mil e prevê redução gradual àqueles que recebem de R$ 5 mil a R$ 7 mil - (crédito: BBC Geral)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou, ontem, a proposta para isentar do Imposto de Renda (IR) quem recebe até R$ 5 mil por mês, a partir de 2026, uma das promessas de campanha do petista nas eleições de 2022. O projeto de lei (PL) foi assinado pelo chefe do Executivo em cerimônia tímida e sem claque com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e várias autoridades no Salão Leste, o menor do Palácio do Planalto.

A proposta enviada ao Congresso, de acordo com o governo, deverá beneficiar 10 milhões de pessoas diretamente e ainda prevê uma redução gradual do IR para quem ganha mensalmente entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Já para quem ganha mais de R$ 7 mil, não há alteração em relação à regra vigente hoje.

Atualmente, 10 milhões de pessoas estão na faixa de isenção, que vai até R$ 2.259,20, e quem ganha acima disso, até R$ 2.826,65, é tributado em 7,5%, conforme a tabela do Imposto de Renda que tem o teto de 27,50% para quem ganha acima de R$ 10.740,96. 

O aumento dessa faixa de isenção do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) neste ano para quem ganha até dois salários mínimos (R$ 3.036) ainda depende da aprovação no Congresso do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) 2025. Pelos cálculos do governo, essa mudança custará R$ 5 bilhões aos cofres públicos.

No fim do ano passado, essa renúncia fiscal foi antecipada, juntamente com o anúncio do pacote de corte de gastos, e provocou uma forte onda de desconfiança do mercado financeiro no compromisso do governo com o equilíbrio fiscal, o que fez o dólar disparar e ser negociado acima de R$ 6 pela primeira vez desde o Plano Real. As estimativas do mercado para o impacto dessa medida variavam entre R$ 35 bilhões e R$ 50 bilhões.

O impacto fiscal da isenção do Imposto de Renda para quem ganha mais de R$ 5 mil, por sua vez, será de R$ 25,8 bilhões aos cofres públicos a partir de 2026, conforme dados dos técnicos do Ministério da Fazenda, divulgados ontem, no Planalto, após a cerimônia de assinatura do PL por Lula.

Eles somaram os outros R$ 5 bilhões de impacto do aumento da faixa de isenção neste ano para chegar a um número mais próximo do que vinha sendo ventilado pela própria equipe econômica, em torno de R$ 30 bilhões. A justificativa, segundo a pasta, está relacionada às diferenças entre o salário mínimo, que ficou maior, e a base de dados da declaração do IR de 2024, ano-calendário de 2023, que é a mais atual.

Em contrapartida, como é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) sempre que há uma nova despesa, o PL propõe aumento de tributação de até 10% para quem ganha mais de R$ 1,2 milhão por mês e sobre os ganhos de dividendos pagos por uma única empresa acima de R$ 50 mil. Também serão tributadas em até 10% as remessas de dividendos ao exterior. O governo estima que 141,1 mil pessoas recebem mais de R$ 50 mil por mês e possuem uma alíquota efetiva do Imposto de Renda de 2,5%. Quem já paga menos do que esse percentual, após os descontos, terá de pagar o complemento até os 10%. A previsão de arrecadação com essas duas medidas compensatórias é de R$ 34,1 bilhões a partir do ano que vem. 

Para Lula e integrantes do governo, a medida traz “justiça social” ao reduzir a carga de impostos sobre a classe média, mas aumentá-la para as grandes rendas, de mais de R$ 50 mil mensais — ou R$ 600 mil por ano. Ele e autoridades da equipe econômica garantiram que não haverá mudança na arrecadação federal.  

“Esse projeto não vai aumentar um centavo na carga tributária da União. O que nós estamos fazendo é apenas uma reparação. Estamos falando que 141 mil pessoas que ganham acima de R$ 600 mil, de R$ 1 milhão (por ano), vão contribuir para que 10 milhões de brasileiros não paguem Imposto de Renda. É simples assim”, declarou Lula, durante a cerimônia que contou com a presença de lideranças do Congresso. “É como dar um presente para uma criança:  não vai machucar ninguém, não vai deixar ninguém pobre”, acrescentou.

Alíquota mínima

Por outro lado, quem possui renda acima de R$ 50 mil por mês, incluindo dividendos, terá de pagar uma alíquota mínima sobre a renda, que vai até 10%. Ficam fora da tributação sobre alta renda: ganho de capital; poupança; indenizações; herança ou doação em adiantamento da legítima; aposentadoria e pensão de moléstia grave; e rendimentos recebidos acumuladamente. 

A medida não mexe no vespeiro dos jetons dos servidores dos Três Poderes — bonificações, auxílios e gratificações que engordam os salários do funcionalismo e estouram o teto para, em alguns casos, bem mais do que os R$ 50 mil considerados no projeto de lei. Nos cálculos do governo, a alíquota efetiva do IR sobre os mais ricos passará a ser de 9%.

Lula admitiu que o texto pode sofrer mudanças, já que precisa da aprovação dos parlamentares, mas pediu aos deputados e senadores que tentem apenas melhorar a matéria. Parlamentares da oposição já sinalizaram que são contra a criação de taxas. Porém, o aumento da faixa de isenção tem amplo apoio.

“Eu espero que, se for mudar para melhor, vote. Para piorar, jamais. Esse é o lema que nós temos que adotar, porque é uma coisa tão singela o que estamos fazendo. Às vezes, o volume (de recursos) parece grande porque milhões de pessoas serão beneficiadas. Esse é o pecado que nós pagamos, que os pobres pagam neste país”, afirmou Lula.

Da mesma forma, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o texto apresentado foi o melhor que o governo conseguiu formular, mas que poderá ser “aperfeiçoado” pelo Congresso. Dirigindo-se ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o ministro também comentou que espera ter um “relator à altura” para o projeto.

“Não tem caça às bruxas, histeria, ideologia, no mau sentido da palavra. O que tem aqui é um posicionamento político sobre a sociedade que nós queremos. E nós queremos uma sociedade mais justa”, discursou Haddad.

O chefe da Fazenda também pediu aos parlamentares que levem em consideração a neutralidade tributária do texto, já que não haverá mudança na arrecadação do governo, e seu aspecto social.

Por sua vez, Motta disse considerar a medida como justa e garantiu ao governo que apoiará a tramitação do texto. Porém sinalizou que espera mudanças. “O Congresso, com certeza, na sua diversidade, fará alterações. Não tenho dúvidas, pela importância que ela tem. Alterações que com certeza visam melhorar a proposta. Tanto na Câmara quanto no Senado, nós procuraremos dar a prioridade que a matéria precisa para que, ao longo dos próximos meses, tenhamos a condição de elaborar a melhor proposta possível para o país”, frisou.

Em entrevista coletiva, o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, demonstrou otimismo na aprovação da medida sem mudanças drásticas no texto. “O ideal é com os termos que estamos apresentando, sem colcha de retalhos. Precisamos seguir a Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirmou. 

O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, lembrou que 100 milhões de pessoas pagam Imposto de Renda, mas não têm o suficiente para declarar, pois 90% deles têm rendimento em torno de R$ 60 mil por ano. E, dos declarantes, mais de 26 milhões (65%), serão isentos. 

Dúvidas sobre contrapartida

O projeto de lei que prevê a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, a partir de 2026, vai na direção certa, mas ainda gera incerteza sobre a questão fiscal, pois a contrapartida da medida, que prevê taxar em até 10% as 141,1 mil pessoas que ganham mais de R$ 1,2 milhão e taxar em 10% quem recebe mais de R$ 50 mil em dividendos ou envia lucros e dividendos para o exterior, ainda é considerada incerta, segundo especialistas ouvidos pelo Correio.

Os analistas não duvidam que os parlamentares devem fazer mudanças no texto durante a tramitação. No anúncio no Planalto, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não endossou totalmente a proposta do governo que “justiça social tem que vir com responsabilidade fiscal” e afirmou que o Congresso vai, sim, fazer mudanças. 

Enquanto isso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-PA), divulgou uma nota  cumprimentando o presidente Lula pelo projeto que, segundo ele, “faz parte da reforma tributária e reforça o compromisso com o equilíbrio e o desenvolvimento econômico do país”. “No Senado, daremos a devida atenção a essa matéria, analisando-a com zelo e responsabilidade, sempre em busca de mais justiça social e de um Brasil mais próspero para todos. Seguimos firmes nessa missão”, escreveu.

Frustração

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, afirmou que o projeto é menos do que o desejado, pois não mexeu muito na tabela do IR. “A reforma tributária de bens e serviços foi boa, apesar das isenções e todos os problemas. Mas foi no caminho correto. A gente esperava uma reforma no Imposto de Renda, agora, que fosse focada de fato na classe mais alta e tivesse uma progressividade de imposto maior. O governo não quis incomodar ninguém e fez uma alíquota mais baixa para quem é mais rico e pegou um grupo bem pequeno na verdade, de 141 mil pessoas, e deu isenção para uma classe média enorme, de 10 milhões”, avaliou.

Para Vale, há dúvidas se o governo vai conseguir, de fato. “Eventualmente, pode haver mecanismos para pagarem menos impostos, trocando de ativos, por exemplo. Eu não sei se a compensação vai ser efetiva no final, mas o ponto é que o governo não tem espaço para perder arrecadação e está emparedado com a queda da popularidade”, afirmou.

O especialista em contas públicas Felipe Salto, economistachefe da Warren Investimentos, avaliou que “a medida nasceu em bases corretas, porque contempla uma compensação robusta”, ao estabelecer uma regra de tributação de 2,5% a 10%, cujo potencial arrecadatório poderá ser relevante. Contudo, ele reconhece que ainda não fechou os cálculos comparativos de impacto. 

Rosana Hessel
Victor Correia
postado em 19/03/2025 03:35